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Como voa um corpo sem asas

Um corpo no limbo. Não é humano nem ave. Não é masculino nem feminino. Este é o cisne de António Torres na sua “primeira tentativa” a solo em palco. Um voo feliz, para questionar anos e anos de categorias rígidas.

António Lopes
28 de Outubro de 2018 às 11:00
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Swan Fake: O trabalho de António Torres tem antestreia marcada para esta sexta-feira, 26 de Outubro, no Cartaxo, no âmbito do festival Materiais Diversos.
Na próxima semana estará, de 1 a 3 de Novembro, na Rua das Gaivotas 6, em Lisboa.
Segue depois para Montemor-o-Novo, apresentando-se n' O Espaço do Tempo no dia 10. Estão ainda a ser fechadas datas para a ida ao Porto.

Também as aves têm raízes. É a elas que voltamos para perceber o voo de António Torres. Nos tempos de estudante, sentia que a dança clássica tendia a gerar tensões no seu corpo. "Ganhei uma certa aversão", reconhece numa pausa durante os ensaios. Talvez por isso, o seu primeiro solo, a sua "primeira tentativa", se revele ainda mais interessante e desafiadora.

"Utilizo como estímulo 'O Lago dos Cisnes', o bailado clássico, e 'A Morte do Cisne', um bailado de três minutos", explica. A partir dessas referências, a ave que surge em "Swan Fake" é algo diferente, uma criação própria. Não deixa de ser um cisne enfeitiçado nem tão-pouco um cisne que prepara a sua própria morte, mas parte para outros territórios.

Uma viagem com a consciência de que é preciso contrariar os papéis de género perpetuados ao longo de séculos, quer na vida quer na dança (como se as duas coisas fossem separáveis, diríamos). "Estes papéis de cisne sempre foram representados por mulheres, para abordar um lado mais sensível, uma naturalidade leve. O que quero explorar é a força como o corpo masculino se comporta numa personagem como esta."

Esse questionamento implica, por si mesmo, abalar a própria noção de masculinidade. Forte, robusto, decidido - adjectivos que o mundo faz questão de associar mais ao homem do que à mulher -, este cisne acaba por poisar num limbo. Não é uma coisa nem outra. "É uma figura que se dilui a nível de género, bastante animalesca na forma como pulsa."

Um corpo mais contemporâneo, mais predisposto a reagir, a adaptar-se ao papel que tem de cumprir. Em palco, o corpo de António Torres é também outro na relação com o passado. "Já me reconciliei entretanto com a dança clássica", assegura ao telefone. Depois de uma temporada na Áustria, onde essa arte é vista com outro interesse, o criador diz agora depender dela como ferramenta de preparação para o seu processo, para o movimento. A prova de que há raízes que não se arrancam, por mais que os pássaros tenham a capacidade de voar.
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