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Tem ar de lorde

Cumprindo a promessa de lançar todos os anos um Porto com 50 anos, a Taylor’s já colocou à venda o Single Harvest 1967. Um vinho com porte senhorial.

04 de Fevereiro de 2017 às 16:00
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Quando levamos o copo ao nariz, a memória fica indecisa: estaremos numas caves de vinho do Porto ou numa tenda de especiarias em Marraquexe? Este Single Harvest de 67 é complexo que se farta.

Custa €280.

O crítico de vinhos do Pedro Garcias assinou em Dezembro, no jornal Público, uma espécie de manifesto (Dez desejos pouco extravagantes para 2017) que, fosse ele submetido a assinaturas, eu colocaria de bom grado o meu nome por baixo. Como se trata de um documento extenso, o melhor é consultá-lo online no suplemento Fugas. Num país de crítica suave/suavezinha, é bom que haja gente que diga o que pensa de forma livre e irreverente, não para arranjar zaragatas gratuitas, mas para simplesmente questionar dogmas. Talvez por ser transmontano, Pedro Garcias costuma defender as suas teses com unhas e dentes. E ainda bem.

O ponto seis do tal conjunto de desejos é sobre o consumo de vinho do Porto, onde se sugere uma alteração do momento habitual do consumo do vinho fino. A regra é que um Porto, em particular um grande Porto, se bebe no final da refeição. Qual é o problema? É que, se o almoço ou jantar foi caprichado, o mais provável é que o vinho do Porto chegue no fim, depois de toda a gente ter ingerido espumantes/champanhe, vinhos brancos e tintos e, claro, entradas, pratos principais e sobremesas. E como as nossas sobremesas são o que são, e como por vezes o queijo também circula pela mesa, acompanhar tudo isto com um vinho doce com 20% de álcool pode ser considerado, observa Pedro Garcias, como "um tiro no fígado". Donde, o crítico faz uma proposta: "façam como os antigos e experimentem o prazer de beber vinho do Porto socialmente e fora das refeições".

Parece-me uma ideia acertada. E, nesse sentido, até acho que o injustamente desprezado Porto branco seria o vinho ideal para se entrar no universo do vinho do Porto em modo social. Primeiro maravilhamo-nos com os brancos e depois passamos para os tawnies 10 anos, LBV's, Colheitas e depois para os vintage.

Ainda me lembro dos tempos em que, quando dava para ir a pé da redacção do jornal ao Solar do Vinho do Porto, em Lisboa, começava as noites com um cálice de Porto branco. Era eu e a minha namorada numa ponta, dois ou três estrangeiros velhos pelo meio e um tipo sinistro (a cara chapada do Camilo) que entrava mudo e saía calado e se sentava ao fundo da sala a provar Colheitas, sempre na companhia de uma cigarrilha. Como o dinheiro no bolso era escasso, nós contentávamo-nos com um Dalva, um Fonseca Siroso, um Rosés e outros brancos. Coisas que custavam entre 150 e 300 escudos. Um luxo no tempo em que o Bairro Alto era boémio e civilizado. Portanto, há mais de 20 anos.

É claro que determinados vinhos do Porto exigem uma coreografia própria, com jantar planeado e tudo. E um destes vinhos é o Taylor's Very Old Single Harvest Port de 1967 (um Colheita), que, como se imagina, atendendo à idade e ao património vínico da empresa, revela uma complexidade infinita com os seus aromas de madeiras exóticas, minérios variados, açafrão legítimo, casca de frutos secos, café e os vinagrinhos da praxe. Na boca sentimos um vinho que combina muito bem estrutura com acidez. As sensações aveludadas são o que ficam na memória. Longe das notas meladas, estamos perante um Porto senhorial, que nos faz lembrar a elegância e o porte de alguns lordes ingleses.

É evidente que, com vinhos destes, a Taylor's desenhou uma estratégia comercial inteligente. Todos os anos há aniversários de cinquentões que ou têm dinheiro ou têm amigos com dinheiro para comprar tais vinhos, mas a verdade é que a empresa de Gaia não se distrai um segundo na qualidade do produto final.

Provando o vinho com um amigo, este perguntou-me qual era o meu preferido: o de 66 ou este de 67? Pensei, pensei, dissertei um bocadinho sobre o histórico dos anos e depois disse que, a este nível, as comparações não fazem sentido. Mas, uns minutos depois, lembrei-me de um argumento manhoso: "é evidente que o 66 é muito melhor.... Não posso aceitar que o ano de nascimento do Chef Vitor Sobral, que fez 50 anos há 15 dias e é mais novo do que eu quatro meses, seja melhor do que o ano precedente. Era o que faltava. Eu ao menos nasci no mês da colheita do 66. É outra coisa. É mais fino".

E, no meio da galhofa, lá fizemos um brinde com o 67 ao chefe das tascas da Esquina de cá e do Brasil. Que bem merece.


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