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Empresas criticam "janelas" abertas pelo Governo para escapar à revisão de contratos
A portaria, que chega com atraso de dois meses, prevê retroactivos a Janeiro e flexibiliza algumas regras para pedir compensação pelo aumento do salário mínimo. Porém, está longe de satisfazer as fornecedoras do Estado.
As regras que os Ministérios das Finanças e do Trabalho querem definir para a actualização do preço dos contratos públicos de aquisição de serviços, de forma a ajustá-los ao aumento do salário mínimo (SMN) para 557 euros em 2017, estão a ser contestadas pelas empresas fornecedoras, que acusam o Governo socialista de manter na lei algumas indefinições para dificultar um processo que já leva um atraso de vários meses.
O projecto de portaria enviado aos parceiros sociais, com quem o Executivo negociou a inclusão desta actualização extraordinária no acordo de concertação, prevê algumas alterações em relação ao contestado modelo que tinha sido definido para 2016, quando o SMN subiu também de 505 para 530 euros, e que resultou apenas em 17 contratos efectivamente revistos em alta. Desde logo, este ano passa a explicitar que a alteração é feita com retroactivos a Janeiro.
Alguns procedimentos são também simplificados, como o facto de o relatório financeiro – que comprova que a componente de mão-de-obra indexada ao salário mínimo foi "factor determinante na formação do preço contratual" – passar a poder ser assinado pelo contabilista da empresa. E não ter de ser validado pelos organismos públicos, embora mantenham a capacidade de pedir mais informações ou esclarecimentos antes de avançar com o processo.
Outra alteração que vai de encontro às pretensões das empresas é a fixação de prazos, o que, pelo menos em teoria, dificultará os "vetos de gaveta" por parte do organismo público, algo de que as prestadoras de serviços se queixaram no passado. A adjudicante passa a ter um prazo de 15 dias para submeter o pedido de revisão às Finanças e ao Ministério que a tutela. E estes, por sua vez, têm um prazo máximo de 45 dias úteis para emitir um despacho conjunto a confirmar a actualização do preço daquele contrato.
No princípio era o verbo: Poder ou dever? Celebrar ou adjudicar?
Ora, aqui acabam os elogios e começam as críticas das empresas que prestam serviços ao Estado em área como as limpezas, a vigilância ou as cantinas. "Tendo em conta que estamos no meio do ano; que o Governo pulverizou todos os prazos com que, na própria lei, se tinha comprometido; que as empresas têm vivido, com extrema dificuldade, designadamente as de menor fôlego económico, o sufoco do agravamento dos custos derivados do aumento do SMN – afigura-se inaceitável o larguíssimo prazo de 45 dias que o Governo ainda se oferece a si próprio para produzir um despacho", lê-se na contestação das confederações patronais.
Ao Negócios, o director executivo da Associação Portuguesa de Facility Services (APFS) lamenta que o processo "continue a ter muita burocracia" e que este projecto "deixe algumas janelas abertas, que parecem servir para [o Estado] escapar" à actualização dos preços dos contratos. É o caso de uma formulação no artigo 3.º do diploma que Fernando Sabino descreve como "absolutamente inaceitável" por referir que "a entidade adjudicante pode solicitar aos membros do Governo" esta autorização.
"Pode? Então, ao fim e ao resto, tudo vai continuar no poder discricionário da entidade adjudicante. Tanto pode solicitar, como pode não solicitar?", questiona a APFS. "É igualmente crucial substituir o ‘pode’ por ‘deve’. No limite, teria de ficar ‘solicitará’", reclama a associação, filiada da CIP e da Confederação do Comércio e Serviços (CCP), representante de um sector que emprega 100 mil pessoas e em que "a esmagadora maioria" recebe o salário mínimo.
Outro ponto de contestação está logo escrito no "objecto" desta portaria, que nos próximos dias deve ser publicada em Diário da República: dirige-se a contratos celebrados, em vez de ser aos adjudicados, em data anterior a 1 de Janeiro de 2017. É que, argumentam, "há vários contratos, de enorme valor económico e de extrema relevância para várias empresas, que foram negociados, concluídos e até adjudicados [em 2016], mas que só vieram a ser assinados ou celebrados já em 2017". "É crucial a cobertura destas situações. A adjudicação é, por si mesma, um acto suficientemente indiciador do fecho do processo", concluem os patrões.
Nódoa no acordo de concertação social
O atraso na publicação desta portaria foi classificado como "inexplicável" pelo líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) no quarto relatório de acompanhamento do acordo sobre o salário mínimo celebrado ainda em 2016, com João Vieira Lopes a dramatizar que "esta é uma questão vital para PME de mão-de-obra intensiva" que têm o Estado como cliente e que "podem ter problemas financeiros graves". Em declarações ao Negócios em meados de Maio, quando o Governo já tinha falhado o prazo de 60 dias estipulado no Decreto de Lei de Execução Orçamental para 2017, o responsável classificou mesmo a falta desta portaria como "bastante grave" por "[pôr] em causa a boa fé do Governo" no acordo do salário mínimo. E, ameaçou o líder da CCP, esta "é uma reserva" que terá para "futuros acordos" em sede de concertação social.