Notícia
Saída limpa do programa da troika: custos e benefícios
Quarta-feira, 23 de Abril, marcou a viragem definitiva: a partir da bem-sucedida venda de títulos de dívida a dez anos, os analistas passaram a assumir que Portugal vai seguir as pisadas da Irlanda. Conheça as vantagens e desvantagens da opção que Passos Coelho se prepara para anunciar ao país.
Em Janeiro era uma “carta fora do baralho”. Até então, a discussão do pós-troika fazia-se entre um segundo resgate (o que significaria mais troika) ou um programa cautelar. Hoje uma saída limpa do programa da troika é uma probabilidade que já se confunde com uma certeza.
A decisão será revelada até domingo pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho numa comunicação ao país, e será levada por Maria Luís Albuquerque a Bruxelas, onde será confirmada pelos ministros das Finanças da Zona Euro (Eurogrupo) na segunda-feira, 5 de Maio.
Nomura, Danske Bank e Commerzbank são alguns dos bancos internacionais que, em notas enviadas aos seus clientes, já deram como adquirida a decisão do Governo de optar por uma saída limpa – informação que é hoje também avançada pelo “Diário Económico”.
O ponto da viragem definitiva tem uma data: 23 de Abril. Nesse dia, Portugal fez a primeira emissão de dívida a dez anos não sindicada (ou seja, não previamente preparada com um conjunto de bancos) da era da troika.
“Existe uma probabilidade de 90% de que o Governo já tenha optado por uma saída limpa”, afirmava ao Financial Times, ainda antes de se conhecer o resultado da operação, Antonio Roldán, analista do Eurasia, uma das maiores consultoras mundiais de risco político.
Depois de ter sido revelado que o Tesouro português obteve então a totalidade dos 750 milhões de euros previstos, com uma procura a superar em 3,5 vezes a oferta, e com uma taxa de 3,592%, a mais baixa desde 2005, a probabilidade de uma saída limpa converteu-se em firme convicção.
Mas qual é a opção que oferece maior protecção ao País? Qual é a via mais barata para o Estado? Qual é a opção que a Europa prefere? Leia aqui algumas respostas.
1. Quem fica a ganhar na política interna?
Em vésperas de eleições europeias, que terão lugar em Portugal em 25 de Maio, a saída limpa favorece os partidos do Governo que podem anunciar uma reconquista da confiança dos investidores acima do esperado e de mais uma parcela de soberania.
Em contrapartida, sem rede de segurança nem "bode expiatório" externos, será exigida muito mais consistência à coligação, designadamente na elaboração do Orçamento de 2015. A demora na apresentação do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) - que deve ser revelado nesta quarta-feira, no último dia do prazo de entrega a Bruxelas e com dois dias de atraso face ao inicialmente previsto - sugere que essa coordenação entre PSD e CDS não estará a ser fácil. Paulo Portas tem insistido na redução de impostos em 2015; Passos Coelho tem resistido atar as mãos nesse sentido.
No curto prazo, fica a perder a oposição que passa a ter menos margem para fazer colagem à Grécia e argumentar que o Governo e a troika falharam no ajustamento e que o país continua "tutelado".
A mais longo prazo, uma linha cautelar ajudaria, porém, qualquer futuro governo a explicar a necessidade de prosseguir políticas de austeridade.
2. Mais soberania e menos austeridade?
Com uma saída limpa, haverá "ilusão" de maior autonomia e de menor austeridade. Mas as restrições fundamentais mantêm-se. Se houver desvios, os mercados castigarão. Por outro lado, o Tratado Orçamental do euro implica reduzir progressivamente a dívida dos actuais quase 130% para 60% do PIB e, logo, gerar sucessivos excedentes orçamentais, possivelmente ao longo das próximas duas décadas.
Já a opção por uma linha de crédito cautelar exigiria um novo memorando no qual as restrições e metas seriam formalizadas em objectivos monitoráveis. O acompanhamento externo seria mais regular (embora menos intrusivo do que no actual programa da troika).
Em qualquer dos casos, até que 75% dos empréstimos da troika sejam reembolsados, o país vai continuar sob vigilância apertada dos seus credores.
3. Que opção oferece maior protecção ao país?
Um cautelar seria a opção que, à partida, deixaria o país menos vulnerável a choques ou a alterações súbitas do sentimento dos mercados. Caso isso sucedesse, Portugal poderia activar essa linha de crédito – que pode ainda vir a ser negociada no futuro, por este ou pelo Governo que resulte das eleições do Outono de 2015. Um cautelar abriria também a possibilidade de acesso ao programa de compra de dívida do BCE (OMT, nunca testado).
Já neste cenário de saída limpa, o país fica mais entregue a si próprio e teve, entretanto, de fazer uma considerável almofada de liquidez, capaz de suprir as necessidades de financiamento deste ano e de parte do seguinte, para funcionar como uma "linha cautelar doméstica".
4. O que é que a Europa prefere?
A Comissão e o BCE emitiram vários sinais de preferência por um cautelar. Também era esse o cenário que defendiam para a Irlanda, assim como o próprio Governo irlandês. Este acabou por recuar perante a falta de clareza do desenho do próprio cautelar (nunca testado) e os riscos de o seu processo de aprovação ficar pendurado nalgum parlamento nacional. Segundo o ministro irlandês das Finanças, a Finlândia avisou-o de que teria de pedir "garantias reais" (numerário e/ou obrigações) para obter luz verde do seu parlamento. Essa exigência seria também feita a Portugal, como acabou por revelar o comissário do euro, Olli Rehn, de nacionalidade finlandesa.
Já a saída limpa corresponderá ao cenário preferido pela Alemanha, mas também por outros países como a Finlândia, porque é o que melhor corresponde ao regresso a uma relativa normalidade (e nessa medida, a um maior grau de êxito dos programas de ajustamento da troika) e porque evita ainda que os Governos tenham de pedir autorização aos respectivos parlamentos nacionais para viabilizar o cenário alternativo da linha de crédito cautelar.
5. Qual é a "saída" mais barata para o Estado?
A almofada de liquidez da Irlanda quando prescindiu de um cautelar correspondia a ano e meio de necessidades brutas de financiamento. Em Portugal, isso significa 22 mil milhões de euros, o que representaria 750 milhões de euros de juros anuais. O país teria sempre de criar uma boa "reserva" mesmo que optasse por contratar uma linha de crédito cautelar que, desejavelmente, nunca activaria – só a usaria se as condições de mercado se revelarem adversas. Neste momento, as necessidades de financiamento deste ano já estão totalmente asseguradas (já estavam parcialmente em 2013, o que explica parte do aumento da dívida pública) e haverá já dois mil milhões de euros angariados para financiar o Estado em 2015.
Optar por uma linha de crédito cautelar implicaria, por seu turno, o pagamento de um "prémio de seguro" (cujo valor máximo não deve ultrapassar 34 milhões de euros) que seria pago mesmo que a linha não fosse usada. A mera existência de uma rede de "protecção" europeia podia, no entanto, gerar amplos ganhos se facilitasse a melhoria do "rating" de Portugal, que terá repercurssões directas no "rating" dos bancos e nas suas condições de financiamento, com reflexos nas condições dos empréstimos que oferecem a empresas e famílias.
6. O que é melhor para a economia real?
O mercado também começou por antecipar um cautelar para a Irlanda e aceitou bem a sua opção por uma "saída limpa". É possível que isso aconteça com Portugal, sobretudo agora que as taxas de juro da dívida estão na casa dos 3,7%, já muito próximos dos 3,5% que se cobravam no mercado secundário quando, em Dezembro, a Irlanda anunciou a sua opção. A maior dúvida coloca-se no médio e longo prazos, face à incerteza de o país conseguir engrenar numa dinâmica de crescimento económico e de saldos orçamentais primários, sem os quais a sustentabilidade da dívida pública portuguesa permanecerá ameaçada.