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Rui Machete revela como o ministro das Finanças pôs fim à "Dona Branca" em 1984  

O ex-ministro da Justiça Rui Machete revelou que a estratégia do Governo para acabar com o caso D. Branca, em 1984, foi pôr o ministro das Finanças Ernâni Lopes a lançar um "sentimento de incerteza" no negócio.

Sérgio Lemos/Correio da Manhã
31 de Maio de 2017 às 09:49
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Em "Dona Branca - A Verdadeira História da Banqueira do Povo" (Dream Editora), livro do jornalista Pedro Prostes da Fonseca, nas livrarias a 1 de Junho, Machete lembra como uma declaração de Ernâni Lopes em 1984 levou milhares de pessoas a levantar o dinheiro entregue a D. Branca, que assim "rapidamente deixou de ter dinheiro para pagar".

 

Foi o princípio do fim do negócio de Maria Branca dos Santos, que nasceu em Lisboa, em 1911. Não sabia ler, mas conseguia assinar o nome. Gostava de champanhe, mas usava o passe da Carris. Tinha jeito para os números e foi isso que a levou ao negócio dos 10% de juros (seis vezes mais do que praticado nos bancos na década de 80), um esquema que só funcionava em pirâmide, com mais e mais clientes.

 

A mulher, de aspeto simples e carrapito na cabeça, foi levada, juntamente com 68 pessoas, a julgamento, que se prolongou por dois anos e terminou em 1990. Foi condenada a 10 anos de prisão pelo crime de burla agravada e pela emissão de 31 cheques sem cobertura.

 

Com D. Branca, em 1990, foram condenadas mais 44 pessoas, ligadas ao negócio, e 20 foram absolvidas, seis anos depois de ter sido presa.

 

Em 1984, a polícia estava a investigar a "banqueira do povo" e o Governo também ponderava o que fazer, além da via judicial.

 

Ernâni Lopes, então ministro das Finanças no Governo PS-PSD liderado por Mário Soares, "no princípio estava mais inclinado para um caminho mais formal, através dos trâmites da Justiça", mas "acabou por ceder" e "fez uma declaração pública, chamando a atenção que se tratava de uma actividade ilegal e sobretudo que tinha um risco", contou Machete a Pedro Prostes, autor de outros livros como "O Assassino de Catarina Eufémia".

 

Branca dos Santos tinha começado a trabalhar no negócio há muitos anos, ainda na década de 1940, e tinha já muitos clientes quando o semanário Tal&Qual noticiou, em 1983, que a D. Branca era "um autêntico banco" e que "o cacau" estava tão seguro "nas mãos desta mulher de cabelos brancos, como nos cofres da mais sólida instituição de crédito".

 

Entre os amigos da "banqueira", contavam-se "políticos, magistrados, artistas e figuras da televisão como Ribeirinho, Henrique Santana ou Camilo de Oliveira".

 

Para escrever este livro, Pedro Prostes da Fonseca consultou o processo judicial que acabou com a condenação de D. Branca a 10 anos de prisão, dois anos antes de morrer, e falou com parte das pessoas que colaboraram com a "banqueira do povo".

 

Na obra, faz-se a história das amizades, de familiares que estiveram ao lado de D. Branca, de como o negócio existia desde os anos de 1949, as tentativas de última hora, já após revelado o caso nos jornais, de vender apartamentos para pagar juros e devolver dinheiro "depositado" ou ainda a falsificação de recibos, uma das justificações dadas pela "banqueira" para a sua falência.

 

Conta-se no livro que meses depois de o negócio ter rebentado a Polícia Judiciária encontrou papéis a comprovar que, em apenas quatro dias, de 13 a 17 de junho de 1984, tinham sido passados recibos de depósitos no valor de 1,4 milhões de contos, cerca de 33 milhões de euros a valores de hoje.

 

E de como muitos dos lesados não apresentaram queixa e a própria "banqueira" se coibiu de dizer nomes de clientes do seu negócio.

 

Branca dos Santos morreu aos 80 anos, em 1992, dois anos depois de ter sido condenada, num lar, em Lisboa, onde eram poucos os que a visitavam. Como poucos foram os que assistiram ao seu funeral, cinco pessoas.

 

"Num chocante contraste com a multidão que a rodeou no tempo em que era uma 'banqueira' de sucesso", descreve o autor.

 

Nas notas finais, Pedro Prostes da Fonseca faz um paralelo, que "poderá, à primeira vista, parecer descabido", com os casos que envolveram vários bancos nos últimos anos.

 

"Se [a comparação] for feita a partir dos danos causados ao Estado, a posição de D. Branca em relação a João Rendeiro (BPP), Oliveira e Costa (BPN) ou Ricardo Salgado (BES) é insignificante; se for pelos prejuízos causados aos depositantes, fica também muito aquém daqueles tubarões; se for pela rapidez da sua prisão, destaca-se no primeiro lugar", afirma.

 

Além do mais, destes casos conclui-se que "D. Branca era um 'doce' -- como foi batizada pelo Charlie Hebdo -- perto dos banqueiros que destruíram uma boa parte do sistema financeiro no século XXI".

 

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