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Em V, U, L, W ou como o logo da Nike. Como a economia vai recuperar da recessão?
Num debate com muitas letras à mistura, os economistas já analisam como vai a economia global vai recuperar da recessão provocada pela pandemia do novo coronavírus.
Os economistas estão a recorrer a um cardápio de sopa de letras para tentar prever a recuperação da economia mundial da que deverá ser a pior recessão desde pelo menos 2009 e, talvez, desde a II Guerra Mundial.
Uma recuperação em V, em que a retoma é tão rápida quanto a queda, era a trajetória mais esperada no início, mas, agora, mais economistas começam a preocupar-se com uma trajetória em U. Os mais pessimistas acreditam que o crescimento global pode seguir um caminho em L ou W, ou outro mais distorcido com pouca semelhança com as letras romanas.
"Existe uma relação complexa entre o caminho do vírus, a eficácia das políticas de contenção, suporte económico e o comportamento do setor privado", dizem os economistas do JPMorgan Chase, liderados por Bruce Kasman, num relatório enviado a clientes esta semana. "Assim, há uma enorme incerteza sobre o caminho a seguir, fazendo lembrar o ditado ‘prever é difícil, especialmente o futuro’".
Confira como seria a recuperação em cada cenário:
Trajetória em V
O vírus desapareceria na Europa e nas Américas em abril ou maio, permitindo que as regras de distanciamento social sejam flexibilizadas. A procura reprimida dispara, impulsionada pelo grande estímulo orçamental e monetário já implementado. Fábricas e serviços são capazes de retomar as operações sem problemas. Os esforços de governos para impedir que as empresas demitam trabalhadores são bem-sucedidos e o desemprego diminui. As economias regressariam aos níveis de produção pré-crise no início de 2021.
A evolução do PMI da China dá até agora a pista mais forte que mostra que este cenário favorável é ainda possível, dado que a segunda maior economia do mundo já reiniciou os motores. Os índices oficiais e da Caixin regressaram a território de expansão, apesar de nos restantes países asiáticos a contração ter sido mais forte.
Os analistas advertem contudo que muita coisa terá que correr bem para estes números serem sustentáveis na China, sobretudo devido às perspetivas de recessão global no segundo trimestre, maior propagação do vírus, deflação e quebra nos mercados imobiliários domésticos.
Trajetória em U
A pandemia persiste até junho e as regras de distanciamento social levam tempo para serem flexibilizadas. Embora a procura reprimida seja libertada, em parte pelo estímulo de governos e bancos centrais, os consumidores demoram tempo para voltar às lojas e restaurantes. As fábricas e outras empresas demoram para retomar a capacidade total e nem todos os empregos perdidos na crise são recuperados. Alguns precisam pagar dívidas que se acumularam durante a crise. O comércio global também permanece fraco, pois os parceiros comerciais também levam tempo a recuperar. Finalmente concretiza-se a recuperação, mas apenas no fim de 2020 ou depois.
Olhando para a trajetória da China e o impacto na Coreia do Sul e outros países asiáticos, Chong Hoon Park, economista-chefe do Standard Chartered Bank Korea, é mais favorável a um ‘U’ do que um ‘V.’ "Penso que o abrandamento na China vai arrastar-se", disse o economista na Bloomberg TV. "Não estou tão otimista que vamos assistir a uma recuperação em forma de 'V', dado que ainda é incerta a recuperação da China".
Trajetória em L
O vírus ainda circula no segundo semestre, o que obriga a manter as regras de distanciamento social além de junho.
Mesmo que desapareça antes de meados do ano, ainda há uma hipótese de a recessão ser mais longa do que o previsto ou a recuperação demorar mais. Nesse cenário, as pessoas continuam a reduzir gastos com serviços e resistem a tirar férias. As dívidas acumuladas antes ou durante a crise tornam-se difíceis de pagar, desencadeando uma espiral de incumprimento e recuperações judiciais que poderiam levar a uma crise de crédito. Os mercados de ações não conseguem recuperar.
Os governos têm de apresentar mais medidas de estímulo depois dos esforços iniciais terem sido insuficientes para impulsionar a procura, mas tal demora tempo a conseguir. No Nomura Holdings, os economistas dizem que uma recuperação em 'L' será o cenário mais pessimista nos Estados Unidos. Erik Britton, da Fathom Consulting, diz que será difícil de evitar uma quebra prolongada da economia se a covid-19 regressar, pelo que a recuperação será em 'V' ou em 'L'.
Trajetória em W
O vírus regressa. Académicos do Imperial College, em Londres, alertaram que, se as medidas para controlar a pandemia forem reduzidas prematuramente, o vírus poderá regressar. Tal significaria a reintrodução de restrições, o retorno da incerteza e o encerramento de locais de trabalho e companhias de serviços. O resultado seria uma recuperação seguida por nova recessão.
"O principal risco para o nosso cenário central de recuperação em 'V' é o regresso do vírus no terceiro trimestre, diz Keith Wade, economista chefe da Schroder. "Em termos económicos tal significará uma recessão 'double-dip' com os negócios a fecharem de novo à medida que as restrições de movimentos são reintroduzidas".
Trajetória "logo da Nike"
Também conhecido como "logo da Nike", esse cenário permite que empresas e gastos sejam retomados lentamente, à medida que os limites são flexibilizados com mais cuidado do que foram introduzidos. O nível de produção económica permanece abaixo do nível da tendência pré-crise até 2021 e mantém-se a incertreza, pois os consumidores permanecem cautelosos em gastar demasiado ou fazer viagens de longa distância, especialmente se tiverem que pagar dívidas.
"A queda abrupta vai ser seguida por uma recuperação ligeiramente mais plana, que no final deixará o PIB em níveis inferiores a pré-coronavírus", diz os economistas do Berenberg Bank. De um modo geral, esperamos que o PIB ultrapasse o nível dos finais de 2019 aproximadamente dois anos após atingir o valor mínimo".
Formas não convencionais
Os economistas não descartam que a recuperação possa parecer muito diferente de qualquer forma com as que estão habituados.
Apesar de o cenário central apontar para uma trajetória em ‘U’ nos próximos trimestres, Joachim Fels, assessor de economia global da PIMCO, alertou em março que "esse ‘U’ pode inicialmente ser sentido como um ‘I’, pois o crescimento económico vai retrair-se de forma acentuada."
Há também quem encontre formas que vão além do alfabeto utilizado no mundo ocidental.
"As letras V e W, com as suas formas de quedas e reversões acentuadas pertencem ao mundo entre 1945 e 2007, uma era anterior às alterações estruturais pós-2018", diz a Robeco Institutional Asset Management. "A letra U ignora 10 anos de taxas de crescimento e de juro baixas. A letra L parece mais adequada ao Japão.
Esta gestora de ativos sugere outra letra para ilustrar a recuperação projetada para a economia global: a Baa’ do alfabeto árabe.
"Numa era de baixas taxas de crescimento, taxas de juro reduzidas, população envelhecida e elevados níveis de endividamento, as curvas horizontais alongadas do alfabeto árabe parecem mais apropriadas do que o alfabeto latino" diz a Robeco.
Texto original: V, L or ‘Nike Swoosh’? Economists Debate Shape of Global Recovery