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No léxico da semana, afloraram muitas palavras orçamentais. Mede-se o pulso ao que se ganha e ao que se perde. Ordenados e cativações, entre muitos défices. Justiças e injustiças, algumas invectivas de um e de outro lado do Atlântico. Isto enquanto um fugitivo justifica uma "caça ao homem". Cenas de caça.

28 de Outubro de 2016 às 13:00
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banqueiros. Vai por aí um reboliço por causa dos vencimentos dos administradores da pública Caixa Geral de Depósitos. Os socialistas querem pagar-lhes ao nível da banca privada. Os comunistas e os bloquistas nem pensar. Os centristas idem. Os sociais-democratas também discordam, mas votaram ao lado dos socialistas contra comunistas e bloquistas porque se trata de "demagogia fácil". Confuso? Confuso. O discurso contra os banqueiros e os seus altos rendimentos é compensador. Pagamos uma factura brutal por muitos desmandos. Talvez os salários sejam demasiado altos se comparados com os dos mais altos dirigentes públicos. Talvez fosse possível recrutar bons gestores com vencimentos mais modestos. Talvez. Mais importantes são as provas de boa gestão e a responsabilização. Nos alvores da banca, os banqueiros sentavam-se atrás de uma mesa, ou de uma banca, onde guardavam e comerciavam dinheiro. Diz-se que, quando esses banqueiros não cumpriam os seus contratos, partiam-lhes a mesa. Ou seja, caíam em bancarrota. Em bancarrota caíram muitos dos que confiaram nos bancos. Precisamos de banqueiros responsáveis e competentes. Não sei qual é o preço certo ou se é uma questão de preço. Mas sei que devemos escrutiná-los. Com exigência.

fugitivo. O vazio apodera-se de um tempo em que tudo parece reduzir-se a duas categorias: fugitivos e perseguidores. Antes, os criminosos fugiam e os polícias perseguiam-nos. Hoje, a polícia tem concorrência. Parece que cada um de nós se coloca na perseguição. Não se vislumbra nada, mas um folhetim permanente especula sobre sinais e indícios. Roupa que desaparece de um estendal, umas manchas de sangue ou um jipe roubado são ingredientes bastantes para horas e horas de… nada. Estamos em plena "caça ao homem" sem que se ofereçam alvíssaras. Perseguimos e prosseguimos na esperança de um ai. Satisfazemo-nos com pouco. Do muito, não queremos saber nada. Cenas de caça em que saímos caçados.

orçamento. Um orçamento será um pouco do que se vai gastar. Receitas e despesas, previsões e provisões, mais deve do que haver. Sempre um malfadado défice. Por estes dias, tudo, ou quase tudo, parece ir dar às contas com que havemos de nos coser em 2017. O exercício é o campo de batalha político por excelência. Mais retórica do que matemática. Mais adjectivo do que folha de cálculo. Perplexidade. Um Governo socialista acusado de fazer austeridade permanente pelos partidos que o antecederam na governação do ajustamento. Os que revertiam para consumir são agora suspeitos de se renderem à austeridade. A direita clama por aumentos de pensões e fim imediato de sobretaxas, enquanto a esquerda se compromete com o equilíbrio das finanças públicas. PCP e Bloco nunca se torceram tanto para se agarrar ao poder. São muitas as incertezas, mas a geringonça até poderá compatibilizar a consolidação das contas públicas com alguma justiça social. É cedo para se certificar a descoberta de uma terra promissora. Certo é que há muito que PSD e CDS não pareciam tão perdidos. Tão certo como orçar ser navegar à bolina, ao sabor do vento… Sem motor.

espera. "Para aquela que está sentada no escuro à minha espera." É este o título do novíssimo romance de António Lobo Antunes. Começa assim: "Ao acordar o gato estava deitado como de costume aos pés da cama olhando para mim sem me ver, mas a janela de estore meio descido parecia haver mudado da parede direita para a esquerda…" Um romance não se conta. Lê-se. É o que vou fazer. Certo, como diz Lobo Antunes, de que o nosso tempo tantas vezes se fixa, suspende. Parece que se altera, que se move, mas é sempre o mesmo e é no interior desse tempo que nos confrontamos connosco próprios. Histórias e memórias, vincos de sempre.

schäuble. O simples pronunciar do nome do ministro das Finanças alemão provoca repulsa. Talvez por ser o símbolo de uma ortodoxia que tem paralisado a Europa. O homem faz tudo para ser desagradável, ameaçador e prepotente. Calca os que não o adulam. É forte com os fracos. Esta semana, voltou a intrometer-se na política portuguesa. Vá lá saber-se porquê, foi à Roménia realçar o sucesso do Governo de Passos Coelho em contraponto com o actual Governo que, segundo ele, terá declarado que não iria respeitar os compromissos do antecessor. Pouco importa a veracidade do que afirmou. Importa a falta de respeito com que se dirige aos seus pares, importa a irresponsabilidade com que tenta agitar os mercados financeiros, bem visível quando, há poucos meses, acenou com um novo resgate a Portugal ou quando nos ameaçou com sanções, que identificou como "incentivos"... O mais curioso de tudo é que as invectivas a Portugal têm coincidido com um desviar de atenções para alguns problemas graves no sistema financeiro alemão, como é o caso do Deutsche Bank. Um exemplo da arte de bem especular nos mercados…

trump. É o nome que domina a campanha presidencial americana. Dominou-a como candidato a candidato pelos favores dos media mais inebriados com o seu "reality show". Domina-a de novo, mesmo quando os media passaram finalmente a escrutinar o que disse e o que fez. Os excessos impunes de Trump superam tudo a que estávamos habituados. E deixam algumas dúvidas. Ainda que a democracia tolere os seus inimigos, será que pode ser Presidente dos EUA um homem que não paga impostos há 20 anos, que é racista, que é suspeito de assédio sexual, que destrata as mulheres...? Parece que pode. Não teremos já ultrapassado o limite da tolerância? Não gosto de ver a justiça confundida com a política, e vice-versa. Tendo a confiar que, em última e soberana análise, os cidadãos eleitores saberão dar a resposta. Em qualquer caso, não resisto a dizer que Trump, que o próprio registou como marca, me cheira a trampa. A palavra tem origem incerta, mas remete sempre para excremento. No espanhol, é sinónima de tramóia, de armadilha para apanhar caça. Quero acreditar que o eleitor não se deixará caçar, trampear.


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