Notícia
Um país entre a espada e a parede
É a Venezuela nos últimos dias de Hugo Chávez que é o centro nevrálgico deste estimulante romance de Alberto Barrera Tyszka. Um olhar sobre um país dividido ao meio.
Alberto Barrera Tyszka, "Pátria ou Morte" Porto Editora, 199 páginas, 2017
Na Venezuela, vivem-se dias de instabilidade permanente. Nada é seguro. A revolução de Hugo Chávez eclipsou-se. Resta o descontentamento e uma nação dividida. O que é que levou a este caos? O romance do escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka ajuda-nos a caminhar neste terreno minado entre os que defendem a "revolução" e os que a abominam. Para o autor, o poder actual está doente e essa doença espalhou-se a todo o país.
O autor envolve-nos numa fina história que relata esses tempos finais de Chávez, através de um médico oncologista, Miguel Sanabria, que vive entre duas vozes que se opõem: a da mulher, Beatriz, uma ardente oponente de Chávez, e a do irmão, Antonio, apoiante fiel do Presidente. Ou seja, ele está no meio, entre duas forças rivais que se combatem sem se escutar. Tal como acontece a toda a Venezuela.
O fim de Chávez vai mostrando a realidade enferma do país. Vivem-se dias de dúvida: "Compreendeu que já estava saturado. No fundo, estava cansado da História. Sentia que a Venezuela era uma merda, um precipício que nem chegava a ser um país. Achava que a política os intoxicara e que estavam todos, de algum modo, contaminados, condenados à intensidade de tomar partido, de viver na urgência de estar a favor ou contra um governo. Eram, há demasiados anos, uma sociedade pré-apocalíptica, uma nação em conflito, sempre à beira da explosão. (…) O país estava sempre prestes a explodir, mas nunca explodia. Ou, pior ainda, vivia explodindo lentamente, pouco a pouco, sem que disso ninguém se apercebesse."
Miguel, a sua mulher e o irmão e o sobrinho Vladimir acabam por ser os actores principais de um país que parece uma comédia teatral. Depois surgem outras duas personagens importantes, Fredy Lacuna (que quer escrever um livro sobre a doença de Chávez) e Madeleine Butler (que deseja escrever uma obra sobre o seu carisma). Mas tudo isto gira à volta do centro de gravidade: Chávez e o seu núcleo de poderosos, onde tudo se decide. A pouco e pouco, vai-se criando um mito, que bebe todas as gotas da figura heróica de Simón Bolívar: "Chávez não tinha derrubado nenhum ditador. Não enfrentara nenhuma invasão. Não falava como se fosse o Che Guevara, como se pertencesse à liga dos grandes combatentes latino-americanos. A sua temperatura verbal estava acima da sua realidade: limitara-se a ganhar as eleições num país produtor de petróleo. Nunca tinha enfrentado um perigo iminente numa acção militar. Era um funcionário, não um guerrilheiro." Mas queria tornar-se um mito.
Tyszka cria um enredo muito tentador: vai obrigando as suas personagens, quase todas elas da classe média, a entrar em contradição com o regime, até porque têm de tomar decisões, algumas das quais podem pôr em causa a sua integridade física e moral. Como pano de fundo, há um fantasma: um Hugo Chávez moribundo. Este é um livro poderoso e empolgante. Que nos mostra uma Venezuela à procura de si própria.