Notícia
Cabernets cá da terra que parecem de Bordéus
As castas são estrangeiras e os vinhos nacionais. Se o Palácio da Bacalhôa ou o Escondido fossem levados a um concurso em França, alguns diriam que têm sotaque carregado de Bordéus.
09 de Dezembro de 2017 às 11:00
O Quinta da Bacalhôa 2014 é uma expressão muito pura e fina da casta, com ajuda do Merlot 16€; o Palácio da Bacalhôa 2014 revela-nos um trabalho cuidado com barricas novas 50€ e o Escondido 2012, além do Cabernet e do Merlot, conta com um toque de Touriga Nacional 90€
Se andamos por aqui a pregar há anos as virtudes das castas autóctones nacionais, pode parecer estranho que hoje se fale de vinhos nacionais feitos com Cabernet Sauvignon.
Ora, uma coisa é falarmos de castas como Viognier, Sauvigon Blanc, Petit Verdot, Cabernet Franc ou até Merlot e Syrah, outra bem diferente é dissertarmos sobre Cabernet Sauvignon ou Chardonnay - as castas mais plantadas no mundo. O carácter viajante da casta tinta é tal que, por exemplo, até aterrou nos Açores, numa courela pertencente em parte à minha família, mesmo em cima do mar, com o rocio a encarregar-se de espalhar podridão nas uvas ainda antes da festa de Nossa Senhora dos Anjos (15 de Agosto). Meu pai ainda teve alguma esperança no projecto, mas quando me ouvia dizer que, "bom, se calhar... e tal... é preciso mexer no sistema de condução, fermentar com mais cuidado e mandar vir umas pipas de carvalho novas"..., lá conclui com ar sério: "Ok, é para arrancar."
Ou seja, lá pelo facto de a casta ser rainha no mundo, isto não quer dizer que dê sempre vinhos de renome em qualquer parte. Pelo contrário. Um vinho Cabernet Sauvigon de excepção é coisa que, por regra, só se consegue em Bordéus, onde a casta surge nas garrafas com a ajuda de Merlot e uns pós de Cabernet Franc ou Petit Verdot.
Em determinados territórios aproximados do mar (mas não em cima do mar), um enólogo competente consegue fazer um bom Cabernet Sauvigon. O problema é quando nos calha, em dias de muita sorte, provar numa mesma noite coisas como Château Margot, Lafite, Haut-Brion, Mouton-Rothschild ou Pétrus. Um tipo sai do jantar (no Eleven) com um daqueles sorrisos que demora dias a passar.
Dito isto, há um Cabernet em Portugal que sempre me encheu as medidas e outro que é uma fantástica descoberta recente. O primeiro - Quinta da Bacalhôa - até dá jeito para me vangloriar; o segundo - O Escondido - serve para demonstrar que o preconceito (o meu) é mesmo uma coisa muito feia.
O Palácio da Bacalhôa é um projecto histórico e arquitectónico que nos desafia sempre que passamos os portões da quinta situada na serra da Arrábida. Nasce no século XV, passa por diferentes famílias nobres e, em 1936, é comprado pela americana Orlena Scoville. Em 1974, o neto Thomas Scoville instala uma vinha de Cabernet Sauvignon na quinta e, a partir de 1979, cria-se um tinto com uma nobreza pouco comum à época. Misterioso, inigualável e desafiante. E isto porque, segundo Vasco Penha Garcia e Filipa Tomaz da Costa (os dois enólogos da Bacalhôa Vinhos), a natureza dos solos, o clima ameno e a relativa proximidade do mar dão condições excepcionais para a produção de uvas desta casta. Até ao ano 2000 só havia Quinta da Bacalhôa. De então para cá, produz-se o Quinta e o Palácio da Bacalhôa - uma espécie de Cabernet mais refinado, em homenagem a Joe Berardo, o dono do projecto. O Palácio é mais finório, com um trabalho de madeira mais requintado. O Quinta será, a meu ver, mais puro na expressão da casta. É uma questão de gosto.
A questão de glória pessoal têm que ver com o facto de, em duas ocasiões diferentes e em sistema de prova cega (num jantar em Campo de Ourique e num concurso de vinhos só com jornalistas), ter assinalado nas minhas notas que as mostras tal e tal seriam Quinta da Bacalhôa. Isto não revela nenhum faro especial - até porque com uma carreira já considerável acertar duas vezes até é pouca coisa. Revela apenas que um Quinta da Bacalhôa é um Cabernet absolutamente distinto de todos os outros Cabernets da nação. Quando memorizamos a sua finura e elegância, sempre que ele passa pelo nariz, as campainhas tocam: alto lá que é Bacalhôa.
No capítulo da vergonha pessoal, temos este Escondido, da autoria de Aníbal José Coutinho. Homem de muitos ofícios (organizador de concursos, consultor de uma cadeia de distribuição, produtor cá dentro e lá fora, professor e tenor no Coro Gulbenkian), Aníbal é aquele "outsider" que um jornalista muito cioso dos pergaminhos de casta (vulgo, snob) não gosta de dar atenção. Ainda por cima, há meia dúzia de anos, decidiu lançar um tinto - o tal Escondido -, pelo qual pedia €100 a garrafa. Estão a ver o falatório.
De maneira que, um destes dias, à mesa do restaurante O Jacinto, em Lisboa, fiquei várias vezes em silêncio sempre que provava os vinhos Escondido (quer o branco quer o tinto), resultantes de produções muito pequenas da região de Lisboa, numa quinta familiar em Negrais. Para o que hoje nos interessa, o tinto Escondido é profundo, mas fresco, com a matriz do Cabernet, mas cheio de personalidade. Fino que se farta. Se às cegas me dissessem que estava a provar um premier cru, eu não levantaria dúvidas.
Donde, caro leitor, se por estes dias quiser provar três grandes Cabernet Sauvignon feitos por cá, já sabe: Quinta da Bacalhôa 2014, Palácio da Bacalhôa 2014 ou Escondido 2012.
Se andamos por aqui a pregar há anos as virtudes das castas autóctones nacionais, pode parecer estranho que hoje se fale de vinhos nacionais feitos com Cabernet Sauvignon.
Ou seja, lá pelo facto de a casta ser rainha no mundo, isto não quer dizer que dê sempre vinhos de renome em qualquer parte. Pelo contrário. Um vinho Cabernet Sauvigon de excepção é coisa que, por regra, só se consegue em Bordéus, onde a casta surge nas garrafas com a ajuda de Merlot e uns pós de Cabernet Franc ou Petit Verdot.
Em determinados territórios aproximados do mar (mas não em cima do mar), um enólogo competente consegue fazer um bom Cabernet Sauvigon. O problema é quando nos calha, em dias de muita sorte, provar numa mesma noite coisas como Château Margot, Lafite, Haut-Brion, Mouton-Rothschild ou Pétrus. Um tipo sai do jantar (no Eleven) com um daqueles sorrisos que demora dias a passar.
Dito isto, há um Cabernet em Portugal que sempre me encheu as medidas e outro que é uma fantástica descoberta recente. O primeiro - Quinta da Bacalhôa - até dá jeito para me vangloriar; o segundo - O Escondido - serve para demonstrar que o preconceito (o meu) é mesmo uma coisa muito feia.
O Palácio da Bacalhôa é um projecto histórico e arquitectónico que nos desafia sempre que passamos os portões da quinta situada na serra da Arrábida. Nasce no século XV, passa por diferentes famílias nobres e, em 1936, é comprado pela americana Orlena Scoville. Em 1974, o neto Thomas Scoville instala uma vinha de Cabernet Sauvignon na quinta e, a partir de 1979, cria-se um tinto com uma nobreza pouco comum à época. Misterioso, inigualável e desafiante. E isto porque, segundo Vasco Penha Garcia e Filipa Tomaz da Costa (os dois enólogos da Bacalhôa Vinhos), a natureza dos solos, o clima ameno e a relativa proximidade do mar dão condições excepcionais para a produção de uvas desta casta. Até ao ano 2000 só havia Quinta da Bacalhôa. De então para cá, produz-se o Quinta e o Palácio da Bacalhôa - uma espécie de Cabernet mais refinado, em homenagem a Joe Berardo, o dono do projecto. O Palácio é mais finório, com um trabalho de madeira mais requintado. O Quinta será, a meu ver, mais puro na expressão da casta. É uma questão de gosto.
A questão de glória pessoal têm que ver com o facto de, em duas ocasiões diferentes e em sistema de prova cega (num jantar em Campo de Ourique e num concurso de vinhos só com jornalistas), ter assinalado nas minhas notas que as mostras tal e tal seriam Quinta da Bacalhôa. Isto não revela nenhum faro especial - até porque com uma carreira já considerável acertar duas vezes até é pouca coisa. Revela apenas que um Quinta da Bacalhôa é um Cabernet absolutamente distinto de todos os outros Cabernets da nação. Quando memorizamos a sua finura e elegância, sempre que ele passa pelo nariz, as campainhas tocam: alto lá que é Bacalhôa.
No capítulo da vergonha pessoal, temos este Escondido, da autoria de Aníbal José Coutinho. Homem de muitos ofícios (organizador de concursos, consultor de uma cadeia de distribuição, produtor cá dentro e lá fora, professor e tenor no Coro Gulbenkian), Aníbal é aquele "outsider" que um jornalista muito cioso dos pergaminhos de casta (vulgo, snob) não gosta de dar atenção. Ainda por cima, há meia dúzia de anos, decidiu lançar um tinto - o tal Escondido -, pelo qual pedia €100 a garrafa. Estão a ver o falatório.
De maneira que, um destes dias, à mesa do restaurante O Jacinto, em Lisboa, fiquei várias vezes em silêncio sempre que provava os vinhos Escondido (quer o branco quer o tinto), resultantes de produções muito pequenas da região de Lisboa, numa quinta familiar em Negrais. Para o que hoje nos interessa, o tinto Escondido é profundo, mas fresco, com a matriz do Cabernet, mas cheio de personalidade. Fino que se farta. Se às cegas me dissessem que estava a provar um premier cru, eu não levantaria dúvidas.
Donde, caro leitor, se por estes dias quiser provar três grandes Cabernet Sauvignon feitos por cá, já sabe: Quinta da Bacalhôa 2014, Palácio da Bacalhôa 2014 ou Escondido 2012.