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Há um gabinete em Gaia que anda a “penhorar” a desesperança
Sobre-endividamento, desemprego e penhoras são as principais razões que levam os habitantes de Gaia, um dos concelhos mais flagelados pelo desemprego, ao novo Gabinete de Orientação Económica e Social (GO.ES). Aqui o fumador não é aconselhado a deixar o vício, mas a controlar o orçamento.
"Vai correr tudo bem, vai correr tudo bem. No que pudermos ajudar pode contar connosco a 100%." É com palavras de esperança que os técnicos do novo Gabinete de Orientação Económica e Social (GO.ES) do município de Vila Nova de Gaia recebem os utentes.
Inaugurado há pouco mais de um mês, o gabinete pretende apoiar e acompanhar pessoas que enfrentam problemas financeiros e sociais ou situações de sobre-endividamento.
"A nossa intenção é fazer um trabalho de proximidade junto dos munícipes que nos procuram, conhecer quais são os seus problemas em termos económicos e sociais. Depois, e com eles, tentar perceber junto dos parceiros institucionais o tipo de apoio que lhes podemos dar", explica ao Negócios Joana Azevedo, coordenadora do GO.ES, num dia em que, à hora da nossa reportagem, o gabinete estava vazio de utentes.
Para esta responsável, as empresas têm uma importante responsabilidade no apoio aos utentes, sendo que é necessária a criação de parcerias para facilitar os processos. "O município já está a trabalhar no sentido de motivar as empresas com algumas regalias para que possam contratar pessoas em situação de desemprego e criar alternativas ao mercado normal de arrendamento de maneira a darmos um contributo mais eficaz em algumas situações", adianta.
Desde a inauguração, a 22 de Maio, o gabinete já atendeu 40 casos, havendo uma predominância do sexo feminino e da faixa etária dos 51 aos 60 anos. As principais motivações da procura do gabinete são "o desemprego, o sobre-endividamento e as penhoras. Assim como o risco de um futuro endividamento. Agora, elas não são desgarradas. Estas motivações conjugam-se", conclui a coordenadora do gabinete.
É por essa razão que o apoio oferecido aos utentes é também multidimensional. Para isso o GO.ES conta com técnicos em quatro áreas diferentes: um assistente social, um gestor, um jurista e um psicólogo. Todas as áreas são intervenientes em quase todos os processos.
A gestão, para Isabel Fontes, técnica do GO.ES e especializada na área, é fundamental para os processos de orientação, já que o gabinete está muito vocacionado para o endividamento.
"Na parte da gestão, o que nós estamos a tentar fazer é a educação e reeducação financeira das famílias. Há uma parte fundamental no processo: o orçamento familiar. As pessoas não estão habituadas a fazer orçamentos familiares e quando os fazem principiam situações de endividamento", assegura a gestora.
O orçamento familiar tem de ser o mais real e fidedigno possível e contabilizar todas as despesas. Um simples café fora de casa deve ser tido em conta. Isabel Fontes acredita que "quando estamos a falar de famílias com endividamentos ou em pré-endividamentos isso faz toda a diferença".
A resolução dos problemas "dependem a 100% dos utentes", apesar de muitas vezes estes transportarem as responsabilidade para o gabinete e os seus técnicos. "Imagine os gastos de uma família que tenha dois fumadores. Claro que as pessoas podem perguntar: ‘Mas aconselham a deixar de fumar?’ Não, eu não aconselho nada. Eu oriento no sentido de as pessoas organizarem os seus rendimentos de acordo com aquilo que podem gastar, depois cabe à família fazer a sua gestão do orçamento", esclarece a técnica em gestão.
O GO.ES não oferece soluções, mas referencia alternativas. Joana Azevedo reforça que durante todo o processo o utente "é dono do seu próprio destino, das suas próprias escolhas".
Mas orientar não passa só por esclarecer dúvidas ou encaminhar para as melhores decisões. Os utentes entram desmotivados e sem esperança, e, muitas vezes, "rejeitam automaticamente quase todas as propostas que fazemos, principalmente se estiverem relacionadas com propostas de emprego", explica Liliana Gomes, psicóloga do GO.ES. É preciso saber lidar com as pessoas, daí a importância da psicologia no gabinete.
Liliana Gomes não faz um acompanhamento psicológico dos utentes. O seu papel é participar no atendimento de forma a facilitar o processo. "Eu acabo por actuar como mediadora, atenta a indicadores, como a depressão, a que os outros elementos da equipa não atentam devido à sua formação. É por isso que é importante ter um psicólogo no gabinete", enfatiza.
Apesar de estar numa fase inicial, o GO.ES apresenta já casos de sucesso, como a renegociação de créditos de habitação ou formação para desempregados.
A coordenadora do gabinete faz um balanço positivo do projecto e admite que a nível pessoal, o grande desafio é "perceber que só com a nossa vontade não conseguimos solucionar todos os problemas que nos chegam."