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Mecenato em nome de quê?

Na era da austeridade, com menos apoio do Estado, os agentes culturais contam com o apoio privado para sobreviver. Espalhado de Norte a Sul, do bailado aos museus, o mecenato vale largos milhões de euros ao País. Para António Mexia é uma aposta ganha. "Não podemos prever o futuro, temos que o imaginar", conta o líder da EDP. E a cultura faz parte disso

28 de Março de 2013 às 00:02
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Haverá alguma semelhança entre a Casa da Música, o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota e o Museu de Arte Contemporânea de Elvas? Há. À parte a missão cultural de cada uma destas instituições, todas elas têm no mecenato uma alavanca importante para a sua sobrevivência. Recebem das empresas verbas que permitem olhar para o futuro com alguma esperança. Sobretudo num momento em que o Estado, financiador de grande parte das entidades culturais do País, corta a direito onde pode. Para muitos agentes que programam as actividades de lazer e fruição da sociedade a bóia de salvação está no apoio das empresas. Mas será o mecenato uma manifestação genuína de responsabilidade social? Ou antes uma arma dissimulada de "marketing" e relações públicas?


Certo é que a cultura está cada vez mais cotada entre as cotadas. Que é como quem diz: as grandes empresas da bolsa portuguesa estão atentas às artes e, mesmo em tempos de austeridade, não deixam de canalizar recursos para o mecenato.


A EDP é um dos maiores mecenas actuais. Através da Fundação EDP tem canalizado para actividades culturais vários milhões de euros. O presidente da EDP, António Mexia, assume que esta área, ainda que não seja central nas operações do grupo, é indispensável no seu orçamento. "Não podemos prever o futuro, temos que o imaginar, e a cultura é um aspecto considerável no desenho desse futuro. Assim, não consideramos o apoio à cultura como um gasto, mas sim como um investimento em algo crítico para o nosso desenvolvimento como sociedade. Esse investimento, em 2012, foi de cerca de 2,6 milhões de euros", explicou ao Negócios António Mexia. O gestor antecipa que "o valor dos apoios em 2013 deverá estar em linha com os valores investidos em 2012". Entre os beneficiários das verbas concedidas pela EDP estão instituições tão diversas como a Companhia Nacional de Bailado, a Casa da Música, a Fundação Serralves, a Trienal de Arquitectura, o Museu Nacional de Arte Antiga, a Orquestra Sinfónica Juvenil, a Fundação Arpad-Szenes Vieira da Silva, entre outras.


Especialista em ir buscar energia, sob a forma de petróleo, às profundezas do subsolo, a Galp está também envolvida em iniciativas de apoio à cultura, por via da Fundação Galp Energia, que em 2012 investiu perto de meio milhão de euros nesta área. "Repartido entre as parcerias plurianuais com instituições culturais e as iniciativas próprias levadas a cabo pela Fundação, este investimento traduz não só uma preocupação com a manutenção dos compromissos assumidos mas também uma orientação para a valorização de novos projectos", explica fonte oficial da petrolífera. Mecenas do serviço educativo da Casa da Música, a Galp tem comprometidos 350 mil euros em apoios à cultura no ano corrente, sendo que estão a ser avaliados outros projectos que podem fazer aumentar aquela verba.


O banco Millennium BCP é outro dos mecenas activos em Portugal, sendo o património e a museologia as áreas-alvo dos seus apoios. Em 2012, a cultura e o património receberam da Fundação Millennium BCP verbas de 728 mil euros, 55% dos apoios concedidos pela entidade. Fonte oficial do BCP nota que "a Fundação surge como reflexo da cultura de responsabilidade social do banco, o qual desde sempre entendeu assumir, a par da sua actividade específica, um claro compromisso de apoio ao desenvolvimento das comunidades em que se insere".


A banca é, aliás, um dos grandes financiadores da cultura em Portugal. O BPI tem na sua lista de mecenato beneficiários de Norte a Sul do País. É mecenas do Museu de Serralves, da Casa da Música, da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu de Arte Contemporânea de Elvas e da Fundação Museu do Douro, por exemplo. E concedeu apoios a iniciativas tão diversas como a Bienal de Vila Nova de Cerveira e o Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde.


O Banco Espírito Santo (BES), por seu turno, contabilizou em 2011 um "bolo" de quase 1,2 milhões de euros de apoios à arte e cultura, que corresponde a 36% de todo o mecenato da instituição. Além de ter aberto no centro de Lisboa a galeria BES Arte e Finança, o banco tem privilegiado o apoio à fotografia. Instituiu o prémio BESphoto e assumiu-se como mecenas do departamento de fotografia da escola Ar.Co. Isto a par dos apoios dados a espaços como o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota e o Museu do Oriente, entre outros.


O rol de mecenas em Portugal é extenso e a lista de beneficiários mais extensa é. Mas uma coisa é certa. Não são só as grandes empresas cotadas em bolsa que assumem o mecenato entre as suas prioridades. Empresas como a DST, de Braga, e a Visabeira, de Viseu, vêm também distribuindo apoios à cultura, sobretudo nas cidades onde nasceram.

"Em nome de uma cidadania empresarial activa"

 

 
Os mecenas que se desdobram de Norte a Sul do País
Porto

 

Casa da Música

Mecenas: BPI, Sonae, Galp

 

Fundação de Serralves

Mecenas: BPI, EDP, Mota-Engil, Sovena, Unicer

 

Lisboa

 

Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva

Mecenas: EDP, CGD

 

Museu do Oriente

Mecenas: BES

 

Teatro S. Carlos

Apoios: BMW, Fnac

 

Viseu

 

Teatro Viriato

Mecenas: BPI

 

Museu Grão Vasco

Mecenas: Visabeira

 

Braga

 

Companhia de Teatro de Braga

Mecenas: DST, Auto-Sueco

 

Faro

 

Companhia de Teatro

do Algarve

Mecenas: ANA, Algar

 

Aljubarrota

 

Centro de Interpretação

da Batalha de Aljubarrota

Mecenas: BES

 

Elvas

 

Museu de Arte Contemporânea de Elvas

Mecenas: BES, BPI

Mas se o mecenato é uma opção para grandes grupos privados e para empresas de menor dimensão, o que está na sua génese?


Rui Pedroto, responsável da Fundação Manuel António da Mota, criada em 2010, assume como "parte integrante da estratégia" os desafios da sustentabilidade e da responsabilidade social. "Mecenato, sim", dirão muitos gestores. Mas em nome de quê?


Rui Pedroto diz que "o veículo fundacional procura ser a expressão organizada e sistematizada de uma gestão ética e socialmente comprometida, em nome de uma cidadania empresarial activa e participativa".


Ante a questão sobre se o apoio à cultura é um misto de marketing e responsabilidade social, o presidente da EDP aponta a resposta numa outra direcção, sugerindo que a estratégia de mecenato está no DNA do grupo energético. "A EDP acredita que a inovação e a criatividade são factores críticos para o seu sucesso. A cultura é um campo onde esses factores são também muito valorizados, o que leva a essa ligação profunda entre a EDP e a cultura", explica António Mexia. "A dimensão da EDP e a sua posição de liderança nos índices de sustentabilidade internacionais tornam essa ligação que referi numa procura constante de relacionamento entre áreas aparentemente distintas, como a economia, a cultura, a arte, a educação, a ciência e a inovação social", acrescenta o gestor.


Para o presidente da EDP, a ligação da empresa à cultura está longe de se esgotar na distribuição de milhares (ou milhões) de euros a fundo perdido a entidades terceiras. "Quando convidamos arquitectos que ganharam o prémio Pritzker - como Siza Vieira e Souto Moura - e artistas internacionalmente reconhecidos - como Pedro Cabrita Reis e Pedro Calapez - para intervirem nas novas barragens, estamos a qualificar esses projectos, a construir um legado relevante em termos económicos, de engenharia, de arquitectura e no campo das artes", salienta António Mexia.


Mas a ligação entre as empresas e a cultura poderá não ser totalmente desprendida. O mecenato, ainda que não entre no orçamento de marketing de uma companhia, pode acabar por ser uma ferramenta interessante de relações públicas. Verdade? Para a Galp Energia a resposta é de sentido contrário. "A missão da Fundação - servir a comunidade e o seu desenvolvimento sustentado - não incorpora, na sua definição e concretização, quaisquer princípios de marketing", assegura o porta-voz da petrolífera portuguesa.


O que será preciso para investir mais?
O regime jurídico do mecenato e o Estatuto dos Benefícios Fiscais permitem às empresas deduzir aos seus impostos a totalidade dos donativos concedidos a projectos e instituições culturais, até um montante equivalente a 0,8% do seu volume de negócios. Além das missões de sustentabilidade e responsabilidade social, os benefícios fiscais já serão um incentivo considerável ao mecenato cultural das empresas. Mas poderiam estas fazer ainda mais pela cultura em Portugal? Do que precisariam?


Rui Pedroto, da Fundação Manuel António da Mota, considera que o trabalho já feito pelas empresas portuguesas não fica atrás do que é praticado lá fora. "As empresas portuguesas, em particular as de maior dimensão, têm feito muito pela cultura e pelo apoio aos agentes culturais, não se afastando daquilo que são as melhores práticas das suas congéneres europeias", comenta este responsável, cuja fundação aportou em 2012 cerca de 225 mil euros à cultura (de um orçamento global de um milhão de euros), estimando para 2013 uma verba superior a 200 mil euros. Por isso, Rui Pedroto deixa uma garantia: "A promoção da cultura e generalização do acesso aos bens e valores culturais têm sido uma preocupação da Mota-Engil e da Fundação Manuel António da Mota".


A Galp, por seu lado, lembra que fazer mais pela cultura é um desafio especialmente difícil na presente conjuntura. "Numa altura como a que atravessamos, em que a gestão dos orçamentos deve ser ainda mais rigorosa, as solicitações de apoio a projectos na área da cultura concorre directamente com os recursos disponíveis para uma série de outras áreas, desde logo para projectos de apoio social, onde se têm sentido de forma mais grave e impactante os efeitos negativos do enquadramento económico actual", sublinha fonte do grupo presidido por Manuel Ferreira de Oliveira. Neste contexto, sublinha a empresa, "a Fundação Galp Energia tem concentrado recursos de forma crescente no apoio aos mais desfavorecidos".


António Mexia não esclarece sobre se as empresas precisam de mais estímulos ou benefícios fiscais para reforçarem a sua ligação à cultura. Contudo, o presidente da EDP está convicto de que o apoio aos agentes culturais é um incentivo que vale por si mesmo. "Se parte da riqueza criada pelas empresas for investida em projectos culturais, então as empresas estão a assumir o seu papel social e a contribuir para o desenvolvimento da sociedade como um todo", nota António Mexia.


"Cada empresa assume as suas opções, mas estamos convictos de que uma empresa que se queira do século XXI não pode deixar de ter presente esta dimensão, que é parte essencial da criação de valor", enfatiza o gestor. "Na EDP entendemos este papel como parte da nossa responsabilidade para com a sociedade portuguesa e como uma mais-valia para o posicionamento da marca EDP em Portugal e no mundo", conclui Mexia.

 

 

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