Notícia
O senador regressou
Em vinte e tal anos, João Paulo Martins viu as prateleiras das livrarias encherem-se e esvaziarem-se de guias de vinhos. Hoje só resta o seu. Por alguma razão deve ser.
30 de Setembro de 2017 às 13:00
O guia Vinhos de Portugal 2018 é publicado pela oficina do livro e custa €16,60.
Noutros tempos, os guias seleccionavam - entre milhares de referências - quais os dez ou vinte melhores vinhos da nação. E estava feita a festa. Quem aparecia no ranking fazia bons negócios, os outros lá teriam de esperar por melhores colheitas.
Nos dias que correm, e quando as livrarias se enchem de guias de tudo e mais alguma coisa, o mercado que não dorme, berra por novas abordagens editoriais. Ou seja, novos rankings num mesmo guia.
É o que acontece com o guia Vinhos de Portugal 2018, de João Paulo Martins, que, depois de um ano de sabática, regressa com um novo trabalho de fôlego, desta vez com um inédito ranking dos melhores vinhos entre €4 e €10 (15 brancos e 25 tintos), coisa que constitui uma estratégia editorial bem pensada porque, bem vistas as coisas, é bem plausível que mais de 95 % dos vinhos comercializados em todo o mundo estejam neste patamar de preços.
Tal ranking não é só uma estratégia de marketing. Segundo o autor, "é notória a qualidade de vinhos neste intervalo de preços". "Estávamos mais ou menos habituados a sinalizar a relação qualidade/preço na faixa entre os €10 e os €20, mas, hoje, a qualidade média dos vinhos entre €4 e €10 é notável".
Esta situação deve-se, em primeiro lugar, ao trabalho notável dos técnicos de viticultura (tipos que asseguram a indispensável qualidade das uvas mas que raramente são mencionados nos contra rótulos) e, depois, aos enólogos que ora se limitam a tratar bem as uvas que receberam, ora acrescentam um cunho pessoal à matéria-prima, com respeito pelo conceito de terroir.
Contudo, João Paulo Martins faz questão de salientar que, "seja em que categoria for, nenhum produtor - mesmo no patamar abaixo dos €4 - pode descurar a relação qualidade/preço. Hoje, a velha noção do vinho aceitável já não pega. Para ir a jogo um vinho tem logo de ser bom, sendo que essa classificação de bom é apenas o início de conversa".
Nesta edição de 2018, o jornalista da revista Vinhos - Grandes Escolhas reconhece que, em geral, "a evolução da qualidade média dos vinhos portugueses é evidente", sendo que - boa notícia - "o defeito de rolha nos vinhos foi residual por comparação às edições anteriores".
Como de costume, os capítulos introdutórios funcionam como radiografias de leitura rápida de cada uma das regiões vitícolas, com o autor a aproveitar a ocasião e o seu papel de senador nestas áreas para mandar recados a produtores ou responsáveis das comissões vitivinícolas regionais. São, digamos assim, leituras didácticas que merecem atenção.
Depois de vinte e três edições não se esconde o respeito por quem ainda encontra ânimo para fazer empreitadas destas. Para os que acham que isto é um trabalho glamoroso convém recordar que, para esta edição, o crítico começou a provar vinhos com maior intensidade a 20 de Maio e acabou a 15 de Agosto. Todos os dias, de manhã à noite. Na prática, dias houve em que teve de provar 100 vinhos. Só de pensar em tais números dá-nos como que um ataque de ansiedade.
E o que continua a impressionar é que, para um universo que rondará os 5 mil vinhos, não encontramos notas de prova com repetição de linguagem. Ainda nos demos ao trabalho de folhear com detalhe o livro a ver apanhávamos o autor na curva, mas nada. Limpinho, limpinho.
João Paulo Martins diz que tal se deve a um exercício de prova que quase faz lembrar um ambiente de clausura, com grande dose de auto-disciplina.
Os mais conhecidos atestam essa devoção, porque, durante os três meses de prova o jornalista não aceita qualquer convite, mesmo aqueles que se relacionam com o mundo do vinho. Bem podem alguns acenar-lhe com uma degustação dos melhores queijos franceses ou uma prova de puros acabados de chegar de Havana que a resposta é sempre a mesma: "Não, muito obrigado".
E ainda há em quem fale de romantismo nesta profissão.
Noutros tempos, os guias seleccionavam - entre milhares de referências - quais os dez ou vinte melhores vinhos da nação. E estava feita a festa. Quem aparecia no ranking fazia bons negócios, os outros lá teriam de esperar por melhores colheitas.
É o que acontece com o guia Vinhos de Portugal 2018, de João Paulo Martins, que, depois de um ano de sabática, regressa com um novo trabalho de fôlego, desta vez com um inédito ranking dos melhores vinhos entre €4 e €10 (15 brancos e 25 tintos), coisa que constitui uma estratégia editorial bem pensada porque, bem vistas as coisas, é bem plausível que mais de 95 % dos vinhos comercializados em todo o mundo estejam neste patamar de preços.
Tal ranking não é só uma estratégia de marketing. Segundo o autor, "é notória a qualidade de vinhos neste intervalo de preços". "Estávamos mais ou menos habituados a sinalizar a relação qualidade/preço na faixa entre os €10 e os €20, mas, hoje, a qualidade média dos vinhos entre €4 e €10 é notável".
Esta situação deve-se, em primeiro lugar, ao trabalho notável dos técnicos de viticultura (tipos que asseguram a indispensável qualidade das uvas mas que raramente são mencionados nos contra rótulos) e, depois, aos enólogos que ora se limitam a tratar bem as uvas que receberam, ora acrescentam um cunho pessoal à matéria-prima, com respeito pelo conceito de terroir.
Contudo, João Paulo Martins faz questão de salientar que, "seja em que categoria for, nenhum produtor - mesmo no patamar abaixo dos €4 - pode descurar a relação qualidade/preço. Hoje, a velha noção do vinho aceitável já não pega. Para ir a jogo um vinho tem logo de ser bom, sendo que essa classificação de bom é apenas o início de conversa".
Nesta edição de 2018, o jornalista da revista Vinhos - Grandes Escolhas reconhece que, em geral, "a evolução da qualidade média dos vinhos portugueses é evidente", sendo que - boa notícia - "o defeito de rolha nos vinhos foi residual por comparação às edições anteriores".
Como de costume, os capítulos introdutórios funcionam como radiografias de leitura rápida de cada uma das regiões vitícolas, com o autor a aproveitar a ocasião e o seu papel de senador nestas áreas para mandar recados a produtores ou responsáveis das comissões vitivinícolas regionais. São, digamos assim, leituras didácticas que merecem atenção.
Depois de vinte e três edições não se esconde o respeito por quem ainda encontra ânimo para fazer empreitadas destas. Para os que acham que isto é um trabalho glamoroso convém recordar que, para esta edição, o crítico começou a provar vinhos com maior intensidade a 20 de Maio e acabou a 15 de Agosto. Todos os dias, de manhã à noite. Na prática, dias houve em que teve de provar 100 vinhos. Só de pensar em tais números dá-nos como que um ataque de ansiedade.
E o que continua a impressionar é que, para um universo que rondará os 5 mil vinhos, não encontramos notas de prova com repetição de linguagem. Ainda nos demos ao trabalho de folhear com detalhe o livro a ver apanhávamos o autor na curva, mas nada. Limpinho, limpinho.
João Paulo Martins diz que tal se deve a um exercício de prova que quase faz lembrar um ambiente de clausura, com grande dose de auto-disciplina.
Os mais conhecidos atestam essa devoção, porque, durante os três meses de prova o jornalista não aceita qualquer convite, mesmo aqueles que se relacionam com o mundo do vinho. Bem podem alguns acenar-lhe com uma degustação dos melhores queijos franceses ou uma prova de puros acabados de chegar de Havana que a resposta é sempre a mesma: "Não, muito obrigado".
E ainda há em quem fale de romantismo nesta profissão.