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Uma "paz" muito quente

Ainda hoje se fala muito sobre a Guerra Fria e as razões por que nasceu e se desenvolveu ao longo de décadas, com implicações profundas na vida de países e povos de todo o mundo.

28 de Abril de 2018 às 17:00
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Odd Arne Westad
A Guerra Fria
Temas&Debates, 703 páginas, 2018

Vivemos num tempo em que se fala cada vez mais no reaparecimento da Guerra Fria, aquele tempo entre o fim da II Guerra Mundial e a queda do Muro de Berlim em que o mundo estava dividido entre dois ideais antagónicos. E no qual personagens como Smiley, de John le Carré, evoluíam num caminho de sombras, de meias verdades e muitas mentiras. Este livro, de Odd Arne Westad, que nos conta a história da Guerra Fria, é exemplar. Recua na história e faz-nos perceber que esse foi o culminar de um processo iniciado sobretudo a partir de finais do século XIX quando, num mundo industrializado, duas visões sobre o futuro da humanidade se começaram a confrontar: de um lado, estavam os que pensavam que o futuro seria o socialismo. Do outro, os que lutavam por uma sociedade liberal no meio do capitalismo democrático. A luta teria o seu ponto culminante após 1945. Mas, entretanto, após 1917, os EUA e a URSS seriam os pólos de filosofias que se tornariam universais.

Se na II Guerra Mundial ambas lutaram contra os inimigos comuns (Alemanha e Japão), a batalha seguinte começou rapidamente. Travou-se em todo o lado. Ambos os lados militarizaram-se, e todos os países que caíram na senda da revolução comunista foram-no através da força militar. A Europa Ocidental tremeu, o Ocidente criou a NATO e a estratégia americana passou a chamar-se "contenção", com apelo também a ditaduras para "conter" os grupos de inspiração comunista. Viu-se o que sucedeu no Vietname ou em muita da América Latina. Os pecados temíveis foram utilizados de parte a parte para conquistar posições. Pelo meio, a guerra nuclear esteve iminente.

Para Westad, a Guerra Fria não foi uma "longa paz". Muitas guerras brutais, da Coreia ao Afeganistão e passando pelo Vietname, decorreram sob o seu signo. É por isso que este livro de Odd Arne Westad é tão interessante. Ele não poupa nenhum dos lados. Por um lado, critica Estaline por ter dado luz verde a Kim Il-Sung para invadir a Coreia do Sul em 1950, conseguindo que Mao Tsé-tung desse o seu apoio. Foi um desastre. O Vietname, com a ingerência americana, foi outro, até porque os EUA não percebiam que nessa altura não havia um comunismo: havia duas zonas de influência, a russa e a chinesa. Pelo meio, recorda como o Ocidente, por causa da Guerra Fria, foi incapaz de desafiar o apartheid na África do Sul, porque essa era considerada um pilar da defesa do Ocidente contra as ameaças marxistas.

Sobre Portugal, o autor fala um pouco, mas de forma lateral, porque, exceptuando em 1975, o país nunca foi um pólo de conflito entre os dois sistemas. E passou a sê-lo mais por causa da independência das ex-colónias em África.

Para Westad, a derrota da URSS deveu-se a um conjunto de factores: Reagan pensou no conflito fora dos parâmetros normais, Gorbachev achou que poderia reformar um sistema caduco e, sobretudo, a URSS não estava preparada para a nova ordem económica global que se adivinhava. Afinal, a expressão "Guerra Fria", criada por George Orwell em 1945, é ainda hoje um tema fascinante.

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