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Vítor Bento: A dúvida é se a recuperação será em "U" ou em "V"
O economista prevê uma "grande recessão" em Portugal, cuja dimensão dependerá do tempo de paragem da economia. A dívida, que o país passou "a vida a ignorar", será um constrangimento para a recuperação, avisa em entrevista à Lusa. Vítor Bento defende que será necessário um "programa tradicional keynesiano", com elevado investimento público.
Em entrevista à agência Lusa, o professor universitário não duvida de que Portugal vai ter "uma recessão grande", a dúvida, sublinha, é saber "qual será a sua duração" e qual vai ser "a forma de recuperação", se vai ser em 'U', com um período maior de contração económica, ou em 'V', com uma recuperação rápida depois de a economia bater no fundo.
No imediato, o economista, diz acreditar que as medidas tomadas, assentes no essencial em fazer chegar crédito às empresas, "vão funcionar".
"O tempo de paragem vai ter um efeito grande na possível destruição de capacidade produtiva" alerta, prevendo que uma paragem da atividade económica de dois meses "seja suportável" para grande parte das empresas.
Mas se a paragem for de seis meses, alerta, será "muito difícil, mesmo para as empresas muito sólidas, aguentar sem tesouraria". E mesmo o capital humano sofrerá uma depreciação se "os trabalhadores ficarem seis meses inativos".
Passámos a vida a ignorar que temos um problema de dívida
Portugal passou "a vida a ignorar" que tem um problema de dívida pública e esse problema vai dificultar o combate à crise económica decorrente da covid-19, alerta o economista. Apesar de a atual crise de saúde atingir todos os países de igual forma, quando for tempo de ajudar à recuperação económica, nem todos terão as mesmas condições para o fazer em virtude dos níveis de dívida pública que apresentam.
"Isso é verdade", mas "o único problema que temos foi ter passado a vida e ignorá-lo", lamenta Vítor Bento, lembrando que "há muito tempo, muita gente alertou para esse facto, que [esse nível de dívida] constituiria uma vulnerabilidade muito grande e que seria sentida em particular numa altura de uma crise imprevisível".
Ou seja, conclui o economista, "estamos a ser confrontados mais uma vez com a dura realidade face às escolhas que fizemos e que deixam um lastro pesado".
Os últimos números conhecidos para Portugal mostram que o país terminou 2019 com um excedente orçamental de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o primeiro saldo orçamental positivo da democracia, mas registava uma dívida pública equivalente a 117,7% do PIB. A média da zona euro, com dados de 2018, apresentava um défice orçamental de 0,5% do PIB e uma dívida pública de 85,9% do produto.
Para Vítor Bento, estes resultados são uma consequência das opções políticas seguidas. "Foi feita uma escolha social e sendo social foi uma escolha política de descurar essa componente [da dívida pública]", lembra o economista, adiantando que hoje "ainda há muita gente que considera que a dívida não é um problema" e que o país se devia "ter endividado mais".
Ainda assim, Vítor Bento admite que Portugal procurou fazer um ajustamento económico, "embora com uma retórica inapropriada", o que permitiu "as contas certas". Mas o economista lembra que dentro desse ajustamento, que levou a um saldo orçamental positivo em 2019, "se calhar não fizemos foi as escolhas devidas".
"Quando escolhemos reduzir o horário de trabalho na função pública em vez de investir no Serviço Nacional de Saúde ou quando se decidiu aumentar rendimentos em vez de reforçar certas bases", fizeram-se "escolhas políticas das quais hoje temos que sofrer as suas consequências".
Apesar destes constrangimentos, no futuro, quando for preciso um esforço de relançamento da economia nacional, Vítor Bento diz que o Estado terá de atuar. "Quando passarmos à segunda fase, o Estado provavelmente vai ter que entrar também enquanto agente da procura dentro daquilo que é um programa tradicional keynesiano", sublinha o economista, adiantando que esse esforço público poderá e acabará por ser feito por via do investimento.
"Tudo vai ser feito para preservar a integração europeia"
Vítor Bento considera que "tendo em conta os condicionalismos e as circunstâncias, a Europa reagiu como devia ter reagido", por um lado, porque "libertou os constrangimentos que os Estados tinham para agir, levantando de forma rápida os limites orçamentais, [eliminando o teto de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para o défice orçamental]" e, assim, permitiu "que os Estados respondam como entenderem às suas situações", lembra o economista.
Por outro lado, o Banco Central Europeu (BCE) "em termos práticos, garantiu o financiamento monetário daquilo que os Estados precisam e, portanto, os Estados têm os instrumentos necessários para agir".
O professor universitário considera que nestas situações de crise se coloquem questões extremadas: uma rutura europeia, na eventual impossibilidade de encontrar soluções, ou um aprofundamento da sua existência. "E esse aprofundamento", prossegue, a acontecer, "passará por uma maior integração política".
Ou seja, "será difícil que haja uma federalização de responsabilidades financeiras sem haver uma federalização de poderes de decisão sobre essas responsabilidades", explica Vítor Bento, adiantando que dificilmente haverá países que estejam dispostos "a corresponsabilizarem-se por responsabilidades financeiras de terceiros se não tiverem capacidade de intervenção na forma como é que esse dinheiro é aplicado".
Apesar das dificuldades, Vítor Bento mostra-se otimista e diz querer acreditar "que tudo pesado, tudo vai ser feito para preservar a integração europeia", até porque todos percebem "que é um bem demasiado grande para ser desperdiçado".