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Contas da austeridade de Bruxelas debaixo de fogo

Bruxelas divulga esta sexta-feira a sua avaliação aos orçamentos nacionais, numa altura em que o saldo estrutural, um indicador-chave para calibrar a austeridade exigida aos países, recebe críticas oriundas de vários pontos da Europa.

Reuters
28 de Novembro de 2014 às 00:01
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O saldo orçamental estrutural, o indicador usado em Bruxelas para exigir mais ou menos austeridade às várias capitais europeias, está sob fortes críticas. Não é de confiança, diz o ministro das Finanças italiano. É diferente quando é calculado pela Comissão, pelo FMI ou pela OCDE, nota o equivalente ao Conselho das Finanças Públicas na Holanda. Muda de cada vez que se calcula, diz a presidente do Conselho das Finanças Públicas em Portugal.


O problema com o saldo estrutural – que ajusta as contas públicas ao efeito do ciclo económico e das medidas temporárias – é que depende da estimativa do crescimento potencial da economia, que é um abstracção teórica. Para o estimar são necessárias muitas hipóteses. E essas  hipóteses podem ter consequências significativas.


Por exemplo, se o PIB potencial estiver subestimado, então o ‘gap’ do produto (o efeito do ciclo na economia, ou seja a distância entre o PIB potencial e o efectivo) também será subestimado; daí resulta que a parte do défice orçamental que é considerado "estrutural" é maior, e portanto a pressão por mais consolidação orçamental aumenta. O contrário também é verdade.


Claro que isto não seria uma questão de maior se o PIB potencial, o ‘gap’ de produto e o saldo estrutural fossem indicadores estáveis e robustos.

 

O problema é que não são. Peguem-se por exemplo nas estimativas de défice estrutural de 2013 – um ano já terminado – das várias instituições internacionais: 2,9% do PIB segundo o FMI, 2,2% segundo a OCDE, 1,9% de acordo com a Comissão Europeia. Ou seja, a consolidação orçamental necessária face à meta europeia de saldo estrutural de 0,5% do PIB em 2017 (que faz parte das regras inscritas nos tratados da Zona Euro) oscila entre 4,15 mil milhões de euros do FMI, e os 2,4 mil milhões da Comissão. São menos 1,75 mil milhões de euros, o equivalente a 1% do PIB, ou a quase 10% dos salários do Estado. 


Há exactamente uma semana, o problema foi levado para as páginas do influente Financial Times pelo ministro das Finanças italiano, Pier Carlo Padoan, que afirmou que se usasse a metodologia da OCDE, a Itália "estaria em excedente estrutural há muito tempo", ou seja, não necessitaria de mais austeridade, e cumpriria as regras de Bruxelas.

 

"As decisões tomadas com base num aparato analítico tão precário são muito importantes (...) afectam a vida dos cidadãos e não podemos brincar com isso", atirou. A Itália é uma das economias que deverá hoje receber um aviso da Comissão Europeia, na avaliação aos orçamentos, para que adopte mais medidas de austeridade.


O problema não está referenciado apenas por especialistas de economias que estão sob pressão de Bruxelas. Um artigo recente do Conselho de Análise de Política Económica holandês refere-se ao saldo orçamental estrutural como "um amor à primeira vista que se tornou amargo". Nele, os especialistas apontam a diferença de previsões entre instituições, e para a mesma instituição. Avisam mesmo que o problema é de tal ordem que o saldo estrutural "pode dar um sinal errado", isto é, pode apontar para a necessidade de austeridade, com um orçamento já em equilíbrio (assim como o contrário também é possível).


Na verdade, em parte foi isso que se passou com Portugal. Voltemos a 2013. A actual previsão da Comissão aponta para um défice estrutural  de 1,9% do PIB no ano passado. No entanto, este é o valor após significativas alterações metodológicas já este ano. Se recuarmos à previsão de saldo estrutural apresentada há um ano, então obtém-se uma estimativa de défice estrutural na altura de 3,7% do PIB – bem maior que a FMI. Quer isto dizer quando se desenhou a estratégia orçamental para 2014, as estimativas de Bruxelas apontavam para a necessidade muito mais austeridade do que agora.


Numa entrevista ao Negócios, Teodora Cardoso, a presidente do Conselho das Finanças Públicas, sintetizava que "o problema com o saldo estrutural é que de cada vez que se calcula, muda". E avançava que, apesar das previsões da Comissão Europeia apontarem para um agravamento do saldo estrutural em 2015, não esperava qualquer sanção nas recomendações que Bruxelas divulgará hoje, um cenário ontem confirmado pela Reuters. A credibilidade das regras europeias está mais uma vez em cheque.

  

 
O que é o saldo estrutural?
o saldo orçamental estrutural estima o desequílibrio das contas públicas para um cenário em que a economia esteja a crescer no seu potencial, ou seja, elimina o efeito nas contas das recessões e das expansões (o que os economistas chamam de ciclo económico) – e também o de medidas extraordinárias para não se deixar iludir por operações como receitas de concessões, por exemplo. Se a política orçamental for avaliada em termos estruturais, um governo pode ter défices quando a economia contrai (com menos receita de impostos ou mais despesas de subsídio de desemprego) e, mesmo assim, ter um saldo estrutural equilibrado. Ao contrário, pode conseguir excedentes orçamentais em momentos de sobreaquecimento económico, e o saldo estrutural apontar para um défice. É por medir a orientação estrutural das políticas, que os tratados europeus apontam para a obrigatoriedade dos governos apontarem para orçamentos quase equilibrados... em termos estruturais. No caso português, a meta é de um saldo orçamental estrutural de 0,5% do PIB.

 

 

 

 

 

 

 

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