Eram quatro da tarde de 25 de Abril de 1974 quando, na Biblioteca Nacional de Angola, um amigo de Manuel S. Fonseca lhe interrompeu a leitura do livro de linguística para lhe segredar que em Lisboa "estava a decorrer um golpe". "Já estavam as pessoas de Lisboa na rua, num certo delírio, à espera que a revolução acontecesse, e eu com uma informação mínima…", recorda o escritor. Cedo teve noção do peso das palavras na revolução. "A partir do 25 de Abril, era irreprimível a vontade de cantar, de dançar, de dizer todas as coisas que nos passavam pela cabeça".
"O que mais me encantava eram as palavras de ordem. E adorava a subversão dessas mesmas palavras", conta. O livro "25 de Abril, No Princípio era o Verbo" dá palco ao diálogo, muitas vezes cacofónico, que se desenrolava pelas paredes do país, onde o idealismo e espírito revolucionário se cruzavam com a ironia e o gosto da liberdade. Se o MRPP garantia que "Ninguém há de calar a voz da classe operária", o "slogan" anarca acrescentava "… Nem mesmo o MRPP"; e ao apelo "O voto é a arma do povo" contrapunha-se o aviso "O voto é a arma do povo: não votes se não ficas desarmado".
"Foi bom que todos os partidos pudessem exprimir as suas frases para gerar unidade entre os seus militantes, mas muito mais bonito era quando essas frases eram subvertidas por um ser humano anarquista, que conseguia criar uma irrisão à volta daquela seriedade, devoção e quase semirreligião", afirma Manuel S. Fonseca, para quem "a beleza do 25 de Abril é que não tem dono".