Notícia
A grande saga da alma russa
Este "Doutor Jivago" conquistou o coração do Ocidente, sobretudo após a sua versão cinematográfica com Omar Sharif. Mas, na sua essência, é um romance sobre o destino da Rússia.
Boris Pasternak
Doutor Jivago
Livros do Brasil, 630 páginas, 2018
Alexander Blok, esse genial poeta que a revolução russa devorou, escreveu uma vez sobre a História russa, cheia de tiranos e executores, e opôs-lhes um nome brilhante: Pushkin. Há, claro, Dostoievski, que anteviu muito do novo mundo que hoje nos cerca. Ou Tolstoi. Ou Soljenitsyn. Todos são intérpretes da genial alma russa. Há também um poeta como Boris Pasternak, que conhecemos por causa de "Doutor Jivago", sobretudo na sua versão cinematográfica que teve como intérprete perfeito Omar Sharif. Nesta saga há algo de profético e de sentido de sacrifício, sobretudo porque Pasternak participou nas convulsões da revolução e no que esta trouxe à Rússia. Tudo tem sempre que ver com a relação do artista com a vida. E em Jivago a única coisa que importa na vida das personagens menos relevantes é que elas vivem ao mesmo tempo do "grande homem" que é o epicentro da história. Eles são, de alguma maneira, os testemunhos do mistério e milagre da sua existência.
Jivago reflecte sobre a vida num tempo em que grande parte das novelas que se confrontam com o novo tempo da revolução são contra ela. Todas elas, desde as que foram escritas por Bulgakov às de Yury Olesha (como a notável "Envy", de 1927) buscam num herói solitário alguém que tenta conciliar a sua vida com a das tradições místicas russas e com o novo tempo. Jivago tem muito que ver com esses heróis perdidos, mas está cheio de força e de convicção, num contexto em que muitos eram fracos. Jivago (tal como Pasternak) acredita que está correcto, apesar das angústias sobre a sua vida. No fundo, é como Lenine foi na política. Está convicto de que tem a razão do seu lado porque se opõe à revolução bolchevique. Foi essa certeza que também permitiu a Lenine tomar o poder no meio da "inteligência" russa. Jivago é a confiança ideológica por natureza.
Não deixa de ser curioso tudo isto porque, apesar de Jivago morrer antes das grandes purgas estalinistas, Pasternak tinha bastante admiração por Estaline e pelo seu culto da personalidade. Havia mútuo respeito entre ambos. Estaline terá mesmo pedido aos seus seguidores para o deixarem em paz. Até porque Estaline estava convicto de que Pasternak não era uma ameaça para ele. Pelo contrário, gostava do seu estilo peculiar. Pasternak rejeitou a possibilidade de ser um "engenheiro de almas", porque não era essa a missão de um artista como ele. Acreditava que deveria ser uma figura solitária em busca dos seus ideais artísticos.
De alguma maneira, "Doutor Jivago" é o reflexo disso, tornando-se uma saga sobre grande parte da vida na Rússia nas primeiras décadas do século XX. Tudo tem que ver com a procura de um lugar seguro entre a luta fratricida levada a cabo pelos bolcheviques e pelos seus oponentes, mas também é uma elegia da busca do amor. Os poemas de Jivago que encerram este livro servem sobretudo para compreendermos melhor a relação do homem que desafia o destino em busca da arte que fica para lá do silêncio final da morte. No fundo, "Doutor Jivago" é mais um livro sobre a fascinante alma e mística russas.
Doutor Jivago
Livros do Brasil, 630 páginas, 2018
Alexander Blok, esse genial poeta que a revolução russa devorou, escreveu uma vez sobre a História russa, cheia de tiranos e executores, e opôs-lhes um nome brilhante: Pushkin. Há, claro, Dostoievski, que anteviu muito do novo mundo que hoje nos cerca. Ou Tolstoi. Ou Soljenitsyn. Todos são intérpretes da genial alma russa. Há também um poeta como Boris Pasternak, que conhecemos por causa de "Doutor Jivago", sobretudo na sua versão cinematográfica que teve como intérprete perfeito Omar Sharif. Nesta saga há algo de profético e de sentido de sacrifício, sobretudo porque Pasternak participou nas convulsões da revolução e no que esta trouxe à Rússia. Tudo tem sempre que ver com a relação do artista com a vida. E em Jivago a única coisa que importa na vida das personagens menos relevantes é que elas vivem ao mesmo tempo do "grande homem" que é o epicentro da história. Eles são, de alguma maneira, os testemunhos do mistério e milagre da sua existência.
Não deixa de ser curioso tudo isto porque, apesar de Jivago morrer antes das grandes purgas estalinistas, Pasternak tinha bastante admiração por Estaline e pelo seu culto da personalidade. Havia mútuo respeito entre ambos. Estaline terá mesmo pedido aos seus seguidores para o deixarem em paz. Até porque Estaline estava convicto de que Pasternak não era uma ameaça para ele. Pelo contrário, gostava do seu estilo peculiar. Pasternak rejeitou a possibilidade de ser um "engenheiro de almas", porque não era essa a missão de um artista como ele. Acreditava que deveria ser uma figura solitária em busca dos seus ideais artísticos.
De alguma maneira, "Doutor Jivago" é o reflexo disso, tornando-se uma saga sobre grande parte da vida na Rússia nas primeiras décadas do século XX. Tudo tem que ver com a procura de um lugar seguro entre a luta fratricida levada a cabo pelos bolcheviques e pelos seus oponentes, mas também é uma elegia da busca do amor. Os poemas de Jivago que encerram este livro servem sobretudo para compreendermos melhor a relação do homem que desafia o destino em busca da arte que fica para lá do silêncio final da morte. No fundo, "Doutor Jivago" é mais um livro sobre a fascinante alma e mística russas.