Ainda é cedo para dizer se a epidemia de Covid-19 em Portugal vai ter um desenvolvimento idêntico ao de Itália. Os números dos primeiros 15 dias de surto mostram que o território nacional não está, por enquanto, a enfrentar uma situação tão grave como a italiana - mas só a partir da próxima semana será possível dizer se Portugal consegue interromper o crescimento exponencial de infetados que hoje enfrenta.

Ao fim de 15 dias desde o primeiro doente confirmado com Covid-19, Itália já tinha 3.858 casos - ignorando o período de 21 dias em que Itália só tinha identificados dois casos, de dois turistas chineses. A dimensão do surto não é comparável com o que acontece em Portugal, cujos números desta segunda-feira indicavam 331 doentes. Mesmo colocando os números em proporção da dimensão populacional dos dois países - uma solução que apresenta a desvantagem de poder esconder assimetrias regionais - o caso português não se aproxima, pelo menos para já, do italiano.

Os dados mostram que o número de infetados em Portugal está abaixo do que se verificava também na Alemanha e em Espanha, considerando os mesmos 15 dias desde o arranque do surto. Com o mesmo critério aplicado ao caso italiano, na Alemanha já tinham sido diagnosticadas 1.549 pessoas em duas semanas, e em Espanha 1.689.

André Peralta-Santos, investigador do Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP/PHRC) e da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), explica ao Negócios que apesar das dificuldades na comparação com outros países, “há vantagens em usar os números absolutos”. Estes permitem “ter melhor noção da dinâmica da epidemia e permitem ajustar melhor também as medidas de saúde pública”.

E o que dizem os números absolutos de Portugal? Conforme adiantou a ministra da Saúde, Marta Temido, mostram-nos que o país está numa fase de “crescimento exponencial da doença”.

Mais de mil em três dias

Analisando os dados de doentes identificados em Portugal com Covid-19, verifica-se que de facto o número tem vindo a crescer de acordo com um modelo exponencial, a uma razão de 46,6%. Por outras palavras, e simplificando, esta tem sido a taxa média de crescimento apresentada no país.

Se as medidas de saúde pública entretanto tomadas não conseguirem fazer com que o aumento do número de infetados se afaste de um modelo exponencial, dentro de três dias - ou seja, na quinta-feira - Portugal estará a superar os mil doentes de Covid-19. O grande desafio é contrariar a matemática e fazer com que o país se consiga afastar desse modelo de crescimento, atenuando a subida do número de casos e permitindo que os serviços de saúde tenham capacidade para dar resposta aos doentes.

“O que sabemos é que os casos vão continuar a aumentar”, diz André Peralta-Santos. “A questão será a velocidade com que aumenta” e aí ainda é cedo para dizer se Portugal vai conseguir escapar ao exemplo italiano.

“O vírus é o mesmo” e porta-se da mesma maneira

“Não há diferenças no comportamento do vírus em Itália, Espanha ou Portugal. O vírus é o mesmo. O contágio é que depende da contenção do vírus que cada país for capaz de fazer”, soma um infecciologista, em declarações ao Negócios, que preferiu não ser identificado. “O meu feeling é que estamos entre caminhar para uma situação má e para o caos. Dependerá do comportamento das pessoas”, conclui.

“O caso italiano foi um alerta em que se percebeu que a dinâmica da epidemia podia ultrapassar rapidamente a capacidade do sistema de saúde”, diz André Peralta-Santos. Por enquanto, ainda não sabemos dizer se Portugal vai conseguir atenuar a curva de crescimento e evitar o esgotamento da capacidade dos serviços.

“Estamos agora a ver casos de doentes que foram infetados antes de terem sido tomadas as medidas” mais drásticas de saúde pública, explica. O tempo médio até ao aparecimento de sintomas são cinco dias e as pessoas poderão dirigir-se aos serviços de saúde apenas um dia depois. Por isso, só a partir da próxima semana será possível encontrar o impacto nos números.