Pedro Cunha é psicólogo educacional e diretor do Programa Gulbenkian Conhecimento, que tem apostado em vários projetos inovadores na área da educação. Começou como técnico em escolas, foi subdiretor-geral da Educação e hoje, além de ser um alto quadro da fundação, é também perito convidado em várias organizações internacionais como a Comissão Europeia, a ONU, a UNICEF e a OCDE. Para o especialista a vacinação das crianças acima de 12 anos dá um sentimento de segurança e permite que os alunos estejam mais disponíveis para aprender. Com a pandemia, a questão da saúde mental tornou-se mais evidente. Por isso, a Gulbenkian assinou um protocolo com o Ministério da Educação para a formação de professores na área socioemocional neste próximo ano letivo. Os docentes precisam de ganhar estas "lentes" de forma a detetarem sinais de alarme e perigo na sala de aula.
O facto de as crianças acima dos 12 anos já estarem a ser vacinadas vai permitir que alunos, pais e professores entrem neste ano letivo mais confiantes?
Penso que sim. A medida era muito desejada pela comunidade educativa. O ano passado foi tremendamente difícil, particularmente para as crianças. As mais pequenas, até aos 12 anos, foram as mais afetadas. Os alunos do secundário, do ponto de vista cognitivo, pouco perderam. A questão é que o nosso cérebro está preparado para só aprender quando está liberto das necessidades básicas, que são, para além das fisiológicas, a segurança e a pertença. Era precisamente a necessidade básica de segurança que estava ameaçada. As crianças estão naturalmente programadas para aprender, mas o estado emocional condiciona a sua aprendizagem. É muito difícil aprender quando estamos com medo de algo, como um vírus, que nem sequer conseguimos ver e que não conseguimos explicar. O medo contra o desconhecido é o mais paralisante. Por outro lado, era muito difícil satisfazer a necessidade básica de pertença quando havia linhas marcadas no recreio e as crianças não podiam comunicar umas com as outras. Essa é uma enorme limitação para a aprendizagem, que é permanente, dinâmica e fortemente interativa e relacional. Portanto, a vacinação é muitíssimo bem-vinda porque teremos crianças e jovens com maior disponibilidade para aprender.
Preocupa-o mais a forma como a pandemia prejudicou as aprendizagens ou o impacto que teve nos alunos do ponto de vista da saúde mental?
Não se pode distinguir uma vertente da outra porque estão ligadas. O desenvolvimento emocional e o bem-estar ampliam ou limitam as nossas capacidades. Já temos dados científicos portugueses que mostram que a prevalência dos sintomas de ansiedade e depressão aumentou. Mas de forma desigual. O aumento foi muito maior nas raparigas do que nos rapazes e foi particularmente sentida nas crianças que tiveram menos apoio em casa.
Ou seja, agravou o fosso social.
Sim, e essa era já uma das marcas distintivas do nosso sistema educativo. De acordo com a OCDE, Portugal é dos países onde há maior desigualdade educativa e onde a diferença entre os melhores e os piores alunos é maior. Esse "gap" deve-se sobretudo às condições socioeconómicas das famílias. Fizemos um progresso absolutamente notável do ponto de vista da performance, contudo não temos sido capazes de levar todas as crianças a níveis satisfatórios de desempenho. Mas voltando aos problemas de saúde mental, eles são transversais à população, no entanto, há duas marcas distintivas claras. Uma é de género e a outra de estatuto socioeconómico.
O que é que explica essa distinção de género?
Há várias explicações. Tipicamente as raparigas são mais francas nas respostas que dão aos inquéritos do que os rapazes, que estão mais preocupados com aquilo que os outros pensarão sobre a sua resposta. Por outro lado, eles têm muito mais dificuldade em reconhecer e compreender as suas emoções, em lhes dar nomes e em regular essas emoções.
Como é que a escola deve lidar com a tristeza, a depressão e a ansiedade dos alunos?
Todas as escolas hoje têm serviços especializados, com pelo menos um psicólogo "residente".
Mas muitas vezes esse psicólogo está a trabalhar para um agrupamento de escolas.
Sim, é verdade. Eu trabalhei num agrupamento que tinha 19 escolas espalhadas por um território gigantesco. Mas em todos eles já existe pelo menos um serviço de referência. O que é que falta? No percurso formativo dos nossos professores há uma total ausência de informação e de conhecimento sobre o desenvolvimento humano. Os professores são muito especializados, e bem, em áreas de conteúdo. Ninguém é um bom professor se não souber muitíssimo sobre um determinado tema. Não defendo que haja uma redução da preparação científica dos professores. Pelo contrário, até acho que deve ser reforçada. O que digo é que os professores muitas vezes têm à sua frente crianças que estão em sofrimento e não veem isso. Dei formação a professores nesta área durante muitos anos e era frequente ouvi-los dizer depois de uma formação sobre maus-tratos, abuso e negligência na infância: "Nunca imaginei. Tive estes problemas todos à minha frente durante décadas." É preciso treinar o olhar, pôr umas "lentes" especiais. Estas "lentes" educam-se, constroem-se. Há vários sinais de alarme a que os professores devem estar atentos. Deveríamos integrar na formação inicial de professores os primeiros socorros de saúde mental. Isso permitiria criar as tais "lentes" para reconhecer os sinais de risco e de perigo.
Os próprios professores também revelam problemas emocionais. Num inquérito recente da Federação Nacional da Educação (FNE), 60% dos docentes revelaram que o excesso de trabalho foi um dos aspetos que mais os preocuparam, seguido da sua saúde mental e bem-estar.
O desenvolvimento emocional dos próprios professores é outra área que está omissa na formação inicial destes profissionais. Não é justo pensar que os docentes vão trabalhar o desenvolvimento social e emocional de crianças, se o seu próprio desenvolvimento social e emocional não for trabalhado. Um estudo de 2015 conduzido por Sir Cary Cooper, um professor da Universidade de Manchester, revelou que num ranking de profissões com maior stress os professores estão entre os três primeiros lugares junto com os profissionais de saúde e os militares e forças de segurança. Se já era assim antes da pandemia, imaginemos agora.
A Gulbenkian estabeleceu um acordo com o Ministério da Educação para dar formação aos professores na área da educação socioemocional já neste próximo ano letivo. Como vai funcionar?
Este projeto partiu de uma constatação. Em 2017, o Governo tinha acabado de publicar um documento fundamental que é o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. No fundo, este documento de referência define para que serve a escola. No final de 12 anos sentados, quietos e calados o que é suposto os jovens saberem e serem? Como queremos que eles atuem na sociedade? Esse documento deixa muito claro que a base de todas estas questões é o conhecimento, mas que isso por si só não chega. É preciso mais. É preciso saber estar, saber pensar, saber sentir e saber relacionar-se com o outro. Se olharmos para a "dieta" escolar tradicional percebemos que a oferta que temos atualmente não está alinhada com este perfil. Há um vazio sobre a promoção das competências sociais e emocionais das crianças e dos jovens na escola. E a resposta para isso não pode ser criar uma disciplina. Essa é a via mais fácil e mais errada. Já se fizeram tentativas no passado e não correram bem. O desenvolvimento de competências sociais e emocionais – como reconhecer as emoções, compreendê-las, dar-lhes nomes, expressá-las e regulá-las – pode ser promovido em qualquer contexto educativo, em qualquer disciplina, em qualquer momento da vida da escola, desde que o aluno entra no portão até que sai. O que vamos fazer com os professores é ajudá-los a criar as tais "lentes" e dar-lhes algumas técnicas, algumas estratégias que fomos experimentando com 50 mil crianças e jovens nos últimos quatro anos num outro programa que é um dos maiores investimentos que a Gulbenkian alguma vez fez num só projeto – ultrapassa os seis milhões de euros em cinco anos.
Está a falar das Academias Gulbenkian do Conhecimento?
Exato. Lançámos três concursos – em 2018, 2019 e 2020 – em que perguntámos à sociedade civil quais são as melhores ideias que têm para promover um conjunto de sete competências que identificámos – comunicação, resolução de problemas, pensamento crítico, pensamento criativo, adaptabilidade, autorregulação – em crianças desde os 3 meses de idade até aos jovens de 25 anos, que já estão no ensino superior. Tivemos um número recorde de candidaturas, ultrapassaram as mil. Houve uma excelente resposta das escolas, que era o candidato óbvio, mas sobretudo de muitas organizações e associações de todas as áreas – cultura, ciência, tecnologia, voluntariado, ambiente, desporto. As entidades que se candidataram quiseram demonstrar que a forma como ensinam cinema, música, jornalismo, neurociência, râguebi ou como se empenham na solidariedade, no voluntariado ou no empreendedorismo social, permite desenvolver estas seis competências. Cada uma destas academias Gulbenkian, já são 100, trabalha em muitos contextos diferentes, com muitas soluções diferentes. Não pretendemos padronizar nada. Estas 100 experiências foram todas avaliadas externamente por uma universidade para agora sermos capazes de extrair informação sobre o que funciona e o que não funciona na promoção destas competências. Já temos dados muito robustos que vamos apresentar publicamente no dia 28 de novembro.
De que forma essas aprendizagens vão ser transpostas para as escolas?
É nisso que estamos a trabalhar agora. Já percebemos o que é que pode ser extraído destas experiências para um professor que tem grupos de 30 alunos à sua frente. Há técnicas, conteúdos, estratégias, que são facilmente transferíveis para o ambiente escolar e que interessam a todos os docentes. Estamos a trabalhar com duas universidades no desenho de um currículo de formação de professores. O que vamos fazer, em parceria com o Ministério da Educação, é ajudá-los a criar as tais "lentes" e dar-lhes algumas técnicas e estratégias que fomos experimentando com 50 mil crianças e jovens nos últimos quatro anos.
A formação de professores na área da educação socioemocional enquadra-se aí?
Sim. Tem duas componentes. Uma muito importante de desenvolvimento social e emocional dos próprios professores e outra sobre como estes profissionais podem desenvolver as seis competências que referi há pouco nas crianças e nos jovens com quem trabalham, sem terem de acrescentar algo ao currículo.
Essa aposta implica olhar para a escola de forma diferente. Deixa de ser apenas um local para transmitir conhecimento. A comunidade escolar está preparada para fazer essa mudança de mentalidade?
Estamos nesse caminho. Há 25 anos, quando pus pela primeira vez o pé numa escola, não como aluno mas como psicólogo educacional, o Ministério da Educação fez as primeiras tentativas de introdução deste tema nos curricula. Era um projeto liderado pela professora Margarida Gaspar de Matos, chamado "Aventura Social", em que se pretendia promover nos professores esta sensibilidade para o desenvolvimento emocional e afetivo dos jovens. Lembro-me dos comentários na sala de professores. "Isso são coisas de psicólogos", diziam. Era visto como um tema esotérico, um pouco estranho àquilo que era o mandato tradicional dos professores. Passaram 25 anos e felizmente esse quadro mudou muito. Não quer dizer que não existam ainda setores da sociedade que digam que a escola tem de se concentrar em ensinar a ler, escrever e contar. O resto é com as famílias. Mas sinto que há uma grande disponibilidade dos professores para este tema. A sensibilidade das escolas para estas questões começou um bocadinho ao contrário. Veio muito dos empregadores, do mercado de trabalho. Eu, pelo menos, senti assim. Os grandes relatórios sobre este tema vieram da OCDE, do Banco Mundial, de organizações de natureza económica que começaram a ver que o desenvolvimento destas competências estava muito associado à produtividade das empresas. E, portanto, à produtividade dos países. Não é por acaso que alguns países – Nova Zelândia, Butão, Austrália – começaram a medir não só o PIB mas também os índices de desenvolvimento emocional e de bem-estar.
Fala-se pouco em talento na escola. Porquê?
Há muitas razões. Desde razões ideológicas a culturais.
Mas não é isso que distingue as pessoas?
É claramente isso que nos distingue uns dos outros. O tema do talento está muito conotado com o tema da excelência, da competitividade e da desigualdade. Recordo-me de estratégias que as escolas tinham para premiar o mérito, para incentivar o esforço e a colaboração, que nem sempre foram bem recebidas. Ainda hoje temos escolas que têm vários incentivos para distinguir as crianças e jovens que de alguma forma fazem a diferença e outras que não têm, por opção. Dizem: "Nós queremos é trabalhar a coesão." Como se fossem incompatíveis. Não são. Todos temos capacidades, apetências, interesses. E uma boa escola alimenta cada uma dessas capacidades e interesses. O problema é que temos uma escola que estava excessivamente focada nalguns talentos e que desvalorizava outros. Estive ligado ao desporto escolar durante muitos anos e via isso muito claramente. Para muitas escolas o desporto escolar era algo de segunda ordem de importância e a mesma coisa acontecia com as artes, com as expressões, com o voluntariado, o empreendedorismo social, com a vontade de fazer a mudança. Mas também isso está a mudar. Cada vez mais temos escolas que veem o todo. Não veem só o aluno que aprende as disciplinas curriculares, também veem o aluno que está comprometido com a sua sociedade, que se exprime de formas diversas.
Já não é só a ditadura das notas?
Felizmente, estamos a afastar-nos dessa ditadura.
O pedagogo inglês Ken Robinson dizia que a escola estava a matar a criatividade e que isso tem consequências mais tarde. Concorda?
Concordo. A criatividade e a resolução de problemas vivem de conhecimento. Só posso ser criativo se souber muito sobre um assunto. Ninguém cria sobre algo que não conhece bem. Mas habituámo-nos a ter crianças e jovens sentados, quietos e calados 12 anos. E depois eles entram no ensino superior e as universidades criam à pressa cadeiras de empreendedorismo porque perceberam que aqueles jovens não têm as competências de empreender, intervir e agir sobre os problemas. Isto não se resolve com cadeiras de empreendedorismo no ensino superior. Resolve-se com uma mudança grande do ponto de vista da didática, da pedagogia. O contrato social na sala de aula tem de se alterar.
Só o facto de uma criança estar muitas horas sentada é contranatura.
Sim, há evidência portuguesa sobre isso. O professor Luís Sardinha, da Faculdade de Motricidade Humana, é um grande defensor de que seja introduzido nas escolas mobiliário que leve os alunos a estar nas aulas em pé e não sentados. Isto não só pelas questões óbvias do sedentarismo e da obesidade, mas também do ponto de vista da ativação cognitiva. Ele fez uma experiência que demonstrou que com cadeiras muito altas, em que os alunos se podiam encostar e uma secretária elevada, há uma maior ativação cognitiva por via da maior disponibilidade de oxigénio. Se estivermos em pé mexemo-nos mais, respiramos melhor, levamos mais oxigénio ao cérebro e aprendemos melhor.
O próprio espaço escolar precisa de ser repensado?
A nossa sociedade cresceu a acreditar que havia um sítio físico para aprender. Já toda a gente percebeu que isso vai acabar. Os espaços de aprendizagem a que chamamos escolas vão mudar. As salas de aula, que são espaços pensados para a transmissão de conhecimento, vão mudar, o uso desse espaço vai mudar. Gostaria de ver novas escolas a serem construídas que não fossem uma sucessão de corredores com salas de aula fechadas. Temos de criar a possibilidade de os alunos se agruparem por temas, por interesses, por níveis, por performance, por projeto...Agrupar alunos de forma administrativa por uma decisão da secretaria não é de certeza uma boa decisão. Temos de os agrupar em unidades de sentido e não em unidades burocráticas e administrativas que se chamam turmas.
A Gulbenkian lançou o programa GAP - Gulbenkian Aprendizagem para recuperação de aprendizagens nos alunos mais vulneráveis. Como correu e em que moldes vai funcionar a partir de agora?
Quando falamos na pandemia, costumamos dizer que todos passámos a mesma tempestade, mas uns foram de paquete e outros de barquinho a remos. Acontece que alguns alunos nem de barquinho a remos foram, foram de jangadas furadas e ficaram para trás. Começámos a perceber que havia muitos alunos a regressar às aulas com uma situação de enorme disparidade para com os outros que tinham enquadramento familiar, explicações, apoio ao estudo, que tinham conectividade. Queríamos fazer alguma coisa e contactamos o Ministério da Educação, com quem fizemos uma parceria para este projeto. Não é um programa de recuperação das aprendizagens perdidas. Essa é a abordagem a que os alunos e as escolas já estão habituados. Percebemos que tínhamos uma oportunidade para experimentar formas diferentes de ganhar, de aprender. Neste projeto contámos com vários parceiros – a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade Nova de Lisboa, Sociedade Portuguesa de Matemática, Associação Portuguesa de Professores de Inglês, Fundação Aga Khan, Ministério da Educação, Universidade do Minho e uma associação que fez a implementação e que coordenou todo o programa que é a Teach for Portugal. Primeiro identificámos os alunos que não tinham conseguido manter a conectividade tecnológica e que por isso perderam a conexão afetiva e relacional com o ato de aprender.
Essa conexão afetiva é fundamental para o sistema educativo não perder estas crianças?
A conexão é o compromisso que tenho para com a escola, para com a aprendizagem. Esse compromisso resulta de expectativas. Só me comprometo com algo se tiver uma expectativa relativamente a isso. As crianças que estão em situação de maior vulnerabilidade têm um arquitetura cerebral igual à nossa. Não têm é expectativas elevadas sobre o seu percurso escolar, não têm a capacidade de se autorregularem, ou seja, de gerirem autonomamente o seu processo de aprendizagem e não têm o contexto, o apoio à sua volta, que os incentive e ajude a organizarem-se, a planear, a estabelecer horas para brincar e horas para estudar, a resistir à tentação de não fazer nada. Se esse incentivo não existir à volta, é natural que as crianças se desvinculem do ato de aprender.
O GAP teve esse papel de incentivador?
Pensámos na forma como podíamos religar estas crianças e jovens não só com os conteúdos das disciplinas mas com um projeto de vida que passe pela escola. Religá-los com o desejo de aprender, de crescer por via da escola, de se superarem, de irem mais longe do que foram até ali. Para isso selecionámos e contratámos jovens recém-licenciados que não são da área de ensino – engenheiros, advogados, economistas, gestores, artistas, pessoas das áreas sociais. Os critérios eram terem menos de 30 anos e terem tido formação universitária avançada em português, inglês ou matemática, para saberem muito sobre pelo menos uma das três áreas de apoio. O GAP foca-se nestas três disciplinas. E, em terceiro lugar, tinham de estar focados em não deixar ninguém desistir. O processo de seleção foi muito intensivo. Foram 15 dias intensivos com provas práticas, com role-play, com provas escritas… Fomos bastante exigentes. Queríamos recrutar pessoas com uma crença inabalável no potencial do ser humano. Tinham de ter um compromisso incondicional com o talento daquela criança. E assim criámos uma bolsa com 46 mentores. Eu costumava chamar-lhes os guardiões contra a desesperança porque não deixavam ficar para trás os alunos fechados, sem conexão, em contextos familiares difíceis, com péssimos resultados escolares e sem vontade de aprender. Apoiamos crianças desde o primeiro ano até ao 12.º. Estimávamos abranger cinco mil crianças e jovens neste projeto e conseguimos chegar a dois mil. No segundo confinamento, perdemos o contacto com os outros 3 mil que já tinham sido identificados pelas escolas.
Que resultados obteve este programa?
Os resultados superaram todas as nossas expectativas. Avaliámos três coisas – os resultados académicos, a motivação dos alunos para aprender e a satisfação (dos alunos, dos pais, dos diretores de escola) com o processo. A satisfação das escolas é sempre acima dos 96%. Do ponto de vista da motivação do aluno para aprender (que era um foco muito importante para deixar marca e ficar para este ano e os seguintes) a diferença entre o princípio e o fim do programa é significativa. A forma como os alunos se projetam, as expectativas que têm sobre si, o quão longe querem subir, tudo isso aumentou. Mas foi nas aprendizagens que tivemos as maiores surpresas. Sabíamos que iam melhorar, mas não estávamos à espera de uma progressão tão grande. Para ter uma ideia, a retenção nos 2.º e 3.º ciclos reduziu 38%. Estamos a falar de pessoas que não são professores e que estão com os alunos duas ou três horas por semana. Depois fizemos uma outra comparação que foi como é que a evolução destes alunos se compara com os outros alunos da sua turma que não tiveram este apoio. E a taxa de progressão deles chega a ser 132% superior à dos outros colegas, por exemplo, na disciplina de português nos 2.º e 3.º ciclos. O que o GAP demonstrou é que é uma "vacina" contra a desigualdade social.
Esse projeto é para continuar?
Desenhámo-lo como uma solução de emergência. Mas já apresentámos uma candidatura ao Portugal Inovação Social para o escalar a nível nacional com outros contornos. O nosso objetivo é em cinco anos chegar a 50 mil alunos/ano. A forma como vamos chegar a esta escala é com protocolos com universidades, com quem estamos a negociar, para estabelecer programas de mentoria voluntária de estudantes universitários que possam ser refletidos na avaliação do desempenho destes alunos no ensino superior.