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Cada português ingere muito mais calorias do que precisa

Nos últimos cinco anos, o consumo aparente de cada português - uma aproximação ao consumo efectivo - foi quase o dobro daquilo que um adulto típico necessita. Isso deve-se a um excesso de carne, ovos e gorduras na nossa dieta e à falta de fruta e vegetais.

09 de Abril de 2017 às 15:19
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A mesa de jantar típica em Portugal continua farta em calorias. Segundo os números da Balança Alimentar Portuguesa, o consumo aparente de cada português entre 2012 e 2016 ascendeu a 3.834 Kcal (quilocalorias) por dia. Tomando como referência as 2.000 Kcal recomendadas para cada adulto - e um desperdício residual -, isso significa que cada pessoa terá ingerido quase o dobro das calorias que devia.

Importa esclarecer aquilo que se está a falar: o consumo aparente referido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) representa aquilo que cada português tem disponível para comer. Não é exactamente aquilo que comeu. Qual a diferença? Falta aqui o desperdício alimentar. Aquilo que compra lá para casa, mas deixa passar do prazo de validade ou que até cozinha, mas põe à beira do prato, por exemplo. No entanto, segundo conseguiu esclarecer o Negócios, embora não seja o consumo efectivo, o indicador é uma boa aproximação do mesmo. O próprio INE reconhece que estes dados servem para avaliar "tendências de consumo alimentar". O facto de se utilizar uma média de cinco anos, ajuda também a alisar divergências.

 

O que é o consumo aparente?

Este indicador calcula-se somando a produção nacional às importações, subtraindo depois as exportações, a sementeira, os produtos destinados à alimentação animal ou à produção industrial, as perdas e a variação dos stocks. Para se conhecer o consumo efectivo, falta apenas saber qual foi o desperdício. Pode ser utilizado para avaliar "disponibilidades, da procura e das tendências de consumo alimentar como instrumento orientador de políticas de produção agrícola, das pescas ou da indústria alimentar".


Ou seja, mesmo que não seja o dobro, os portugueses ingerem certamente muito mais calorias do que precisam. As razões estão na nossa dieta. A mesa de jantar portuguesa tem um défice significativo de legumes e frutas e um excesso de carnes e gorduras.

A roda dos alimentos determina que a nossa alimentação deveria ser constituída por 23% de legumes, 20% de frutas e 4% de leguminosas secas. Na realidade, em 2016, esses alimentos tiveram um peso muito inferior na dieta portuguesa. Os legumes e a fruta ascenderam apenas a 16,2% e 12,7%, respectivamente, e as leguminosas secas praticamente não existiram: 0,6%. Ou seja, em vez de representarem quase metade da nossa alimentação, estas três categorias não chegam sequer aos 30%.

Se os portugueses não estão a comer isso, estão a comer o quê? Esse espaço é preenchido essencialmente por carne, peixe e ovos. Em vez dos 5% recomendados, essa categoria alimentar tem mais do triplo do peso: 16,5%. As gorduras e os óleos também têm uma presença mais relevante (5,7% vs. 2%), assim como os cereais e tubérculos (30,9% vs. 28%). Os laticínios estão próximos do nível recomendado (17,3% vs. 18%).

"Com um aporte calórico médio de 3.834 Kcal, suficiente para suprir as necessidades de consumo recomendadas de 2 adultos, a oferta alimentar revela desequilíbrios quando comparada com o padrão alimentar recomendado pela Roda dos Alimentos: excesso de oferta de produtos alimentares dos grupos da "Carne, pescado e ovos" e "Óleos e Gorduras" e défice de "Hortícolas", "Frutos" e "Leguminosas secas"", escrevem os técnicos do INE.

O impacto da crise

Estes desequilíbrios não surgiram nos últimos anos. Estavam já presentes anteriormente. Esse período de cinco anos entre 2012-2016 é marcado por vários factores: a recessão que Portugal enfrentou, a extinção do regime de quotas leiteiras; o embargo da Rússia à carne europeia; a aplicação da Directiva Bem-Estar Animal; e as acções de sensibilização para melhorar os hábitos de alimentação.

A recessão terá sido o factor mais relevante. Quando se compara com o período 2008-2011, observa-se uma menor disponibilidade de quase todos os tipos de alimentos. Houve uma redução do consumo aparente de carne, peixe, cereais e gorduras. Por outro lado, houve um reforço dos frescos (legumes e fruta), batatas, leguminosas secas, açúcar e chocolate e café. Dentro da categoria de pescado, que na sua totalidade caiu, o peixe salgado seco (bacalhau) pareceu imune à crise e aumentou o seu peso na alimentação dos portugueses.

 

"Este quinquénio ficou marcado pelo último ciclo recessivo, com epicentro em 2012, o que levou a que a generalidade dos grupos alimentares apresentasse disponibilidades inferiores às apuradas no período 2008-2011. Entre as exceções destacam-se os peixes salgados secos, cujo consumo aparente até foi reforçado", pode ler-se na publicação.


Longe do Mediterrâneo


Os hábitos alimentares dos portugueses têm-se progressivamente afastado da dieta mediterrânica desde a década de 90. Apesar de algumas melhorias nos últimos anos, esse afastamento ainda não foi compensado.


A definição de dieta mediterrânica baseia-se nos hábitos alimentares dos gregos e dos italianos nos anos 50 e 60. Uma dieta que abrange também outros países, como Portugal a outras nações do Norte de África. "Azeite extra-virgem, vinho tinto com moderação e peixe são os produtos de eleição, a que se juntam os grãos de cereais, vegetais frescos, frutos secos e laticínios magros", escreve o INE.


Utilizando o Índice de Adesão à Dieta Mediterrânica, o INE calcula que entre 2012 e 2014, Portugal se afastou dessa dieta, com menos calorias a chegarem ao estômago dos portugueses provenientes do azeite e de cereais e mais vindos de carne e açúcares. Porém, entre 2014 e 2016, assistiu-se a uma recuperação desse índice.


Crise e IVA diminuíram consumo de álcool


Não foi apenas a alimentação dos portugueses que foi afectada pela crise económica. O consumo de álcool também. Os dados do INE mostram que todas as bebidas alcoólicas sofreram uma redução das disponibilidade entre 2012-2016 em comparação com 2008-2011. Esta quebra foi especialmente relevante entre 2012-2013 no vinho (diminuição de 19,1%) e entre 2010-2014 na cerveja (-17,9%), "para o que terá contribuído o aumento do IVA das bebidas na restauração e a crise económica que o país atravessou", refere o INE.


A partir de 2014 e 2015, o consumo de vinho e cerveja começou a recuperar. Estas duas categorias continuam a representar quase a totalidade da oferta de álcool: a cerveja representa 50,5% do consumo aparente e o vinho 44,8%.
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