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Sara Barros Leitão: “O saber é muitas vezes usado como forma de opressão”

Sara Barros Leitão estreou o espetáculo “Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa”, título tomado de empréstimo a um texto do livro “Novas Cartas Portuguesas”. Fala-nos sobre o Sindicato do Serviço Doméstico, legalizado em 1976, um sindicato feito de mulheres e para mulheres – “um ato revolucionário ainda aos dias de hoje”. A atriz, criadora e encenadora lançou a estrutura artística Cassandra e o projeto Heróides – Clube do Livro Feminista.
Lúcia Crespo e Paulo Duarte - fotografia 05 de Novembro de 2021 às 11:00

Durante meses a fio, Sara Barros Leitão leu cartas e correspondências do Sindicato do Serviço Doméstico em Portugal, um sindicato feito de mulheres e para mulheres. Formalizado em 1976, gerou resistências de governos e dos próprios sindicatos. "A vida sindical ainda é muito organizada por homens", diz a atriz e criadora, que estreou ontem no CCB a peça "Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa". O título é tomado de empréstimo a um texto publicado no livro "Novas Cartas Portuguesas". Sara assume-se como feminista e ativista, é-o quase desde sempre. Em criança, convenceu os colegas da escola a desenharem o parque infantil que gostariam de ter. Os desenhos foram enviados para o presidente da câmara municipal e o parque desejado apareceu. A atriz não sabe se foi coincidência, mas passou a acreditar que podia mudar o mundo.

Sara Barros Leitão gosta de pesquisar e demora-se no processo de investigação. Assim aconteceu com a sua primeira grande criação, "Teoria das Três Idades" – a atriz esteve um ano a estudar o arquivo do Teatro Experimental do Porto. Para construir o espetáculo que agora estreou, passou muitos dias no arquivo da CGTP. Ao seu lado estava Mafalda Araújo, socióloga contratada para coordenar a pesquisa do espetáculo. Em 2020, a encenadora criou uma estrutura artística, Cassandra, para desenvolver as suas criações "e provar que, com esforço, é possível trabalhar de outra maneira". Nascida em 1990, Sara Barros Leitão protagonizou a peça "Catarina e a Beleza de Matar Fascistas", uma produção de Tiago Rodrigues, e ganhou o Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II. Investiu o montante recebido na criação do projeto Heróides - Clube do Livro Feminista.

 

A peça "Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa" toma de empréstimo o título de um texto das "Novas Cartas Portuguesas". Recorda-se da primeira vez que leu o livro?

Sim, foi mais ou menos no final da adolescência que me chegaram as "Novas Cartas Portuguesas", eu não conhecia o livro e não o compreendi logo, era para mim muito enigmático. Compreendia alguns textos, outros eram-me mais difíceis – e é fascinante como um livro pode ser tudo isto. Foi ficando na mesa de cabeceira e fui voltando a ele. Há uns anos, estava a preparar uma intervenção, abri o livro e encontrei o texto "Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa", da Maria Teresa Horta. Esse texto foi-se tornando muito presente na minha cabeça, assim como o título. Quando comecei o projeto sobre trabalho doméstico, aquele título fazia-me todo o sentido.

A vida sindical ainda é muito organizada por homens. A organização sindical está feita para o "man by default".

O espetáculo é então uma leitura da obra de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta ("as três Marias"), 50 anos após a sua publicação?

As "Novas Cartas Portuguesas" estão presentes, porque estão em mim, mas há uma escrita nova e sobre outros temas também. É um espetáculo sobre a luta das mulheres e sobre a criação do Sindicato do Serviço Doméstico em Portugal. Este sindicato fez o seu primeiro congresso em 1979, juntando nove mil associadas, e a abrir o evento estava um poema da Maria Teresa Horta – "Dia de uma criada de servir e seu lamento-calado". Tomei conhecimento disso mesmo já durante a pesquisa, e o título das "Novas Cartas" passou a fazer ainda mais sentido. O sindicato era composto apenas por mulheres e suscitou muita resistência por parte dos sucessivos governos e da própria CGTP – a vida sindical é muito organizada por homens, ainda aos dias de hoje. A organização sindical está feita para o "man by default". Na altura, houve até uma troca de correspondência engraçada: a Intersindical perguntava quem era "o" responsável do sindicato pelos assuntos das mulheres trabalhadoras. O sindicato respondeu: aqui todos os assuntos são assuntos de mulheres, somos só mulheres e o sindicato somos nós. Criar um sindicato naquelas condições foi algo muito revolucionário.

 

O que foi descobrindo ao investigar a história deste sindicato?

Começou a ser magicado em 1973. Havia um descontentamento crescente e algumas mulheres ligadas à JOC e à LOC, frentes operárias católicas progressistas, foram tomando consciência dos seus direitos e começaram a reivindicar esses mesmos direitos. Mobilizam-se, organizam sessões de cinema e juntam-se para conversar. Esses convívios duram quatro horas, de 15 em 15 dias, e apenas aos domingos: como empregadas domésticas, elas só folgavam ao domingo. Nem no 25 de Abril estas mulheres saíram para a rua – o 25 de Abril foi a uma quinta-feira! Estes são relatos que nos dão uma narrativa alternativa àquela a que nos habituámos. No dia do início da liberdade, houve um setor da população que não saiu das fábricas, que não saiu dos seus postos de trabalho. Estas mulheres não saíram das casas onde trabalhavam, e muitas tinham patrões de esquerda, que estavam na rua a fazer a revolução… – acho interessante pensar nisto.

Falou com algumas destas mulheres?

A algumas, infelizmente, já não cheguei a tempo. Outras não estão em condições de me receber, devido à pandemia. E há histórias complicadas. Muitas destas mulheres eram quase analfabetas, outras aprenderam a ler mas começaram a ser empregadas internas ainda muito novas, algumas sofreram abusos morais, laborais e sexuais. Estiveram ao serviço de uma família até ficarem velhas ou doentes, não constituíram família e agora estão sozinhas. Remexer nessas memórias é delicado. Mas há um livro que nos ajudou a chegar a algumas histórias, "Mulheres em Luta", da A. Celeste Vieira. Ela também esteve envolvida no sindicato. Foi empregada interna, deixou de o ser, depois estudou, licenciou-se e fez uma tese sobre empregadas domésticas. E essa tese levou-me a algumas destas mulheres, nomeadamente à Conceição Ramos, fundadora do sindicato, uma das pessoas que mais me inspiraram na vida.

 

Costumam encontrar-se ainda hoje?

Falamos frequentemente, neste momento posso até dizer que somos amigas. É de facto incrível como esta mulher mobilizou tantas mulheres. Foi um pilar, e isso percebe-se bem quando lemos a correspondência do sindicato – eu e a socióloga Mafalda Araújo, que coordena a pesquisa, estudámos o arquivo da CGTP no Seixal e percebemos que as cartas eram quase todas dirigidas à Conceição Ramos: "Querida São", "São", "Amiga São". Ela criou a comissão pré-sindicato enquanto trabalhava como empregada interna – a sua ação sindical era feita depois das onze da noite. Escreveu milhares de cartas à mão para todo o país, estudou direito do trabalho e conseguiu, em conjunto com as outras mulheres, criar o sindicato. Ela está bem, mas um pouco magoada com momentos de luta que acha que depois não se efetivaram.

 

Porquê?

Há aqui uma história interessante. Dois anos antes da legalização do Sindicato do Serviço Doméstico, surgiu o chamado Sindicato Livre das Empregadas Domésticas, ligado à Obra de Santa Zita – que era apoiada sobretudo pela burguesia cristã. A Obra tinha casas de formação de criadas e recebia raparigas que tentavam fugir da pobreza extrema. Estas raparigas eram ensinadas a servir, a coser, a fazer tudo aquilo que uma criada deveria fazer. E foi quando começou a mobilização em torno do Sindicato do Serviço Doméstico que a Obra de Santa Zita fundou a sua estrutura sindical – que era no fundo o sindicato dos patrões – e consegue legalizá-la primeiro. Os sucessivos governos jogam com a questão: porque é que os sindicatos não se fundem? Mas, para aquelas mulheres, não havia fusão possível. O Sindicato do Serviço Doméstico seria apenas legalizado em 1976. Luta então para atrair mais associadas e dizia: "Junta-te a nós, temos de acabar com a nossa profissão." Acho interessante, esta ideia de as pessoas se juntarem para acabar com a própria profissão. O objetivo era extingui-la nos moldes em que existia – uma ideia revolucionária nos anos 1970, e ainda aos dias de hoje. Esta profissão tem de acabar, não faz sentido haver pessoas que limpam o que outras sujam dentro das suas casas. Enquanto sociedade, temos de nos organizar de outra maneira.



E tem algumas respostas?

Não tenho resposta e o espetáculo não aponta respostas, mas é importante pensar noutras formas de organização. Às vezes, até em tom de provocação, costumo dizer: "O serviço doméstico deveria acabar. O que acham?" Faz-se silêncio. As pessoas não estão preparadas para a ideia de ficarem sem empregadas domésticas, e isso acontece da esquerda à direita, do operário ao CEO. Em Portugal, há um número elevado de famílias que externaliza o trabalho doméstico, sobretudo em comparação com países do Norte da Europa. O sociólogo Manuel Abrantes aborda este tema, por exemplo, no artigo "A densidade da sombra – trabalho doméstico, género e imigração". Será que nós adoramos ter empregadas domésticas? Não. As empregadas internas têm esta expressão em Portugal porque o Estado social não proporciona uma série de respostas que deveria proporcionar. Sem uma rede de creches públicas, é mais fácil a uma mãe trabalhadora contratar uma empregada – uma empregada que cuida dos filhos, que limpa a casa, faz o jantar, passeia o cão, vai ao supermercado, deixa a sopa para o fim de semana. As empregadas domésticas são cozinheiras, costureiras, motoristas, cuidadoras…

No nosso país, aos dias de hoje, há pessoas em situação de escravatura.

Acumulam profissões.

Em Portugal, a primeira lei que protege as empregadas domésticas data de 1867 e, também pela primeira vez, separa as empregadas das pessoas escravizadas. E só em 1980 surge um decreto-lei que define um regime específico para regular o contrato de serviço doméstico (Decreto-Lei n.º 508/80), que é alterado em 1992. É este o regime legal que existe ainda hoje. Neste momento, em Portugal, as empregadas domésticas podem legalmente trabalhar 44 horas semanais, enquanto os outros trabalhadores não podem exceder as 40 horas. Muitas destas mulheres ganham menos do que o salário mínimo, porque parte do ordenado é pago em espécie. E, se fizerem queixa sobre as suas condições de trabalho, a ACT pouco pode fazer, uma vez que elas trabalham em propriedades privadas… Tudo isto está em vigor e é muito gritante. Nem sequer falo do trabalho informal. Há uma nova camada de mulheres imigrantes que chegam sem papéis e estão em situações muito difíceis. Não querem ir ao SEF, não querem ir à polícia, não podem ir, têm medo. São relatos de provocar náuseas profundas. No nosso país, aos dias de hoje, ainda existem pessoas em situação de escravatura.

 

O Sindicato do Serviço Doméstico em Portugal acabou por ser extinto nos anos 1990.

Estou ligada à vida sindical, sei quão extenuante isso é, se eu sinto essa exaustão, imagino estas mulheres nos anos 1970, 1980, 1990, sozinhas, sem o apoio dos companheiros – houve muitos divórcios, muitas mulheres foram abandonadas pelos maridos. Se em 2021 é difícil, em 1970 ainda era mais. Tudo isto fez com que estas mulheres se desmobilizassem. Em 1991, o Sindicato foi absorvido pelo STAD (Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas) e – esta é a minha reflexão pessoal – o serviço doméstico deixou de ter representação sindical. Estas mulheres ficaram outra vez muito invisíveis.



A Sara é conhecida pelo seu ativismo. É dirigente da Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas e na escola era muitas vezes delegada de turma. Foi sempre assim?

A minha família deu-me sempre muita liberdade de pensamento e um grande estímulo para pensar por mim própria. Percebi desde criança que a mobilização tem resultados práticos. Lembro-me, por exemplo, de que não havia parques infantis na zona onde morava. Eu gostava muito de andar de baloiço e o meu pai levava-me a outra cidade, que tinha um parque infantil que eu adorava. Falei com a escola e com os meus colegas, e cada um desenhou o parque infantil que queria. Acumulei centenas de desenhos e pedi ao meu avô para os enviar ao presidente da câmara. Não faço ideia se isso teve impacto, certo é que passado meio ano começaram a construir um parque infantil na minha área de residência. Deve ter sido pura coincidência, mas aquilo deu-me a sensação de que podemos realmente mudar o mundo. Também fui sempre a delegada de turma, e levava essa tarefa com imensa seriedade, lia o regulamento interno das escolas, conhecia os artigos todos… E fui levando tudo isto atrás de mim.

É muito diferente dar aulas a uma criança que come e a uma criança que não come.

Para distribuir o privilégio que de alguma forma tinha?

Alguns privilégios nasceram já comigo, sim, desde logo porque cresci numa família que me deu acesso aos estudos, tive sempre uma secretária e um candeeiro e tempo para estudar – "A Room of One’s Own", como escreve Virginia Woolf. É importante termos uma secretária, papel, caneta, luz e dinheiro, é isso que uma mulher precisa para escrever, e isso é também um privilégio. Dei aulas de teatro a crianças muito diversas, quer em escolas integradas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), quer em colégios muito ricos. As oportunidades dadas às crianças não são realmente as mesmas. Falo do acesso a exposições, a museus, e até à paz – ter acesso à paz é um privilégio. Os alunos dos colégios chegavam limpos, de pequeno-almoço tomado. Dei aulas a muitas crianças que ainda não tinham comido, e é muito diferente dar aulas a uma criança que come e a uma criança que não come.

 

O argumento da meritocracia pode ser perverso?

A forma mais perversa de perpetuar a desigualdade é insistir na meritocracia. Eu costumava fazer um exercício simples nas aulas. Perguntava às crianças: se fosses uma atividade, que atividade serias? Nos colégios mais ricos, acontecia frequentemente os alunos responderem: equitação, porque os cavalos são liberdade. Noutras escolas, crianças da mesma idade diziam-me: ó stora, o que é uma atividade? Até pelo léxico percebemos que o universo a que têm acesso é muito mais reduzido. Isso nota-se muito também nas improvisações, sobretudo na forma como muitas vezes os alunos terminam os exercícios: "Agora, pegava numa pistola e matava todos." E eu dizia: não podes usar pistolas! E uma faca? Também não. E uma ponta e mola? Não podes usar armas! – mas porque é que tenho uma criança de 10 anos a perguntar se pode usar uma ponta e mola?

Ganhou o Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II e decidiu investir o valor na criação do projeto Heróides — Clube do Livro Feminista. Porquê?

Os livros acompanham-me desde criança e um dos dias mais importantes da minha vida foi precisamente o dia em que aprendi a ler. Foi muito emocionante, abriu-me a uma linguagem que outras pessoas partilhavam entre si e à qual eu não tinha acesso e passei a ter, senti que isso era um poder tremendo. Comecei ao longo do tempo a ter vontade de criar um clube de leitura. Por outro lado, ao participar em lançamentos de livros ou noutros eventos do género, por vezes sentia-me desconfortável. Saía a sentir-me mal comigo mesma, por não compreender algumas palavras, sentia-me muito incapaz. No ano passado, iniciei um mestrado em estudos sobre a mulher, e chegou-me um texto da filósofa Sandra G. Harding que me ajudou a perceber que o saber é também um lugar de poder. A forma como usamos o saber pode ser opressora para quem não o tem. Até a forma como falamos pode oprimir outras pessoas naquilo que são os seus sonhos. Apercebi-me de que eu própria me sentia oprimida em muitos contextos. Eu, que gostava tanto de livros, pensava: será que, com o conhecimento que tenho, não estarei também a oprimir outras pessoas que não têm acesso a esse conhecimento? Tentei então criar um sítio em que tal não acontecesse, onde a pessoa que é convidada para falar não é a que tem o conhecimento, e as outras vão lá "apenas" para ouvir. Este é um lugar de leitura e de escuta, qualquer pessoa pode perguntar coisas muito básicas, e ninguém se vai sentir ofendido.

Não há Estatuto que nos valha se não se mudar a prática de contratação no setor.

Os últimos dois anos foram especialmente difíceis para o setor das artes. Como avalia o Estatuto dos Profissionais da Cultura?

A reivindicação e o protesto são muito importantes para que as coisas melhorem – e grande parte das conquistas deste ano resultaram da reivindicação –, mas é importante reconhecer que a ministra da Cultura (Graça Fonseca) pôs em andamento muitas coisas que estavam paradas há muitos anos. Seria desonesto da minha parte não reconhecer isso mesmo. Agora, se podia ter sido feito melhor? Claro que podia, sobretudo em relação ao Estatuto. Este é um documento com muitas fragilidades e não vai resolver os problemas estruturais. Não há Estatuto que nos valha se não se mudar a prática de contratação no setor, se não se combater realmente os falsos recibos verdes. A precariedade está instalada em muitos setores, e na cultura essa é uma prática geral completamente instituída e da qual o Estado é o principal beneficiário. A grande crítica que faço é essa: o Estatuto diz que vai resolver uma série de coisas, mas não tem uma única medida concreta para combater de facto a precariedade do setor e a luta contra os falsos recibos verdes. Tal como apresentado, não traz grandes mudanças para o fim da precariedade.

 

Nas eleições presidenciais de janeiro, apoiou publicamente a candidata Marisa Matias. Tem ou pretende ter uma filiação partidária?

Não tenho filiação partidária, não penso nisso, mas é evidente que defendo um Estado social e sou assumidamente uma mulher de esquerda. Tenho as minhas convicções, mas publicamente não tenho intenção de manifestar o meu apoio, a não ser em situações pontuais que me pareçam importantes, sobretudo para incentivar o ato de votar e combater a abstenção, mais do que induzir alguém no seu sentido de voto.

O #MeToo em Portugal não teve as consequências que poderia ter tido. Apesar de tudo o que não aconteceu, esse "não acontecimento" não pode tirar força ao que aconteceu.

Em abril deste ano, tornou público o seu apoio à atriz Sofia Arruda, que denunciou ter sido vítima de assédio sexual no meio audiovisual português. O #MeToo em Portugal está a ter o desenvolvimento que esperava?

Não teve as consequências que poderia ter tido, não sei se algum dia terá. Apesar de tudo o que não aconteceu, esse "não acontecimento" não pode tirar força ao que aconteceu, que foi inédito e importante, e dizermos que não o foi é também descredibilizar e não apoiar as companheiras que falaram. E para mim bastaria uma única história. O movimento poderia ter ido muito mais longe, não foi, para tal seria preciso uma sociedade civil empenhada e uma legislação que as proteja de facto. O assédio expira ao fim de seis meses. Se as mulheres disserem o nome dos seus agressores, correm o risco de ter um processo de difamação em cima, arriscam-se também a perder e a ter de pagar ao assediador. É preciso que a legislação se altere para dar passos em frente.

 

Algo mudou na prática?

Algumas coisas mudaram. Por exemplo, no verão, assinei um contrato de prestação de serviços para uma série – no audiovisual, continuo a ser falso recibo verde – que tinha uma cláusula, inédita, de assédio. Apresentava muitas lacunas, mas já era uma cláusula, um passo. Dizia que se notasse alguma coisa, eu deveria comunicar ao produtor da série no espaço de "x" dias; se não o fizesse era como se não tivesse acontecido nada. Eu pergunto, e se o assediador for o produtor, a quem comunico, ao próprio? E porque é que me estão a dar um prazo para aquilo que é a minha experiência pessoal? Posso nem estar preparada para contar, não acho legítimo exigir-se prazos para contar este tipo de experiência. É preciso ativar mecanismos sérios de combate ao assédio.

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