Notícia
Feira do Livro de Lisboa: Tempo de medir o pulso ao mercado
A Feira do Livro de Lisboa é o momento alto do ano para o sector. O contacto directo com o público permite ajustar a estratégia para virar a página da crise, numa altura em que as vendas continuam a cair. Para os autores é a oportunidade de ver o rosto que quem os lê.
É considerada a maior montra de livros do país. A Feira do Livro de Lisboa está a decorrer desde esta quinta-feira no Parque Eduardo VII e lá ficará até 18 de Junho. Esta festa do sector atrai todos os anos milhares de pessoas. Desta vez, a organização espera voltar a atingir a fasquia dos 500 mil visitantes. Algo que não acontece desde 2014. No últimos quatro anos o evento tem vindo a crescer, em contraciclo com o que se passa no mercado dos livros em Portugal. Nesta edição há mais pavilhões do que em 2016 e mais editoras/chancelas representadas. Os editores apostaram forte na feira para cativar os leitores. Não só trazem os autores para as tradicionais sessões de autógrafos, como organizam eventos que dinamizam o recinto.
Tudo isto acontece numa altura em que o sector do livro ainda não conseguiu virar o capítulo da crise. Desde 2011 que "o mercado está a diminuir", diz Bruno Pacheco, secretário-geral da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), a entidade organizadora.
Os dados da GfK, uma consultora que monitoriza 80% do mercado (excluindo o segmento escolar), revelam que em 2016 se venderam 12 milhões de livros em Portugal, o que significa uma queda de 3% face ao ano anterior. Em valor, foram facturados 142 milhões de euros, menos 5% do que em 2015. Os primeiros quatro meses deste ano mostram que a tendência se mantém. Entre Janeiro e Abril foram vendidas menos 3,3% de unidades face ao mesmo período do ano passado. Com uma nuance. Em valor houve uma subida de 1,5%. Ou seja, venderam-se menos livros, mas de valor mais alto. "Os livros não aumentaram de preço", garante Bruno Pacheco. Para o secretário-geral da APEL, o que poderá ter acontecido foi "uma melhoria da confiança do consumidor" que ficou mais "predisposto" a comprar livros de valor mais elevado.
Os editores estão a tentar combater esta tendência de queda nas vendas. O contacto directo que a Feira do Livro permite com o público é, por isso, importante para "medir o pulso ao mercado" e retirar daí "algumas pistas do que as pessoas procuram", afirma Paulo Ferreira, director-geral da Booktailors, uma consultora para o mercado editorial. Outra das vantagens que o consultor refere é o facto de as editoras durante a feira venderem directamente ao público, o que permite a "algumas mais pequenas, um encaixe financeiro imediato" porque "não estão dependentes dos pagamentos das distribuidoras". Quanto aos grandes grupos, diz, o volume de negócios na feira "não é representativo nas vendas" anuais. Para esses, estar na feira é mais uma questão de marketing, de contacto com o leitor, defende. Esse contacto directo com quem compra livros é tão importante que ajuda até a "definir parte do catálogo para o próximo ano", diz o secretário-geral da APEL, para além de permitir "perceber o que é que a concorrência está a fazer".
A Feira do Livro de Lisboa antecede um dos dois picos de vendas de livros, as férias de Verão e o Natal. "As editoras apostam em lançar novos títulos nesta altura do ano" porque "os leitores gostam de levar livros para as férias. É um bom período para pôr a leitura em dia", diz Paulo Rebelo Gonçalves, responsável de Comunicação e Imagem do Grupo Porto Editora. José Menezes, director de Comunicação do Grupo Leya, dá relevância a outra vantagem da Feira. "Podemos mostrar muito mais do que os livros que normalmente estão nas livrarias." Isso dá ao leitor a possibilidade de "aceder a livros que não encontra em todo o lado, e que não encontra há muito tempo", explica. Por isso "há pessoas que têm esse cuidado de escolherem os livros que vão comprar à Feira do Livro, com antecedência", conclui.
De acordo com a APEL no ano passado foram publicados em Portugal 14 mil títulos, o que dá uma média superior a mil livros por mês. "Eu atrevo-me a dizer que é muito", diz o secretário-geral Bruno Pacheco. E explica porquê. "Uma livraria expõe com alguma visibilidade 400, 500 livros. Se for uma livraria um pouco maior, talvez possa ir aos 700." Isso significa que há livros que entram no sector comercial e não têm "a visibilidade que era desejável." Ainda assim aquele responsável sublinha que, em comparação com outros países europeus, "em Portugal edita-se bem". O país tem "bons autores", " bons revisores" e "bons designers". Em suma, "os nossos livros em nada ficam a dever ao melhor que se faz na Europa."
Mais do que fazer dinheiro na feira, as editoras apostam nestas três semanas em construir uma relação com os leitores, para poderem colher frutos ao longo de todo o ano. "É óbvio que vamos para a Feira e queremos ter um sucesso comercial", diz Paulo Rebelo Gonçalves, da Porto Editora, mas "o mercado não está fácil mesmo para uma editora desta dimensão". "O nosso grande investimento é em criar um espaço de envolvência dos leitores com os livros e com os autores", acrescenta.
Um pavilhão de 3,20mX2,45m custa 1.800 euros mais IVA. A este valor os "feirantes" acrescentam custos com pessoal e decoração. Este investimento permite às editoras estarem num local visitado num dia normal por 25 mil pessoas e aos fins-de-semana por 70 mil. De acordo com a APEL a facturação média por pavilhão na Feira do Livro é de cerca de 15 mil euros. Não há dados oficiais mas, feitas as contas de cabeça, a associação acredita que a facturação da Feira do Livro de Lisboa rondará os 4 milhões de euros. Se assim for corresponde a cerca de 2% do mercado de venda anual de livros em Portugal.
Conta-me histórias
Os estudos da APEL mostram que as visitas à Feira do Livro de Lisboa acontecem cada vez mais em família. Cerca de 12% das pessoas vão acompanhadas de crianças. Este ano foi criada uma zona de fraldário, na entrada sul da feira, com áreas mais reservadas para alimentação de bebés e muda-fraldas. O público infantil e infanto-juvenil é cada vez mais valorizado na programação e na oferta das editoras. No recinto há insufláveis e outros equipamentos para os mais novos. Para Paulo Ferreira, da consultora Booktailors, esta aposta é importante para criar novos públicos. As crianças "vão ser os leitores do futuro e têm a capacidade de influenciar os pais", na compra de livros. "Se os miúdos tiverem um espaço muito agradável, no outro ano vão pedir para irem à feira" por isso, considera, tanto a nível cultural como económico "é muito bem pensado". Este é "um público que merece ter a melhor das atenções", conclui.
A iniciativa "Acampar com histórias" acontecerá pelo terceiro ano consecutivo. As crianças participantes, entre os 8 e os 10 anos, ficam a dormir no espaço da Feira do Livro (na Estufa Fria) e têm um programa que pretende fomentar o gosto pela leitura, que inclui uma visita ao recinto, jantar e muitas actividades como jogos, leituras de contos e histórias, música e um 'peddy paper'. Bruno Pacheco diz que a iniciativa tem sido um sucesso. A procura por parte dos pais começa logo "dois ou três meses antes da feira". Este ano há lugar para 160 crianças. Todos os anos "as inscrições esgotam num dia", diz o secretário-geral da APEL.
Os editores portugueses já perceberam que o público mais jovem é uma aposta certa. Este segmento de mercado tem vindo a crescer e "o Plano Nacional de Leitura (PNL) foi muito útil para isso", afirma o consultor para o mercado editorial Paulo Ferreira. Afinal de contas, diz, um livro que pertença ao PNL tem automaticamente um selo de qualidade. "Nem todos os encarregados de educação têm a capacidade de dizer a um filho: este livro é bom", refere.
Portugal dá cartas lá fora nos livros para o público infantil e infanto-juvenil. Na Feira do Livro de Bolonha, especializada neste segmento de mercado, os autores e ilustradores portugueses são "reis e senhores", diz o consultor, com vários prémios arrecadados. "Provavelmente a única feira onde Portugal chega e é um sucesso imenso é a Feira do Livro de Bolonha", afirma. "Ilustradores e autores são muito bem vistos."
Paulo Rebelo Gonçalves, da Porto Editora, afirma que "o país precisa mesmo de investir fortemente na criação de leitores". No que diz respeito aos hábitos de leitura, "ainda temos, infelizmente, um cenário pouco risonho." Por isso, o que os editores estão a fazer ao chamar os mais novos ao mundo do livro "é investir no seu próprio futuro".
José Menezes, da Leya, concorda. Na feira o grupo apostou "muito na animação à volta dos livros infantis" e foi criada "uma zona especial onde as famílias possam estar, ler, ouvir contos, participar em jogos e workshops relacionados com livros e os autores."
Paulo Rebelo Gonçalves sublinha que o investimento das editoras neste segmento "é constante" e nem nos anos da crise "se deixou de editar novos livros e de chamar crianças e jovens para a leitura". Mas alerta para a necessidade de cultivar a relação das crianças com o livro na companhia dos adultos. "É a melhor forma de introduzir os mais novos na leitura, para depois eles próprios se tornarem leitores independentes", defende.
Os estudos de edições anteriores mostram que os visitantes passam cada vez mais tempo na Feira do Livro. "A média já supera as duas horas", diz Bruno Pacheco. Por isso a APEL tem vindo a preocupar-se mais com as comodidades oferecidas. Para pessoas e animais. Isso mesmo.
Este ano os animais de estimação também têm um espaço especial na feira. Chama-se Refrescão e "é um sítio onde os cães podem descansar, beber água, e estar ali com os donos à sombra, depois podem acompanhá-los na visita" à feira, explica o secretário-geral da APEL.
Livros que enchem a barriga
As editoras estão a introduzir novos temas no mercado para chegarem a mais públicos. Os livros ligados à alimentação são um desses exemplos. São muitos os títulos que chegaram ao mercado nos últimos anos. Gastronomia, nutrição ou culinária registam procura. As receitas e conselhos de chefs, caras conhecidas da televisão e nutricionistas estão a contribuir para as vendas de livros. "É uma área com potencial de crescimento", diz Paulo Rebelo Gonçalves, da Porto Editora.
Não é por acaso que pelo terceiro ano consecutivo foi montada uma cozinha toda equipada para os autores fazerem demonstrações de "livecooking" durante a feira e interagirem com o público. "Percebemos que os editores pegaram muito bem neste novo equipamento e começaram a fazer muitas marcações lá", afirma o secretário-geral da APEL.
A feira é anfitriã dos prémios para os melhores livros de gastronomia publicados em 2016, cujo júri é presidido por Maria de Lurdes Modesto. A concurso estão oito categorias: livro do ano, capa do ano, fotografia, design, editor, TOP vendas nacional, TOP adaptação Internacional e escolha do público. Uma iniciativa da Brandscape em parceria com a APEL.
No programa da feira constam também as "Conversas com Sabor" em que cozinheiros como Justa Nobre e Henrique Sá Pessoa conversam com o público sobre temas relacionados com a comida. Pelos vistos é possível ganhar leitores pelo estômago. E, como nem só de cultura se alimentam os visitantes, a restauração está cada vez mais presente no evento. Este ano são mais de 40 os pontos de venda de comida.
Lista de compras
Muitos leitores esperam pela Feira do Livro de Lisboa para fazerem as suas compras. Entre as iniciativas mais aguardadas está a Hora H. A partir de 5 de Junho, de segunda a quinta-feira, durante a última hora da feira, das 22h às 23h, os livros fora dos 18 meses do preço fixo têm um desconto mínimo de 50%, nos pavilhões aderentes.
Já é habitual muitos visitantes da feira levarem uma lista com os livros que pretendem comprar. O site da APEL permite fazer uma "wishlist" e ver os livros em destaque dia-a-dia.
A Feira disponibiliza também uma aplicação móvel gratuita para Android e iOS, através da qual o visitante pode aceder ao mapa do recinto, à programação, aos livros do dia e a outros conteúdos. As principais praças têm acesso wi-fi gratuito.
A tecnologia aliada à leitura também vai ter espaço na programação. O grupo Porto Editora vai promover encontros de leitores de ebooks. "Não é um mercado relevante", admite Paulo Rebelo Gonçalves, um dos motivos para não ter "pegado" é "o custo dos dispositivos para a leitura" mas, acima de tudo, "a esmagadora maioria dos leitores ainda tem aquela necessidade de sentir o livro físico."
O ponto alto da Feira são as sessões de autógrafos, em que os autores se disponibilizam para falar com os leitores. Este ano a autora do bestseller "A rapariga no comboio", Paula Hawkins, é uma das cabeças-de-cartaz. Em regra os escritores gostam desse contacto. "Não é isso que faz subir as vendas do autor [na feira]", salienta o consultor Paulo Ferreira, mas ajuda.
De acordo com a APEL a feira será visitada por editores estrangeiros, nomeadamente alemães, franceses e italianos, a convite de entidades como a AICEP, o Instituto Camões e embaixadas portuguesas. O objectivo é "dar a conhecer aquilo que de melhor se faz em Portugal no campo da edição de livros". A internacionalização dos autores portugueses é um objectivo que ainda tem muitos entraves. Desde logo, por causa da tradução.
"Um editor eslovaco pode acreditar no autor, ou no livro, mas precisa de o ler. E não há tradutores para traduzir o livro. São muito poucos", explica Paulo Ferreira. O consultor não poupa elogios à equipa da Direcção-geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB) que, nessa matéria, tem feito um trabalho "absolutamente extraordinário". Quando um livro de um autor português é vendido a uma editora estrangeira "existe um apoio financeiro da DGLAB para a tradução, "desde que sejam cumpridos uma série de requisitos, como um contrato de edição, um contrato com um tradutor, etc.", explica. Esses apoios foram e são "uma medida-chave para termos uma série de autores traduzidos", diz o consultor. "O Mia Couto, não seria o Mia Couto se não fossem os apoios à tradução", garante.
A equipa da DGLAB vai regularmente a algumas feiras, como Frankfurt, "apresentar este programa de tradução a editores potencialmente interessados em autores portugueses e africanos de língua portuguesa". E, garante, tem já "uma rede de contactos incrível". A equipa está "muito bem vista no mercado" e "toda a gente a respeita", o que abre as portas a muitos autores portugueses lá fora.
Os números desta edição:
500.000
Visitantes esperados
Desde 2014 que este número de pessoas que visitam a Feira do Livro de Lisboa não é superado.
286
Pavilhões
Nesta edição há mais oito pavilhões que no ano passado. Cada um custa 1.800 euros mais IVA.
602
Editoras/chancelas
Este ano a feira conta com mais 16 "presenças" do que na edição de 2016.
15.000 euros
Facturação média de um pavilhão
As contas da APEL apontam para uma facturação total da Feira do Livro de Lisboa na ordem dos 4 milhões de euros.
Tudo isto acontece numa altura em que o sector do livro ainda não conseguiu virar o capítulo da crise. Desde 2011 que "o mercado está a diminuir", diz Bruno Pacheco, secretário-geral da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), a entidade organizadora.
A Feira do Livro de Lisboa é o ponto de encontro dos amantes das letras e dos rios de palavras. É o tempo em que todos saímos à rua na maior manifestação de editores, escritores, poetas e de todos aqueles que usam o livro como se fosse parte de si. É o colo material da Inteligência. O lugar da universalidade do saber e, por isso, a grande festa da cultura. Francisco Moita Flores
Os dados da GfK, uma consultora que monitoriza 80% do mercado (excluindo o segmento escolar), revelam que em 2016 se venderam 12 milhões de livros em Portugal, o que significa uma queda de 3% face ao ano anterior. Em valor, foram facturados 142 milhões de euros, menos 5% do que em 2015. Os primeiros quatro meses deste ano mostram que a tendência se mantém. Entre Janeiro e Abril foram vendidas menos 3,3% de unidades face ao mesmo período do ano passado. Com uma nuance. Em valor houve uma subida de 1,5%. Ou seja, venderam-se menos livros, mas de valor mais alto. "Os livros não aumentaram de preço", garante Bruno Pacheco. Para o secretário-geral da APEL, o que poderá ter acontecido foi "uma melhoria da confiança do consumidor" que ficou mais "predisposto" a comprar livros de valor mais elevado.
Os editores estão a tentar combater esta tendência de queda nas vendas. O contacto directo que a Feira do Livro permite com o público é, por isso, importante para "medir o pulso ao mercado" e retirar daí "algumas pistas do que as pessoas procuram", afirma Paulo Ferreira, director-geral da Booktailors, uma consultora para o mercado editorial. Outra das vantagens que o consultor refere é o facto de as editoras durante a feira venderem directamente ao público, o que permite a "algumas mais pequenas, um encaixe financeiro imediato" porque "não estão dependentes dos pagamentos das distribuidoras". Quanto aos grandes grupos, diz, o volume de negócios na feira "não é representativo nas vendas" anuais. Para esses, estar na feira é mais uma questão de marketing, de contacto com o leitor, defende. Esse contacto directo com quem compra livros é tão importante que ajuda até a "definir parte do catálogo para o próximo ano", diz o secretário-geral da APEL, para além de permitir "perceber o que é que a concorrência está a fazer".
A Feira do Livro de Lisboa antecede um dos dois picos de vendas de livros, as férias de Verão e o Natal. "As editoras apostam em lançar novos títulos nesta altura do ano" porque "os leitores gostam de levar livros para as férias. É um bom período para pôr a leitura em dia", diz Paulo Rebelo Gonçalves, responsável de Comunicação e Imagem do Grupo Porto Editora. José Menezes, director de Comunicação do Grupo Leya, dá relevância a outra vantagem da Feira. "Podemos mostrar muito mais do que os livros que normalmente estão nas livrarias." Isso dá ao leitor a possibilidade de "aceder a livros que não encontra em todo o lado, e que não encontra há muito tempo", explica. Por isso "há pessoas que têm esse cuidado de escolherem os livros que vão comprar à Feira do Livro, com antecedência", conclui.
De acordo com a APEL no ano passado foram publicados em Portugal 14 mil títulos, o que dá uma média superior a mil livros por mês. "Eu atrevo-me a dizer que é muito", diz o secretário-geral Bruno Pacheco. E explica porquê. "Uma livraria expõe com alguma visibilidade 400, 500 livros. Se for uma livraria um pouco maior, talvez possa ir aos 700." Isso significa que há livros que entram no sector comercial e não têm "a visibilidade que era desejável." Ainda assim aquele responsável sublinha que, em comparação com outros países europeus, "em Portugal edita-se bem". O país tem "bons autores", " bons revisores" e "bons designers". Em suma, "os nossos livros em nada ficam a dever ao melhor que se faz na Europa."
O livro é a principal atracção que motiva a deslocação de muita gente à grande livraria ao ar livre em que se transformam as alamedas do parque Eduardo VII. Concomitantemente, é um acontecimento económico em torno do fenómeno editorial. Para mim, é também uma grande festa em cujo ambiente me sinto bem e uma oportunidade de contactos directos com os leitores e também com muitos dos meus colegas de ofício. Cristina Carvalho
Mais do que fazer dinheiro na feira, as editoras apostam nestas três semanas em construir uma relação com os leitores, para poderem colher frutos ao longo de todo o ano. "É óbvio que vamos para a Feira e queremos ter um sucesso comercial", diz Paulo Rebelo Gonçalves, da Porto Editora, mas "o mercado não está fácil mesmo para uma editora desta dimensão". "O nosso grande investimento é em criar um espaço de envolvência dos leitores com os livros e com os autores", acrescenta.
Um pavilhão de 3,20mX2,45m custa 1.800 euros mais IVA. A este valor os "feirantes" acrescentam custos com pessoal e decoração. Este investimento permite às editoras estarem num local visitado num dia normal por 25 mil pessoas e aos fins-de-semana por 70 mil. De acordo com a APEL a facturação média por pavilhão na Feira do Livro é de cerca de 15 mil euros. Não há dados oficiais mas, feitas as contas de cabeça, a associação acredita que a facturação da Feira do Livro de Lisboa rondará os 4 milhões de euros. Se assim for corresponde a cerca de 2% do mercado de venda anual de livros em Portugal.
Conta-me histórias
Os estudos da APEL mostram que as visitas à Feira do Livro de Lisboa acontecem cada vez mais em família. Cerca de 12% das pessoas vão acompanhadas de crianças. Este ano foi criada uma zona de fraldário, na entrada sul da feira, com áreas mais reservadas para alimentação de bebés e muda-fraldas. O público infantil e infanto-juvenil é cada vez mais valorizado na programação e na oferta das editoras. No recinto há insufláveis e outros equipamentos para os mais novos. Para Paulo Ferreira, da consultora Booktailors, esta aposta é importante para criar novos públicos. As crianças "vão ser os leitores do futuro e têm a capacidade de influenciar os pais", na compra de livros. "Se os miúdos tiverem um espaço muito agradável, no outro ano vão pedir para irem à feira" por isso, considera, tanto a nível cultural como económico "é muito bem pensado". Este é "um público que merece ter a melhor das atenções", conclui.
A iniciativa "Acampar com histórias" acontecerá pelo terceiro ano consecutivo. As crianças participantes, entre os 8 e os 10 anos, ficam a dormir no espaço da Feira do Livro (na Estufa Fria) e têm um programa que pretende fomentar o gosto pela leitura, que inclui uma visita ao recinto, jantar e muitas actividades como jogos, leituras de contos e histórias, música e um 'peddy paper'. Bruno Pacheco diz que a iniciativa tem sido um sucesso. A procura por parte dos pais começa logo "dois ou três meses antes da feira". Este ano há lugar para 160 crianças. Todos os anos "as inscrições esgotam num dia", diz o secretário-geral da APEL.
O local de encontro entre os melhores leitores e os melhores escritores. A Feira do Livro de Lisboa é um clássico do circuito literário de Portugal, é como o Grande Prémio do Mónaco para a Fórmula 1, o Tour de France para o ciclismo, ou o Festival de Cannes para o cinema. E, pensando bem, é ainda melhor, pois os escritores podem falar com os leitores e assinar os seus livros e conhecê-los. Para um escritor é um dos momentos melhores do ano. Domingos Amaral
Os editores portugueses já perceberam que o público mais jovem é uma aposta certa. Este segmento de mercado tem vindo a crescer e "o Plano Nacional de Leitura (PNL) foi muito útil para isso", afirma o consultor para o mercado editorial Paulo Ferreira. Afinal de contas, diz, um livro que pertença ao PNL tem automaticamente um selo de qualidade. "Nem todos os encarregados de educação têm a capacidade de dizer a um filho: este livro é bom", refere.
Portugal dá cartas lá fora nos livros para o público infantil e infanto-juvenil. Na Feira do Livro de Bolonha, especializada neste segmento de mercado, os autores e ilustradores portugueses são "reis e senhores", diz o consultor, com vários prémios arrecadados. "Provavelmente a única feira onde Portugal chega e é um sucesso imenso é a Feira do Livro de Bolonha", afirma. "Ilustradores e autores são muito bem vistos."
Paulo Rebelo Gonçalves, da Porto Editora, afirma que "o país precisa mesmo de investir fortemente na criação de leitores". No que diz respeito aos hábitos de leitura, "ainda temos, infelizmente, um cenário pouco risonho." Por isso, o que os editores estão a fazer ao chamar os mais novos ao mundo do livro "é investir no seu próprio futuro".
José Menezes, da Leya, concorda. Na feira o grupo apostou "muito na animação à volta dos livros infantis" e foi criada "uma zona especial onde as famílias possam estar, ler, ouvir contos, participar em jogos e workshops relacionados com livros e os autores."
Paulo Rebelo Gonçalves sublinha que o investimento das editoras neste segmento "é constante" e nem nos anos da crise "se deixou de editar novos livros e de chamar crianças e jovens para a leitura". Mas alerta para a necessidade de cultivar a relação das crianças com o livro na companhia dos adultos. "É a melhor forma de introduzir os mais novos na leitura, para depois eles próprios se tornarem leitores independentes", defende.
Os estudos de edições anteriores mostram que os visitantes passam cada vez mais tempo na Feira do Livro. "A média já supera as duas horas", diz Bruno Pacheco. Por isso a APEL tem vindo a preocupar-se mais com as comodidades oferecidas. Para pessoas e animais. Isso mesmo.
O que mais gosto na Feira do Livro é poder conhecer os meus leitores, olhar nos seus olhos e dizer-lhes quanto a sua visita é importante para quem escreve. Um livro, um abraço ou apenas a simples troca de palavras com quem nos procura, compensam amplamente o cansaço de uma tarde de autógrafos! Helena Sacadura Cabral
Este ano os animais de estimação também têm um espaço especial na feira. Chama-se Refrescão e "é um sítio onde os cães podem descansar, beber água, e estar ali com os donos à sombra, depois podem acompanhá-los na visita" à feira, explica o secretário-geral da APEL.
Livros que enchem a barriga
As editoras estão a introduzir novos temas no mercado para chegarem a mais públicos. Os livros ligados à alimentação são um desses exemplos. São muitos os títulos que chegaram ao mercado nos últimos anos. Gastronomia, nutrição ou culinária registam procura. As receitas e conselhos de chefs, caras conhecidas da televisão e nutricionistas estão a contribuir para as vendas de livros. "É uma área com potencial de crescimento", diz Paulo Rebelo Gonçalves, da Porto Editora.
Não é por acaso que pelo terceiro ano consecutivo foi montada uma cozinha toda equipada para os autores fazerem demonstrações de "livecooking" durante a feira e interagirem com o público. "Percebemos que os editores pegaram muito bem neste novo equipamento e começaram a fazer muitas marcações lá", afirma o secretário-geral da APEL.
A feira é anfitriã dos prémios para os melhores livros de gastronomia publicados em 2016, cujo júri é presidido por Maria de Lurdes Modesto. A concurso estão oito categorias: livro do ano, capa do ano, fotografia, design, editor, TOP vendas nacional, TOP adaptação Internacional e escolha do público. Uma iniciativa da Brandscape em parceria com a APEL.
Feira é festa, feira de livros é ocasião festiva para o apelo à leitura. Para um autor, o convívio para aqueles que são, ao fim e ao cabo, os destinatários da sua escrita, é o encontro entre os dois intervenientes fundamentais do livro: quem o escreve e quem o lê. Mário Zambujal
No programa da feira constam também as "Conversas com Sabor" em que cozinheiros como Justa Nobre e Henrique Sá Pessoa conversam com o público sobre temas relacionados com a comida. Pelos vistos é possível ganhar leitores pelo estômago. E, como nem só de cultura se alimentam os visitantes, a restauração está cada vez mais presente no evento. Este ano são mais de 40 os pontos de venda de comida.
Lista de compras
Muitos leitores esperam pela Feira do Livro de Lisboa para fazerem as suas compras. Entre as iniciativas mais aguardadas está a Hora H. A partir de 5 de Junho, de segunda a quinta-feira, durante a última hora da feira, das 22h às 23h, os livros fora dos 18 meses do preço fixo têm um desconto mínimo de 50%, nos pavilhões aderentes.
Ir à Feira do Livro é como regressar a casa. Não sei se é porque o Parque está sempre lindo nesta época do ano, mas há mesmo uma mística em voltar todos os anos, seja como autora ou como leitora. É um espaço de paz, de partilha, de encontros escolhidos e inesperados. É aquele lugar onde leitores e escritores se confundem. Para mim são sempre dias maravilhosos. Margarida Rebelo Pinto
Já é habitual muitos visitantes da feira levarem uma lista com os livros que pretendem comprar. O site da APEL permite fazer uma "wishlist" e ver os livros em destaque dia-a-dia.
A Feira disponibiliza também uma aplicação móvel gratuita para Android e iOS, através da qual o visitante pode aceder ao mapa do recinto, à programação, aos livros do dia e a outros conteúdos. As principais praças têm acesso wi-fi gratuito.
A tecnologia aliada à leitura também vai ter espaço na programação. O grupo Porto Editora vai promover encontros de leitores de ebooks. "Não é um mercado relevante", admite Paulo Rebelo Gonçalves, um dos motivos para não ter "pegado" é "o custo dos dispositivos para a leitura" mas, acima de tudo, "a esmagadora maioria dos leitores ainda tem aquela necessidade de sentir o livro físico."
Estou a chegar à fase de velho chato em que digo que já fiz tudo. Pois bem: esta é uma estreia total para mim. Nunca estive na Feira do Livro como "autor" muito menos me imaginei a lançar uma "obra". E, embora conheça as tricas do meio, espero ser um momento divertido em que os leitores deixam de ser virtuais e imaginários para passarem a ser reais por umas horas. Só pode ser bom. Corra como correr. Vantagens de ser velho e relativizar os sucessos (ou seu contrário). Luís Pedro Nunes
O ponto alto da Feira são as sessões de autógrafos, em que os autores se disponibilizam para falar com os leitores. Este ano a autora do bestseller "A rapariga no comboio", Paula Hawkins, é uma das cabeças-de-cartaz. Em regra os escritores gostam desse contacto. "Não é isso que faz subir as vendas do autor [na feira]", salienta o consultor Paulo Ferreira, mas ajuda.
De acordo com a APEL a feira será visitada por editores estrangeiros, nomeadamente alemães, franceses e italianos, a convite de entidades como a AICEP, o Instituto Camões e embaixadas portuguesas. O objectivo é "dar a conhecer aquilo que de melhor se faz em Portugal no campo da edição de livros". A internacionalização dos autores portugueses é um objectivo que ainda tem muitos entraves. Desde logo, por causa da tradução.
Adoro os aspectos seguintes da Feira de Livro de Lisboa:
1) A oportunidade de conversar com os leitores
2) Os jacarandás em flor
3) A atmosfera de convívio, de bem-estar.
4) Estar rodeado de livros Richard Zimler
1) A oportunidade de conversar com os leitores
2) Os jacarandás em flor
3) A atmosfera de convívio, de bem-estar.
4) Estar rodeado de livros Richard Zimler
"Um editor eslovaco pode acreditar no autor, ou no livro, mas precisa de o ler. E não há tradutores para traduzir o livro. São muito poucos", explica Paulo Ferreira. O consultor não poupa elogios à equipa da Direcção-geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB) que, nessa matéria, tem feito um trabalho "absolutamente extraordinário". Quando um livro de um autor português é vendido a uma editora estrangeira "existe um apoio financeiro da DGLAB para a tradução, "desde que sejam cumpridos uma série de requisitos, como um contrato de edição, um contrato com um tradutor, etc.", explica. Esses apoios foram e são "uma medida-chave para termos uma série de autores traduzidos", diz o consultor. "O Mia Couto, não seria o Mia Couto se não fossem os apoios à tradução", garante.
A equipa da DGLAB vai regularmente a algumas feiras, como Frankfurt, "apresentar este programa de tradução a editores potencialmente interessados em autores portugueses e africanos de língua portuguesa". E, garante, tem já "uma rede de contactos incrível". A equipa está "muito bem vista no mercado" e "toda a gente a respeita", o que abre as portas a muitos autores portugueses lá fora.
O Rossio foi o berço da Feira
A primeira Feira do Livro de Lisboa, organizada pela Associação de Classe de Livreiros de Portugal, foi inaugurada a 29 de Maio de 1931. Os 19 stands com "toldos branco-rosa" e "certo aspecto lisonjeiro de civilização" foram colocados no Rossio, escreveu o jornal Diário de Lisboa. Entre os editores e livreiros presentes estavam Aillaud Bertrand, Portugal-Brasil, Café Chiado, Livraria Rodrigues, Livraria Morais, ABC da Rua do Alecrim, Sociedade Portuguesa de Publicações, Livraria Evangélica e Sociedade Bíblica. A inauguração da "Semana do Livro", era assim que se chamava, contou com a presença do Presidente da República, General Óscar Carmona. O artigo do jornal, assinado pelo cineasta e jornalista Leitão de Barros, dizia em antetítulo: "Lisboa descobriu quer sabe ler". E o texto, irónico, descrevia a feira como "uma coisa simpática, limpa, discreta e convidativa". Quanto à presença dos escritores no evento, dizia o jornalista: "Os autores, mortos ou incidentalmente vivos, são vistos, cumprimentados, admirados, por pessoas que não sabiam - que sabiam ler. E, realmente, isso nunca tinha acontecido".
I Feira do livro, Lisboa, Portugal. Fotógrafo: Horácio Novais, 1931. FCG-Biblioteca de Arte
A primeira Feira do Livro de Lisboa, organizada pela Associação de Classe de Livreiros de Portugal, foi inaugurada a 29 de Maio de 1931. Os 19 stands com "toldos branco-rosa" e "certo aspecto lisonjeiro de civilização" foram colocados no Rossio, escreveu o jornal Diário de Lisboa. Entre os editores e livreiros presentes estavam Aillaud Bertrand, Portugal-Brasil, Café Chiado, Livraria Rodrigues, Livraria Morais, ABC da Rua do Alecrim, Sociedade Portuguesa de Publicações, Livraria Evangélica e Sociedade Bíblica. A inauguração da "Semana do Livro", era assim que se chamava, contou com a presença do Presidente da República, General Óscar Carmona. O artigo do jornal, assinado pelo cineasta e jornalista Leitão de Barros, dizia em antetítulo: "Lisboa descobriu quer sabe ler". E o texto, irónico, descrevia a feira como "uma coisa simpática, limpa, discreta e convidativa". Quanto à presença dos escritores no evento, dizia o jornalista: "Os autores, mortos ou incidentalmente vivos, são vistos, cumprimentados, admirados, por pessoas que não sabiam - que sabiam ler. E, realmente, isso nunca tinha acontecido".
I Feira do livro, Lisboa, Portugal. Fotógrafo: Horácio Novais, 1931. FCG-Biblioteca de Arte
I Feira do livro, Lisboa, Portugal. Fotógrafo: Horácio Novais, 1931. FCG-Biblioteca de Arte
O Presidente da República, General Óscar Carmona, visitou a primeira Feira do Livro, no Rossio. A acompanhá-lo estavam o secretário da Associação dos Livreiros, Ventura Abrantes e o ministro da Instrução Pública, Gustavo Cordeiro.
O Presidente da República, General Óscar Carmona, visitou a primeira Feira do Livro, no Rossio. A acompanhá-lo estavam o secretário da Associação dos Livreiros, Ventura Abrantes e o ministro da Instrução Pública, Gustavo Cordeiro.