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Henrique Raposo, ou o Alentejo em fúria

O autor de "Alentejo Prometido" gerou uma forte polémica, com epicentro nas redes sociais, ao dar uma imagem do Alentejo que muitos consideram ser desadequada. Além do livro, as suas declarações no programa "Irritações", da SIC Radical, valeram-lhe ameaças e insultos. O local de apresentação da obra já foi alterado.

Negócios 02 de Março de 2016 às 07:50
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"Temos connosco um dos gajos mais irritantes do país". Foi assim que Pedro Boucherie Mendes apresentou, no programa "Irritações" da SIC Radical, no passado dia 19 de Fevereiro, o autor do livro "Alentejo Prometido", Henrique Raposo. Se o livro estava já a incendiar muitos portugueses, devido às suas críticas ao Alentejo, as afirmações de Henrique Raposo durante o programa só vieram intensificar essa fúria. Desde então, nasceram mais páginas e grupos nas redes sociais que contestam o colunista do Expresso e exigem que o livro não seja vendido.

 

A 15 de Agosto de 2014, depois de Henrique Raposo, na sua habitual coluna do jornal Expresso, ter escrito que mantinha há 20 anos "uma relação de amor-ódio com o Algarve", nascia no Facebook o grupo "Pessoas que estão fartas das crónicas de Henrique Raposo no Expresso", que conta actualmente com 772 membros.

 

E o colunista explicava essa tal relação amor-ódio: "Para começar, irrito-me com a antipatia militante do algarvio puro, aquele que é típico de Odiáxere, Vila Real, Monte Francisco, Castro Marim ou Monte Gordo, mas que também aparece em cidades como Portimão ou Lagos. Sim, encontrar um algarvio simpático é quase tão difícil como encontrar um Espírito Santo bom de contas. Até parece que os algarvios fazem gala da sua antipatia. E como se a delicadeza fosse sinónimo de fraqueza ou de hábitos efeminados. Em algumas destas terras, até podíamos fazer o casting para filmes de piratas".

 

A opinião de Henrique Raposo "não caiu bem" em muitos círculos, tendo sido mesmo alvo de ameaças. Tal como agora, em que o colunista e autor se viu obrigado a alterar o local da cerimónia de apresentação de "Alentejo Prometido". Inicialmente estava marcado para a galeria Tintos e Tintas, em Lisboa, mas foi cancelado, avançou a revista Sábado. "Não tem a ver com o conteúdo do livro mas com a polémica em que não queremos estar envolvidos", explicou à Sábado João Saião Lopes, um dos sócios do espaço.

 

Segundo a revista, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que publica o livro (integrado na sua colecção Retratos), acrescentou as novas coordenadas para o evento: dia 8 de Março, na livraria Bertrand (Picoas Plaza) pelas 18h30.

 

Entretanto, num dos mais recentes grupos criados no Facebook (chamado "Henrique Raposo - O inimigo nº 1 do Algarve e Alentejo" e que contabilizava 11.022 membros na noite de 1 de Março), um dos membros diz ter enviado à Bertrand um pedido de cancelamento do evento, mas a resposta que recebeu descarta essa possibilidade.

 

Já foi igualmente criada a petição pública "Não à venda do livro do Raposo", que contava com 2.212 assinaturas.

 

Na rede social Twitter é visível também o debate em torno desta polémica, parecendo contudo mais evidentes as mensagens de repúdio contra a liberdade de expressão.

 

Mas o que disse Henrique Raposo, no programa Irritações, que tanto enfureceu - muito especialmente - o sul do país? À pergunta de Pedro Boucherie Mendes sobre se se sentia alentejano, responde que não. "Quando pensei escrever o livro, há uns três ou quatro anos, tinha a esperança de que iria encontrar as minhas raízes alentejanas, que iria ver uma luz debaixo do chaparro… não vi…". E acrescenta: "Quando comecei o livro já não tinha essa esperança, mas ainda tinha a esperança daqueles momentos de redenção… mas nunca encontrei e é um livro duro por causa disso, porque é a minha separação com o Alentejo".

 

Sobre o facto de criticar os alentejanos por "legitimarem a cultura de suicídio", Henrique Raposo refere que "não é uma crítica". "É uma constatação de um facto e a minha separação em relação a esse facto", explica. "As alentejanas antigas nem sequer têm a palavra violação para descrever muitos abusos que sofriam: ‘ele chegou-se ao pé de mim e pronto’…".

 

O autor de "Alentejo Prometido" considera que "para os alentejanos, o suicídio é como se fosse um fenómeno natural". "Tu não contestas moralmente um terramoto, ele acontece, é chato mas ele acontece", afirma, explicando o que diz ser o sentimento dominante entre os alentejanos. E reforça: "O alentejano vê o suicídio como um fenómeno natural: ‘olha, matou-se’".

 

"Costumo contar este episódio: numa aldeia lá da zona, queria entrar no café, estava a fechar, passa a senhora… ‘tá a ver aquele ajuntamento de gente ali? Ele matou-se’. (…) E o funeral é aquilo. E ela disse aquilo como se fosse ‘sou do Benfica’ ou ‘sou do Porto’ ou ‘fui ali trocar uma nota por trocos’".

 

Henrique Raposo fala também, neste programa da SIC Radical, sobre o facto de considerar que o Alentejo é a "terra da desconfiança": "Se pensares na diferença norte-sul e nos laços de confiança entre as pessoas… tu chegas a Santiago e as pessoas estão sozinhas de um lado para o outro, não estão juntas a falar. Chegas a Arouca e estão juntas, a falar umas com as outras. São os laços de comunidade que são fortes no norte e fraquíssimos no sul. Tem a ver com a história de violência, que no Alentejo é particularmente marcada".

 

Foram estas palavras que geraram a forte polémica junto de um grande público que, na sua maioria, diz não ter lido ainda o livro. Um dos seus capítulos, recorde-se, foi publicado no dia 13 de Fevereiro no Observador, podendo ler-se que "se o Alentejo litoral fosse um país independente, seria a nação com a taxa de suicídio mais alta do mundo, superando até os países eslavos. Na Lituânia, líder mundial, a taxa é de 42 suicídios por 100 mil habitantes. No Alentejo de Odemira e Santiago, os números podem chegar com facilidade aos 45, 50 ou mesmo 60 suicídios por 100 mil habitantes. Há Jacintinhos por todo o lado. Nestas viagens e nas posteriores entrevistas que fiz a alentejanos a viver em Lisboa nunca encontrei uma pessoa sem uma história de suicídio na família".

 

No passado dia 27 de Fevereiro, na sua coluna no Expresso, o autor, perante a fúria crescente nas redes sociais, escreveu um artigo intitulado "Carta de Amor ao Alentejo", onde diz: "Respeito o Alentejo, toda a minha família é alentejana, os alentejanos terão sempre em mim um aliado contra a parvoíce das anedotas; continuarei a escrever sobre o Alentejo até que os meus antepassados tenham a dignidade literária que merecem. Dignidade, essa, que não existe nas mitologias que se servem do Alentejo, o neorrealismo e a ideologia do turismo que reduz a zona mais interessante e trágica do país a uma espécie de Disneylândia do silêncio".

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