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Fino, como o azeite de Moura

Um fotógrafo, com raízes alentejanas, homenageia a avó com a produção de um azeite que testemunha o perfil único dos azeites de Moura. O Angélica anda pelo mundo a ganhar medalhas.

Edgardo Pacheco 08 de Julho de 2017 às 13:00
Quem prova azeites pelo método da prova cega, interessa-se - perdoe-se-me o lugar comum - pelo azeite e ponto final. Não quer saber muito da história da marca em si. Faz parte das regras e é coisa de La Palisse. Mas a verdade é que quando premiamos bem determinada amostra dá-nos vontade de apanhar certos fios da sua história. E, por vezes, ficamos ainda mais encantados pelo azeite e por quem o faz. Nessa altura, já é não só o ouro líquido que conta.

O azeite Angélica nasceu há oito anos. E eu provei-o uma ou outra vez, ficando com a impressão de que se tratava de um produto bastante cuidado e com uma imagem pensada ao detalhe. Contudo, não passava daqui. Era mais uma marca inserida neste muito recente e interessante processo de modernização da olivicultura nacional.

Sucedeu que, por causa de um trabalho mais aprofundado sobre este universo, lá fui puxando os tais fios. Primeiro, o seu autor era (e é) o fotojornalista Gonçalo Rosa da Silva (ex-editor da revista Visão); segundo, o azeite chama-se Angélica por ser uma homenagem à sua avó; terceiro, ganha medalhas por esse mundo fora como gente grande e, por último - soube esta semana - a mulher do Gonçalo tem tido um papel determinante na criação e desenvolvimento da marca. Quem é? A Anabela Saint-Maurice, conhecida jornalista e realizadora, autora de um interessante documentário passado da RTP sobre a recente a evolução da olivicultura portuguesa.

Assim, tudo faz sentido. O casal tem boa matéria-prima, sabe muito bem o que quer e, claro, tem credenciais mais do que suficientes para criar uma boa narrativa e uma boa imagem à volta do azeite.

Dito isto, convém realçar que a qualidade do azeite não é só aferida cá dentro. Pelo contrário. Esta colheita 2016/2017 já recebeu uma medalha de prata em Londres, uma de ouro em Nova Iorque e uma "grande medalha de ouro" em Córdova.

Não menosprezando os prémios recebidos nas duas primeiras cidades, teremos de reconhecer que a performance no concurso em Espanha é outra loiça. Pelo concurso em si, por estarmos no país que mais azeite produz no mundo e, claro, pelo facto de, em 140 amostras, ter ficado entre os sete azeites mais bem pontuados do concurso. No fundo, o "gran oro" dos Prémios Mezquita (assim se chama a competição) é uma espécie de eleição entre os azeites que obtiveram pontuação para a medalha de ouro. E, se tivermos em conta que os jurados são espanhóis e que as provas são cegas, bom, isso é mesmo motivo de grande festa.

A família de Gonçalo é de Moura. A avó Angélica ficou viúva muito nova, na década de 40. Num país conservador, isso era um problema considerável, mas a realidade é que a senhora, sozinha, lá criou a família e geriu os negócios agrícolas. Hoje, os seus descendentes gerem uma área de olival de sequeiro de 100 hectares - o Monte Manantiz de Baixo.

Ora, desta vasta área, mas ainda assim pouco produtiva em virtude da escassez de velhas oliveiras por hectare, Gonçalo selecciona azeitonas impecáveis das variedades Galega, Cordovil e Verdeal de Serpa que são muito bem tratadas num lagar local. Quer dizer, os frutos saudáveis e colhidos precocemente são rapidamente processados, pelo que não admira que tenhamos um azeite frutado, verde, rico e complexo como são os grandes azeites da denominação de origem Moura.

Este ano já provei alguns azeites só de Galega do Alentejo verdadeiramente frescos, perfumados e encantadores. Agora, quando à Galega, juntamos a Cordovil e a Verdeal, isso significa que vamos obter uma profusão de aromas e sabores. Vamos, claro, cheirar e sentir um azeite complexo, com notas que podem ir de tomate verde à casca de lima, passando por frutos secos e algumas ervas aromáticas que crescem junto aos riachos. Na boca, finura e perfeito equilíbrio entre as sensações amargas e picantes.

Já agora, quando os alentejanos de outros tempos queriam mandar um piropo civilizado mas provocador a certas moças, usavam a expressão "és fina como o azeite de Moura". Essa finura vem do facto de a variedade Cordovil ser caprichosa e dar origem a azeites muito finos. E é essa finura que encontramos aqui. E é isso que, imaginamos, tenha sido detectado pelos narizes treinados dos jurados em Londres, Nova Iorque e Córdova.

Assim sendo, temos pena que este azeite não venha com o rótulo de DOP Moura. Seria um excelente exemplar para mostrar a todos aqueles que desprezam a importância das denominações de origem nacionais enquanto elemento diferenciador, cá dentro e lá fora. Mas isso, enfim, seria tema para encher tantas páginas quantas tem o Weekend. O importante agora é usar o azeite e participar na homenagem de Gonçalo à avó Angélica.


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