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Meninos ricos, meninos pobres

A melhor forma de obter dinheiro é ter um emprego . Mas a principal utilidade do dinheiro tanto pode ser pagar as contas de água e de electricidade, na percepção dos alunos de uma escola pública do 1º ciclo, como poupar para investir no futuro, no entender de crianças da mesma idade que frequentam uma das mais reputadas privadas de Cascais. Em entrevista ao VER, a investigadora do ISCSP que coordenou o estudo sobre Consumo e Poupança envolvendo miúdos entre os oito e os 12 anos diz que numa sociedade sobreendividada e consumista, é urgente implementar políticas para os mais novos

18 de Novembro de 2011 às 16:42
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Os pobres são mais simpáticos, mais poupados e mais honestos do que os ricos. É esta a percepção das crianças portuguesas, apontam os resultados preliminares de um estudo nacional sobre consumo e poupança que inquiriu 245 alunos do 1º ciclo, recentemente divulgado.

Coordenado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), o estudo ainda não publicado foi realizado entre Fevereiro e Julho deste ano, a partir de entrevistas efectuadas a crianças desde os oito aos doze anos de idade, estudantes numa de duas escolas, em Lisboa, com contextos socioeconómicos “muito diferentes”: a escola pública EB Arquitecto Victor Palla, na Penha de França e a Escola dos Salesianos do Estoril.

Para os alunos de ambas as escolas, “uma pessoa pobre parece ser mais simpática, mais poupada e mais honesta do que uma pessoa rica”. Mas as crianças dos Salesianos “têm uma visão mais idealista” dos pobres do que as da Penha de França, para quem “o dinheiro é mais importante para a felicidade e para a conquista de amizades”. E, curiosamente, “não para a sua própria amizade”.

A propósito, as mensagens sobre consumo e poupança que estes miúdos mais retiram dos Media dizem que “os ricos são mais felizes” (61%); “quem trabalha muito é recompensado” (55%); e “com dinheiro consegue-se o que se quer” (44%).

Pagar contas ou poupar?
A investigação sociológica sobre consumo e poupança das crianças coordenada pela Professora Assistente do ISCSP-UTL, Raquel Barbosa Ribeiro, em parceria com António Gabriel, da Escola Básica Arquitecto Victor Palla, foi levada a cabo com o objectivo de apurar as representações e práticas financeiras, a gestão do dinheiro e a poupança das crianças nestas idades.

A pesquisa quali-quantitativa incluiu, para além de 245 crianças dos 3º e 4º anos de escolaridade, os seus professores e encarregados de educação. Comparadas as duas escolas eleitas para a realização deste estudo por terem sido alvo de um Programa de Educação Financeira da responsabilidade do Montepio, conclui-se que oito em cada dez meninos (de ambas as escolas) não acreditam que conseguiriam viver sem dinheiro.

Mas quando questionados sobre a principal utilidade do dinheiro, os alunos da escola de Penha de França são peremptórios em responder que este serve, antes de mais, para pagar contas de água e electricidade (“uma preocupação que ouvem muito aos pais”, justifica a equipa de investigação), ao passo que os alunos dos Salesianos do Estoril consideram que a principal utilidade do dinheiro é a poupança.

Os resultados revelam que a maioria das crianças (cerca de 52%) apresenta uma definição de dinheiro em sentido lato, associando-o a moedas, notas, cartões, poupança e conta no banco. Contudo, o número de alunos que consideram que ter ou comprar coisas é sinónimo de dinheiro cresce para mais do dobro, quando comparadas as duas escolas: 15% na Penha de França contra 33% nos Salesianos.


“Está provado que os hábitos financeiros dos adultos têm antecedentes na sua socialização e na sua experiência enquanto crianças” – Raquel Barbosa Ribeiro, coordenadora do estudo sobre Consumo e Poupança do ISCSP


Inquiridos por níveis escolares, conclui-se que os alunos do 3º ano têm uma noção mais “tangível” do dinheiro (moedas, notas, cartões), enquanto os alunos do 4º ano dão grande importância à sua vertente comercial (ter ou comprar coisas).

E, se sabem o que é o dinheiro, melhor sabem de onde ele vem. Para a grande maioria dos inquiridos (70%), a melhor forma de um adulto obter dinheiro é tendo um emprego.

E, não o tendo, mais de 90% destes miúdos diz receber dinheiro, seja regular ou esporadicamente, conclui o relatório preliminar deste estudo. As crianças dos Salesianos declaram receber valores “consideravelmente superiores” aos das crianças da Penha de França, “sobretudo em ocasiões importantes como o Natal e o aniversário”. Os valores mensais são bastante aproximados (€18 na Penha de França e €22 nos Salesianos).

A grande maioria diz poupar o dinheiro que recebe (73% da Penha de França e 90% dos Salesianos), dando-o aos pais (comportamento mais presente na Penha de França) ou guardando-o no mealheiro (mais característico dos Salesianos), constata-se ainda. Por outro lado, “canalizar o dinheiro recebido para ajudar a família” é muito mais patente na Penha de França” (42%), enquanto “guardar o dinheiro, sem o gastar nem doar”, é um hábito mais forte nos Salesianos (37%), lê-se no sumário da investigação sociológica conduzida por Raquel Barbosa Ribeiro. “Nenhuma criança diz que se limita a gastar, sem poupar”, conclui o mesmo.

A maioria das crianças (mais de 60%) refere que é necessário portar-se bem e/ou ter boas notas para receber dinheiro. Não obstante, são mais os alunos dos Salesianos que dizem que “não precisam de fazer nada para receber dinheiro”. As respostas dos pais revelam precisamente que “não há tanta exigência como a que é declarada pelos filhos, especialmente quanto a ter que ajudar nas limpezas ou nas compras”.

Traçado o perfil das nossas crianças face à percepção que têm sobre a ultra-actual temática de Consumo e Poupança, o VER colocou a Raquel Barbosa Ribeiro três questões chave:


Como surgiu a oportunidade de realizar este estudo dedicado à percepção das crianças sobre Consumo e Poupança?
Há vários anos que investigo a temática do consumo e sempre achei que a poupança era insuficientemente estudada, do ponto de vista sociológico. Também me apercebi que o consumo infantil e a educação para o consumo precisavam de maior atenção. Daí a minha curiosidade sobre o tema.

Esta oportunidade concreta surgiu através de um aluno meu de Mestrado, que me disse ter um amigo, professor primário, a investigar sobre a poupança infantil na escola onde leccionava (EB Arquitecto Victor Palla, da Penha de França). Contactei esse professor (António Gabriel) e acordámos fazer a pesquisa em conjunto, com a anuência da direcção da escola.

Por feliz coincidência, para essa escola estava prevista a implementação do Programa de Educação Financeira do Montepio. Assim, pudemos aferir as representações e os comportamentos das crianças antes e depois do programa. Por intermédio do Montepio, foi possível replicar o estudo na Escola dos Salesianos, conseguindo assim uma interessante comparabilidade dos resultados.

Que importância assume este estudo, no difícil contexto socioeconómico que o País atravessa?
Parece-me ter uma enorme importância. A educação para o consumo e para a poupança é um tema cada vez mais relevante para instituições como o Governo e a Escola. Está provado que os hábitos financeiros dos adultos têm antecedentes na sua socialização e na sua experiência enquanto crianças. Se vivemos, alegadamente, numa sociedade sobreendividada e consumista, importa perceber o que está a ser dito às crianças, como é que as crianças encaram estes fenómenos e como se comportam, para podermos pensar num plano educativo eficaz e adequado às suas necessidades e às suas capacidades.

Todas as políticas públicas precisam de fundamentação científica. Este estudo pode dar uma ajuda ao desenvolvimento de tais políticas (que se me afiguram urgentes) para os mais novos.

Que leitura faz das principais conclusões do estudo?

Os resultados mostram-nos que as crianças têm uma forte noção moral do dinheiro e que preconizam a frugalidade na sua utilização. São inclusivamente mais severas, no discurso, do que os seus pais. Ou seja, aparentemente há noções de controlo e de razoabilidade nas crianças que, posteriormente, e por diversos factores (exposição a estímulos de consumo, interacção grupal, desejabilidade social, status, etc.), se atenuam ou erodem ao longo da vida. É importante que a educação financeira comece desde cedo e que seja coerente ao longo do ciclo de vida.

É ainda notório que o contexto socioeconómico explica muitas das diferenças nas percepções e nas práticas das crianças a respeito do dinheiro e do consumo. Os meninos mais favorecidos estão mais informados, mas tendem a ser mais autocentrados; têm talvez uma melhor noção de estratégia financeira, mas são menos propensos ao altruísmo e à solidariedade. Por outro lado, as crianças de estratos socioeconómicos mais baixos são um pouco mais “inconsequentes” e revelam menos capacidade de planeamento.

Considerando que estas conclusões vão ao encontro de resultados já obtidos em estudos anteriores sobre o comportamento financeiro das classes sociais, sem dúvida que dão que pensar… e, tendo em conta que a maioria da população portuguesa pertence às classes baixa e média-baixa, há ainda um intenso trabalho educativo a realizar.



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