Notícia
Nobel da Literatura dispara "poema-míssil" contra Israel
O escritor alemão Günter Grass, laureado com o Prémio Nobel da Literatura em 1999, disfarçou de poema um artigo sobre o programa nuclear iraniano, onde se opõe declaradamente a que Israel ataque o Irão. Vai mais longe: diz que Israel ameaça a paz mundial. Já há reacções. E bastante inflamadas.
Günter Grass é contra qualquer ataque ao Irão por parte de Israel. E di-lo hoje, com todas as letras, sob a forma de um poema intitulado “O que há a dizer” e publicado em simultâneo em vários jornais.
O escritor alemão, conhecido por obras como “O tambor” ou “A ratazana”, fala da “hipocrisia do Ocidente”, ataca a capacidade nuclear de Israel e o facto de não haver provas de que o programa nuclear do Irão se destine à construção de armas.
Além disso, critica a Alemanha por fornecer um submarino a Israel, que poderá com ele lançar mísseis sobre o Teerão.
No mesmo poema, Grass salienta que o seu sangue alemão o tem impedido de se pronunciar contra Israel (numa alusão “ao peso carregado” pela Alemanha devido às atrocidades de Hitler contra os judeus), mas que chegou a hora de quebra o silêncio.
As reacções ao poema de Grass, actualmente com 84 anos, não se fizeram esperar. A embaixada de Israel em Berlim respondeu com a sua própria versão de “O que há a dizer”. “O que há a dizer é que é tradição europeia acusar os judeus (…) o que há a dizer é que Israel é o único Estado do mundo cujo direito a existir é abertamente posto em causa”, diz a declaração da embaixada, sublinhando que os israelitas querem viver em paz com os seus vizinhos.
“Não estamos preparados para desempenhar o papel que Günter Grass está a tentar atribuir-nos, como parte dos esforços do povo alemão de ajustar contas com o passado”, finaliza o comunicado, citado pelo “Spiegel Online”.
Em vários jornais alemães, é notória a crítica feita a Grass, que é acusado de ser um antisemita. Uns entendem e apoiam as críticas, outros defendem o escritor. Afinal, o que há a dizer?
O que há a dizer
Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atómica.
Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel] onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a qualquer controlo,
já que é inacessível a qualquer inspecção?
O silêncio geral sobre esse facto,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coacção que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“anti-semitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse facto, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque há que dizer
o que amanhã poderá ser demasiado tarde,
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa quota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causante desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controlo permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelita
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos,
israelitas e palestinianos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.
O texto original, em alemão, foi hoje publicado no diário “Süddeutsche Zeitung”, no norte-americano “The New York Times” e no italiano “La Reppublica”, tendo posteriormente sido traduzido e publicado no jornal espanhol “El País”.
O escritor alemão, conhecido por obras como “O tambor” ou “A ratazana”, fala da “hipocrisia do Ocidente”, ataca a capacidade nuclear de Israel e o facto de não haver provas de que o programa nuclear do Irão se destine à construção de armas.
No mesmo poema, Grass salienta que o seu sangue alemão o tem impedido de se pronunciar contra Israel (numa alusão “ao peso carregado” pela Alemanha devido às atrocidades de Hitler contra os judeus), mas que chegou a hora de quebra o silêncio.
As reacções ao poema de Grass, actualmente com 84 anos, não se fizeram esperar. A embaixada de Israel em Berlim respondeu com a sua própria versão de “O que há a dizer”. “O que há a dizer é que é tradição europeia acusar os judeus (…) o que há a dizer é que Israel é o único Estado do mundo cujo direito a existir é abertamente posto em causa”, diz a declaração da embaixada, sublinhando que os israelitas querem viver em paz com os seus vizinhos.
“Não estamos preparados para desempenhar o papel que Günter Grass está a tentar atribuir-nos, como parte dos esforços do povo alemão de ajustar contas com o passado”, finaliza o comunicado, citado pelo “Spiegel Online”.
Em vários jornais alemães, é notória a crítica feita a Grass, que é acusado de ser um antisemita. Uns entendem e apoiam as críticas, outros defendem o escritor. Afinal, o que há a dizer?
O que há a dizer
Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atómica.
Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel] onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a qualquer controlo,
já que é inacessível a qualquer inspecção?
O silêncio geral sobre esse facto,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coacção que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“anti-semitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse facto, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque há que dizer
o que amanhã poderá ser demasiado tarde,
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa quota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causante desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controlo permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelita
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos,
israelitas e palestinianos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.
O texto original, em alemão, foi hoje publicado no diário “Süddeutsche Zeitung”, no norte-americano “The New York Times” e no italiano “La Reppublica”, tendo posteriormente sido traduzido e publicado no jornal espanhol “El País”.