Notícia
Gastronomia: O requinte da carne velha
Um carnívoro de gosto afinado deve correr às IV Jornadas Gastronómicas do Boi de Trás-os-Montes no Vinum, em Gaia. Terminam no dia 11 de Dezembro. Carne tenra e saborosa de animais com 17 anos (pois, pois) não se encontra facilmente.
26 de Novembro de 2016 às 16:00
As IV Jornadas Gastronómicas do Boi de Trás-os-Montes decorrem até ao dia 11 de dezembro no restaurante Vinum, que fica nas caves Graham's, em Gaia.
Há três anos, falar de carne maturada era um sarilho dos grandes. Tratava-se de um produto de alto risco (carne em decomposição, diziam) e nem se podia fazer cá na pátria. Além Badajoz, era algo corriqueiro, com festivais e tudo. Mas por cá, nem pensar. Há três anos, e estupefacto pelos preconceitos nacionais sobre a matéria (inclusive na restauração), enviei algumas perguntas à nossa querida ASAE. Pois, com informação sustentada em legislação e em pressupostos científicos, os responsáveis da instituição disseram que: 1) nunca foi proibido maturar carne; 2) nesta matéria, a legislação é comunitária e não nacional e 3) fundamental mesmo é assegurar um conjunto de pressupostos de higiene e segurança alimentar no processo de maturação e manuseamento da carne. Ponto final.
Desde então, a oferta de carne maturada banalizou-se, sendo hoje possível encontrá-la em cuvetes nas grandes superfícies, regra geral sem qualquer interesse.
Em duas penadas - e sem grandes considerações técnicas -, diremos que a maturação da carne é um processo muito simples, que consiste em deixar as carcaças a repousar em ambiente com temperatura baixa e humidade controlada durante, no mínimo, 22 dias, por forma que a que esse descanso torne a carne mais tenra e saborosa.
Nalguns círculos, quanto mais tempo a carne estiver a repousar, melhor. Há até carnes com seis meses de maturação - coisa que se experimenta uma vez por graça e nada mais. Mas, curiosamente, e para o que nos interessa hoje, a equipa que lidera as Jornadas Gastronómicas do Boi de Trás-os-Montes, no restaurante Vinum (grupo Symignton), nas Caves Graham's, em Gaia, nem pode ouvir falar em maturações longas.
Iñaki López de Viñaspre é líder do Grupo Sagardi, responsável pelo Vinum e por outros assadores de carne de bovino em diferentes países do mundo. E Imanol Jaca é um basco que, acordado ou a dormir, só pensa em carne de bois velhos. É, de resto, considerado um dos maiores especialistas europeus nesta matéria. E quando perguntamos por raças, denominações de origem ou tempos de maturação, só a obrigação de ser educado o contém. E porquê? Porque, nas suas palavras românticas e forçadamente bem estudadas, "a única coisa que interessa é o carinho com que cada produtor tratou os seus animais ao longo das suas vidas. Não no final da vida, mas desde que nasceram até ao dia em que são sacrificados". A alimentação conta? Conta. O terroir é importante? É. Mas o que verdadeiramente interessa - diz o homem que negoceia animais por todo o norte de Espanha e Portugal - "é a dedicação dos agricultores aos seus animais". Se são da raça x ou y, isso não interessa. Imanol vai ao ponto de dizer que o conceito de denominação de origem "é uma 'tonteria' - um golpe de marketing".
Enfim, eu cá diria que, ao enxovalhar o conceito de DOP, Imanol está, ele próprio, a fazer o seu marketing, mas terei de registar que a carne que se serve durante as jornadas em causa é de uma qualidade superlativa para qualquer carnívoro. Tem um aspecto que nos faz salivar, tem aromas peculiares (ervas frescas e secas) e tem tanta macieza como intensidade de sabor. Até a gordura fica gulosa. Só mesmo provando.
Claro que, como de costume, o menu das jornadas tem muito mais do que carne. Começa desde logo com a beleza das caves Graham's e da vista soberba para as duas margens do rio, e segue com entradas de alheira de Mirandela com maçã e um guisado de bacalhau com amêijoas e feijão branco. O prato principal é costeletão imaculadamente grelhado com pimentos de piquillo, sendo que a sobremesa é um sortido de queijos e trufas de chocolate. Como tudo isto não se aprecia com água, há uma selecção dos novos vinhos da Quinta da Ataíde, do grupo Symington.
A comida em si, por pessoa, custa €78. A selecção de vinhos, €29. Sim, não é uma refeição barata. Mas convém ter presente que estamos perante uma experiência fantástica em matéria de carnes (e não só), num local soberbo. E, já agora, quando um animal vive 17 anos para nos dar uns costeletões deste calibre, isso deve merecer o nosso respeito.
Há três anos, falar de carne maturada era um sarilho dos grandes. Tratava-se de um produto de alto risco (carne em decomposição, diziam) e nem se podia fazer cá na pátria. Além Badajoz, era algo corriqueiro, com festivais e tudo. Mas por cá, nem pensar. Há três anos, e estupefacto pelos preconceitos nacionais sobre a matéria (inclusive na restauração), enviei algumas perguntas à nossa querida ASAE. Pois, com informação sustentada em legislação e em pressupostos científicos, os responsáveis da instituição disseram que: 1) nunca foi proibido maturar carne; 2) nesta matéria, a legislação é comunitária e não nacional e 3) fundamental mesmo é assegurar um conjunto de pressupostos de higiene e segurança alimentar no processo de maturação e manuseamento da carne. Ponto final.
Em duas penadas - e sem grandes considerações técnicas -, diremos que a maturação da carne é um processo muito simples, que consiste em deixar as carcaças a repousar em ambiente com temperatura baixa e humidade controlada durante, no mínimo, 22 dias, por forma que a que esse descanso torne a carne mais tenra e saborosa.
Nalguns círculos, quanto mais tempo a carne estiver a repousar, melhor. Há até carnes com seis meses de maturação - coisa que se experimenta uma vez por graça e nada mais. Mas, curiosamente, e para o que nos interessa hoje, a equipa que lidera as Jornadas Gastronómicas do Boi de Trás-os-Montes, no restaurante Vinum (grupo Symignton), nas Caves Graham's, em Gaia, nem pode ouvir falar em maturações longas.
Iñaki López de Viñaspre é líder do Grupo Sagardi, responsável pelo Vinum e por outros assadores de carne de bovino em diferentes países do mundo. E Imanol Jaca é um basco que, acordado ou a dormir, só pensa em carne de bois velhos. É, de resto, considerado um dos maiores especialistas europeus nesta matéria. E quando perguntamos por raças, denominações de origem ou tempos de maturação, só a obrigação de ser educado o contém. E porquê? Porque, nas suas palavras românticas e forçadamente bem estudadas, "a única coisa que interessa é o carinho com que cada produtor tratou os seus animais ao longo das suas vidas. Não no final da vida, mas desde que nasceram até ao dia em que são sacrificados". A alimentação conta? Conta. O terroir é importante? É. Mas o que verdadeiramente interessa - diz o homem que negoceia animais por todo o norte de Espanha e Portugal - "é a dedicação dos agricultores aos seus animais". Se são da raça x ou y, isso não interessa. Imanol vai ao ponto de dizer que o conceito de denominação de origem "é uma 'tonteria' - um golpe de marketing".
Enfim, eu cá diria que, ao enxovalhar o conceito de DOP, Imanol está, ele próprio, a fazer o seu marketing, mas terei de registar que a carne que se serve durante as jornadas em causa é de uma qualidade superlativa para qualquer carnívoro. Tem um aspecto que nos faz salivar, tem aromas peculiares (ervas frescas e secas) e tem tanta macieza como intensidade de sabor. Até a gordura fica gulosa. Só mesmo provando.
Claro que, como de costume, o menu das jornadas tem muito mais do que carne. Começa desde logo com a beleza das caves Graham's e da vista soberba para as duas margens do rio, e segue com entradas de alheira de Mirandela com maçã e um guisado de bacalhau com amêijoas e feijão branco. O prato principal é costeletão imaculadamente grelhado com pimentos de piquillo, sendo que a sobremesa é um sortido de queijos e trufas de chocolate. Como tudo isto não se aprecia com água, há uma selecção dos novos vinhos da Quinta da Ataíde, do grupo Symington.
A comida em si, por pessoa, custa €78. A selecção de vinhos, €29. Sim, não é uma refeição barata. Mas convém ter presente que estamos perante uma experiência fantástica em matéria de carnes (e não só), num local soberbo. E, já agora, quando um animal vive 17 anos para nos dar uns costeletões deste calibre, isso deve merecer o nosso respeito.