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"O doente não pode ser um estafeta de recados médicos"

Colocar as necessidades do doente no centro do sistema, trabalhar em equipa, e melhorar os sistemas de informação revela que os resultados de saúde em valor dependem da organização.

Andreia Vale moderou a participação e o debate de ideias entre Rafael Bengoa, Alexandre Lourenço, Marta Temido, Ricardo da Luz e Ana Sampaio. David Martins
Filipe S. Fernandes 13 de Dezembro de 2017 às 11:23
"Esta questão do valor é importante porque são dados serviços e bens aos doentes que estes não querem", disse Ana Sampaio, presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino no debate Value Based Healthcare - The Key For Sustainability, moderado pela jornalista Andreia Vale.

"O doente não quer vários sistemas informáticos nem várias apps de saúde, mas um sítio comum onde possa ver tudo. O doente quer condições dignas num hospital como, por exemplo, casas de banhos condignas, quer um atendimento em que saiba quanto tempo vai ter de esperar, não quer uma senha em que nem sempre é clara a sequência lógica. O doente quer que o médico lhe pergunte qual é a melhor hora para a consulta, e que seja fácil desmarcar uma consulta num hospital." Enfatizou que "há uma grande estratificação nos hospitais, o doente sente-se desacompanhado e é um estafeta que vai de um sítio para outro com os recados dos médicos ".

A presença dos doentes

Os serviços estão mais adaptados aos doentes agudos do que aos doentes crónicos porque estes são doentes que normalmente continuam a trabalhar. Ana Sampaio deu o exemplo da prescrição electrónica em Portugal, em que para um doente crónico o médico prescreve a medicação e quando esta acaba tem de pedir nova receita. Em Espanha, a prescrição electrónica tem validade até à consulta seguinte.

"A cultura da presença dos doentes na decisão é uma aprendizagem", referiu Ricardo da Luz, director de serviço de oncologia do Centro Hospitalar Lisboa Central. Acrescentou que o modelo do valor em resultados de saúde depende de todas as pessoas que então envolvidas como os profissionais de saúde, doentes, cidadãos e gestão. Não tem dúvidas de que "ver o percurso do doente e não apenas o acto isolado choca com a estrutura de especialidades médicas e a organização".

Ver o percurso do doente em vez do acto isolado choca com a estrutura das especialidades médicas e a organização.  Ricardo da Luz
Director de serviço de oncologia do Centro Hospitalar Lisboa Central 

"Há uma grande necessidade de trabalhar em equipa: doentes, médicos, gestores hospitalares e autoridades. Continuamos a tomar decisões de saúde de forma isolada e a publicarem-se despachos sem ouvir as partes envolvidas", refere Ana Sampaio. Por isso, muitas vezes associações de doentes e médicos têm de responder aos doentes e não estão preparados. "Bastava sentar todos a uma mesa para falar sobre os assuntos, porque tudo isto é valor", referiu com saber de experiência feito Ana Sampaio. Salientou ainda que os médicos deveriam trabalhar mais em equipa e "muitas vezes nem precisavam de estar todos juntos, mas interligados".

Valor como corte de custos

Por sua vez Ricardo da Luz sublinhou que a palavra valor serve, até agora, para baixar custos, e teme que se queira apenas diminuir o orçamento público para a saúde. "O que nos queremos é aumentar o valor com o mesmo dinheiro ou com mais algum para fazer a mudança. Esta ideia vem dos EUA, onde se gasta 18% do PIB em vez de 4,2% de PIB de despesa pública em Portugal."

Na óptica de Ricardo da Luz os sistemas de informação no SNS "impedem que o VBH em Portugal avance rapidamente". "Os sistemas de informação são fundamentais para medir e para avaliar. Se não medirmos bem vamos ter maus resultados de certeza. Os nossos sistemas de informação não são vocacionados para os médicos, mas para a área de organização e da facturação hospitalar e têm servido para os médicos, enfermeiros e técnicos farmacêuticos fazerem trabalho administrativo", fundamentou.

O problema é organização

Para Rafael Bengoa, co-director do Institute for Health & Strategy, temas como a descentralização, o papel do doente, e o trabalho em equipa mostram que não se está diante de um problema clínico, mas de gestão e de organização . Na sua opinião, as perguntas que devem ser feitas são: "O que é que necessita o paciente? Qual é a trajectória de um doente crónico no sistema? Porque se fizermos como temos feito nos últimos 40 anos que é planificação em função das estruturas, das corporações dos profissionais e das suas necessidades, não se chega a um modelo para o paciente."


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