Notícia
Os refugiados que Portugal não salvou
Durante a Segunda Guerra Mundial, Portugal foi usado como um território de passagem para os judeus em fuga da Alemanha nazi. Mas nem todas as histórias tiveram um final feliz. Esta é uma delas.
Irene Flunser Pimentel Margarida de Magalhães Ramalho
"O Comboio do Luxemburgo"
A Esfera dos Livros
381 páginas, 2016
A história de Aristides Sousa Mendes, o cônsul de Portugal em Bordéus, que em 1940 concedeu mais de 30 mil vistos de entrada no país a judeus, impedindo assim que tivessem como fatal destino os campos de concentração nazis, é sobejamente conhecida. E o acto heróico de Aristides de Sousa Mendes encaixa naqueles que nos fazem acreditar na tendência naturalmente bondosa dos seres humanos.
Ora, dentro da História, há muitas histórias que ficam mais tempo na penumbra e que têm um final infeliz, caso desta história, que é contada por Irene Flunser Pimentel e Margarida de Magalhães Ramalho em "O Comboio do Luxemburgo". Neste livro, as duas investigadoras relatam o caso dos refugiados judeus que Portugal não salvou em 1940.
O episódio tornou-se conhecido quando, em 2013, foi encontrada uma sobrevivente deste comboio, Rachel Wolf, a partir da qual foi possível reconstruir o que efectivamente se passou.
Este comboio, com 293 passageiros, chegou à fronteira de Vilar Formoso a 7 de Novembro, mas não lhe foi dada autorização para entrar em Portugal. "Impedidas de pisar solo português, estas pessoas ficaram cerca de dez dias encerradas nas carruagens, sob um frio intenso e alimentando-se do que a população pobre da zona lhes conseguia oferecer: pão, café e às vezes sopa", escreve-se no preâmbulo.
Os passageiros deste comboio tiveram destinos diferentes, mas partilharam uma história dramática. "Ao fim de dez dias deste verdadeiro calvário e já com negociações para os instalar provisoriamente no Luso, o Governo português acabou por lhes negar a entrada. De regresso a França, estiveram ainda vários dias no comboio até os alemães decidirem interná-los em Mouserolles, perto de Baiona, num antigo campo de internamento para republicanos espanhóis durante a Guerra Civil.
Libertados meses depois, muitos conseguiram partir para outras paragens. Outros acabaram por ficar na França de Vichy. Destes, poucos sobreviveram aos campos de extermínio", relata, no preâmbulo, Margarida de Magalhães Ramalho.
O comboio que ficou retido na fronteira era o terceiro proveniente do Luxemburgo com refugiados. Os outros dois conseguiram passar a fronteira. O último ficou retido. Esta circunstância ficou-se também a dever ao posicionamento do Governo português durante a Segunda Guerra Mundial, na qual reivindicou um estatuto de neutralidade. Também por isso, Portugal, e particularmente Lisboa, era um vespeiro de intriga internacional, onde os aliados e os nazis se movimentavam, pressionando o então chefe do Governo, António Salazar.
Qual a razão para este terceiro comboio não ter passado? "As autoridades portuguesas, na sua postura restritiva relativamente à política de fronteiras, temiam que, ao não travar esse comboio, encontrassem dificuldades em gerir a vaga de um grande número de refugiados - e não em trânsito - no país.
Nesse caso - e tal nunca se saberá verdadeiramente -, a provocação por parte dos elementos da Gestapo [polícia secreta alemã] feita à PVDE terá potenciado a vontade de não deixar entrar os refugiados, mais do que o motivo para o que aconteceu", escrevem as autoras, que usam este caso para desafiar a reflexão sobre o futuro dos refugiados actuais.