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O dilema dos turcos seculares

A política na Turquia tem funcionado como um pêndulo, oscilando entre mesquitas e quartéis. Entre os extremos, encontram-se muitos turcos seculares e liberais. Dizem estar em minoria e não se sentem representados.

Reuters
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Definem-se como seculares e multiculturais. Não seguem qualquer religião e, por isso, dizem, são chamados de "turcos brancos". Estão em minoria e não se sentem representados pelo poder na Turquia. E parecem ser cada vez mais aqueles que querem deixar o país.

É assim com Taylan Sezginer. Tem 46 anos, é filho de um activista de esquerda, cedo conheceu o mundo dos cárceres militares quando ia visitar o pai à prisão. A sua primeira memória é de uma estrada cheia de pó num autocarro velho que o transportava, precisamente, até ao pai. Formou-se em Artes, trabalha como empresário. É casado com Gamze Sezginer, tem um filho, Can, de um ano. Gamze é engenheira industrial. Taylan e Gamze querem deixar a Turquia. Pelo filho, diz Taylan. "Queremos que ele cresça num país pacífico e democrático", conta ao Negócios.

"Adoramos o nosso país, mas a realidade diz-nos que não podemos viver livremente aqui. Sentimos que, em breve, podemos ser vítimas de uma espécie de MaCarthismo turco. E também estamos tristes porque nos sentimos em minoria. Vemo-nos como multiculturais, já estivemos muitas vezes fora do país, temos muitos amigos no mundo inteiro. Honestamente, penso que uma elevada percentagem da nossa sociedade não gosta das nossas ideias e da nossa forma de estar na vida", diz Taylan.

Uma franja silenciosa

Na sexta-feira de 15 de Julho, os apoiantes do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, saíram de casa, a seu pedido, para ajudar a gorar a tentativa de golpe de Estado em curso. Conseguiram. Nos dias que se seguiram, continuaram a demonstrar o seu apoio nas ruas, cantando músicas pró-governo e entoando cânticos islâmicos. Uma outra franja, a tal dos chamados turcos seculares, manteve-se algo silenciosa, atrás de portas, como descreve o website noticioso Deutsche Welle (DW).

E não foi por serem a favor do golpe. Nisso, Erdogan e o primeiro-ministro turco, Benali Yildirim, receberam apoio de todos os lados: da própria oposição no país e do estrangeiro, condenando a tentativa de golpe e classificando-o como um atentado à democracia. Os chamados turcos seculares parecem ter sido, isso sim, prudentes. Porque a opção Erdogan não parece ser a que lhes trará a paz desejada.

"Embora os turcos seculares e liberais em geral fossem contra o golpe, foram os apoiantes de Erdogan que tomaram as ruas e se reuniram no aeroporto de Istambul no sábado de manhã para expulsar o exército. Basicamente, gritavam palavras de ordem religiosas de apoio a Erdogan e não à democracia em si", escreve o New York Times. Erdogan parece ter aproveitado a "onda" para proceder a uma "limpeza" que já lhe valeu críticas da própria comunidade internacional. Trata-se da "maior caça às bruxas da história da Turquia", titulava o The Guardian.

Golpes de Estado não são uma novidade na Turquia. Mas o mais recente, que se saldou em centenas de mortos e inúmeros feridos, está a gerar um desconforto ainda maior junto dos turcos seculares e moderados, que estão agora a ponderar o seu futuro num país onde o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) procedeu a uma ampla purga de todos os seus possíveis opositores, tendo já detido mais de 8.000 pessoas.

"Sinto-me, decididamente, em minoria. Os seguidores de Erdogan são como um culto", conta ao DW um jovem turco de 24 anos, Ugur Zaman. "Erdogan não é nosso inimigo, mas ele preocupa-nos", diz, por seu lado, Ziya Turfan, islamita moderado, dono de um bar em Tunali. "Amo o Islão, mas não gosto da forma como está a ser usado neste momento. A religião é uma arma muito perigosa e foi por isso que Ataturk separou o Islão do Estado."

A Turquia tem um órgão governamental especial, o Diyanet, cuja missão é promover o Islão e financiar o ensino religioso. Enquanto isso, Erdogan defende uma revisão constitucional baseada no Islão e não no secularismo. "Somos um país muçulmano e por isso devemos ter uma Constituição religiosa", afirmou também recentemente o presidente do Parlamento turco, Ismail Kahraman, citado pela RT News. "O secularismo não terá lugar numa nova Constituição", disse.

O jovem sírio Ibrahim Al Ibrahim, de 25 anos, que fugiu para a Turquia há dois anos, não crê nesse cenário. "Alguns turcos receiam que o Governo possa fazer eclipsar o secularismo, especialmente quando se fala em alterar a Constituição. Mas penso que a maioria acredita que o secularismo é algo de intocável", diz ao Negócios. "Medidas como a reintrodução do ensino religioso nas escolas, restrições ao álcool e construção de novas mesquitas podem não deixar os seculares satisfeitos, mas não podemos ignorar o facto de que 90% dos turcos são muçulmanos", frisa.

Há quem, no entanto, não veja as coisas de forma tão optimista. "Depois da tentativa de golpe de Estado, certamente que Erdogan ficará mais forte. Ele já era um autocrata. Não obedecia à Constituição, não acreditava na imprensa livre, não acreditava na separação de poderes. De autocrata, transformar-se-á num ditador, e isso é o mais perigoso. O nosso regime pode, facilmente, tornar-se num sistema de partido único", afiança Taylan Sezginer. "O Governo suspendeu temporariamente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Começou uma caça às bruxas. Receio que o Erdogan possa usar a tentativa de golpe de Estado para eliminar todos os que se lhe opõem politicamente, sobretudo cidadãos seculares e politicamente alinhados à esquerda. Não acredito que Erdogan seja propriamente um democrata. Tem um passado com discursos de ódio, antidemocráticos e anti-seculares. Erdogan sonha com um 'Novo Império Otomano' e os seus apoiantes partilham deste seu sonho. Acreditam nele como se de um profeta se tratasse."

Um país entre mesquitas e quartéis

A política na Turquia sempre funcionou como um pêndulo, oscilando entre mesquitas e quartéis, afirma o jornalista turco Can Dündar, num artigo escrito para o The Guardian. "Quando o pêndulo se aproxima muito da mesquita, entram os soldados e tentam puxá-lo para o lado do quartel. Quando a pressão dos quartéis em favor do secularismo se torna demasiado forte, o poder das mesquitas cresce. E os democratas instruídos, que se encontram entre estes dois extremos, são sempre os que levam por tabela."

E, acrescenta Dündar - que viu o seu nome na lista de 73 jornalistas que deveriam ser presos, logo após o golpe de Estado falhado -, é difícil fugir a este dilema. "Os militares turcos têm sido, infelizmente, o único 'guardião' poderoso do secularismo - num país onde a sociedade civil não amadureceu, os partidos políticos são fracos, os media são censurados e os sindicatos, universidades e autoridades locais são neutralizados. As forças armadas sempre disseram ser a única protecção da modernidade do país. No entanto, paradoxalmente, cada golpe de Estado levado a cabo pelo Exército não só prejudicou a democracia como também alimentou o islamismo radical."

Serdar Degirmencioglu foi, até Abril passado, professor de Psicologia na Universidade Dogus, em Istambul. Num artigo de opinião publicado na Times Higher Education, conta como foi demitido, a par com muitos colegas seus. "Esta é uma história real. Sou um dos que perderam o emprego. A 29 de Abril, após meses de assédio moral, fui sumariamente despedido." E porquê? Por ter assinado uma declaração de paz, apelando ao Governo para que parasse com a sua campanha militar no Sudeste do país. "Estou convicto de que o meu afastamento da Universidade Dogus fez parte de uma caça às bruxas que está em curso. Como cientista, não acredito em bruxas. Mas, obviamente, o Governo acredita."

"Acredito na paz. Mas o Governo não. (….) Nem o cepticismo é tolerado. O país está em guerra e em tempos de guerra é preciso um líder forte. A dissidência é considerada traição. A liberdade académica é, afinal de contas, um luxo. (…) Dizer a verdade tornou-se uma coisa muito perigosa na Turquia", lamenta o professor de Psicologia.

Neste actual contexto, são já muitos os que pensam ir embora. Até mesmo entre a comunidade estrangeira. Quem está no país por motivos profissionais também pondera o futuro. E há já quem tenha preferido mudar, nomeadamente no mundo futebolístico. Justificam-no com a insegurança que sentem após a última tentativa de golpe de Estado. O avançado alemão Mario Gómez é um deles. Colega de equipa do português Quaresma no clube Besiktas, já disse que vai embora "devido à situação política volátil" do país. Outro exemplo é o do avançado holandês Robin van Persie, que joga no Fenerbahçe, e que esta semana anunciou a sua saída.

Entre os turcos seculares e moderados, alguns assumem querer deixar o país. Taylan Sezginer é um deles. Há outros que, com medo, pensam, mas não falam. E há os que escrevem e depois apagam. Num fórum da comunidade online Reditt, à pergunta "quem é que está a pensar deixar o país?", surgiram logo várias respostas. Dias depois, algumas foram eliminadas. Há também os que, como Lundrill, apelam à permanência no país. "Nós, população secular da Turquia, podemos estar em minoria neste momento. Somos os 40% que se opõem ao regime de Erdogan e que impedem que ele se torne um ditador. Se deixarmos o país agora, estaremos a ajudar Erdogan a assumir o controlo total do Estado."


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