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Os furiosos manifestos de Almada Negreiros

Almada Negreiros foi um dos grandes desestabilizadores da morna cultura portuguesa durante o século XX. Os seus manifestos eram fontes de energia, criatividade e rebeldia. É fundamental voltar a ler o que escreveu.

27 de Agosto de 2016 às 12:30
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José de almada negreiros, "Manifestos", Assírio & Alvim, 79 páginas, 2016


Almada Negreiros foi um desestabilizador. O seu ideal, corroer o cimento cultural antigo que cercava a imaginação, foi concretizado ao longo de décadas. Mas de uma forma inflamada, na década de 10 do século XX, quando da Europa sopravam ideais e manifestos que abanavam a ordem estabelecida. A polémica era, pois, a melhor arma para atacar o poder instituído e abrir espaço para uma geração cheia de sonhos.

O seu conhecido "Manifesto Anti-Dantas" foi uma forma de reacção à estreia, em 1915, da peça de teatro de Júlio Dantas, "Sóror Mariana". Não foi um acto fruto do acaso. Esta era uma resposta, em forma de pateada escrita, aos que tinham criticado o grupo do Orpheu. Júlio Dantas representa o "status quo" cultural e académico da época. Melhor alvo não havia.

Por isso, Almada bramia: "Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi! (…) O Dantas saberá gramática, saberá sintaxe, saberá medicina, saberá fazer ceias pra cardeais, saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz!" Dantas criticara os poetas do Orpheu (revista vanguardista onde surgiram nomes como Almada, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro ou Santa-Rita Pintor, que terminaria ao fim de dois números e que teria, fugazmente, uma herdeira, a Portugal Futurista), que eram demasiado vanguardistas para um Portugal fechado, como era o dessa época.

Dantas chamara aos poetas do Orpheu, "paranóicos". A resposta era explosiva. Esse manifesto de Almada está incluído neste delicioso livro que reúne os "Manifestos" que Almada escreveu, ou seja, textos que delimitam o seu olhar sobre a cultura e o mundo. Aqui está o texto para a exposição de Amadeo de Souza-Cardoso (o genial pintor que só agora parece estar a ser reconhecido), os para a primeira Conferência Futurista ou ainda o que escreveu sobre os Bailados Russos. São textos notáveis, cheios de electricidade, que procuram agitar as águas.

No seu "Ultimatum Futurista", Almada escreve: "Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva. Eu sou um poeta português que ama a sua pátria". Mas isso não o impede de estilhaçar o que vê à sua volta: "A guerra serve para mostrar os fortes e salvar os fracos. Na guerra, os fortes progridem e os fracos alcançam os fortes. Portugal é um país de fracos, Portugal é um país decadente. (…) O português, como todos os decadentes, só conhece os sentimentos passivos: a resignação, o fatalismo, a indolência, o medo do perigo, o servilismo, a timidez, e até a inversão. (…) O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades".

Almada não poupa ninguém. Excepto os que lhe são próximos. E é contra um universo cultural pantanoso e sem ideias mas que, à boa maneira portuguesa, ocupa o espaço e, com as suas cumplicidades, assume o poder, que não se restringe apenas à cultura: é também político. Evitando que todos os outros possam ter um lugar à janela.

Este livro traz-nos o génio de Almada. Um verdadeiro lança-chamas na sombria cultura hegemónica nacional.
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