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Como fazer um bom chinfrim

Bonecos e actores partilham o mesmo palco para, num registo infantil e caricatural, falarem de problemas sérios. “Avenida Q” é um dos musicais que mais surpreendeu a Broadway nos últimos anos. E tem direito, agora, a uma segunda temporada em português.

Filipe Ferreira
23 de Setembro de 2017 às 12:00
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Avenida Q
O musical encenado por Rui Melo está no Auditório dos Oceanos do Casino Lisboa até 15 de Outubro. Quarta a sábado às 21:30 e domingo às 16:30.

Há quem lhe chame uma "Rua Sésamo para adultos". Convenhamos, "Avenida Q" é bem mais do que essa mera comparação. Não é que não se notem as influências desse clássico televisivo ou mesmo dos Marretas – produções que integraram os percursos dos autores deste musical, Robert Lopez, Jeff Marx e Jeff Whitty.

Poucos são os musicais recentes com o êxito que "Avenida Q" tem tido um pouco por todo o mundo. Lançado em 2003 e vencedor de três Tony – os prémios máximos do teatro musical norte-americano – para melhor musical, melhor libreto e melhor música original, saltou da Broadway para Westend e desde aí nunca mais parou.

Em Portugal, chegou no início de 2017, no Teatro da Trindade, em Lisboa. O sucesso foi tal – com quase 18 mil espectadores – que se impôs uma nova temporada, desta feita no Casino Lisboa. O Porto também já tem datas: de 11 de Janeiro a 25 de Fevereiro do próximo ano, no Teatro Sá da Bandeira.



Passemos ao espectáculo. Esta é a história de Luís, um boneco laranja, acabado de licenciar e que chega à Avenida Q porque não tem dinheiro para pagar casa numa zona melhor da cidade. E há uma vizinhança pronta para o receber: um comediante sem trabalho, uma psicóloga muçulmana que não consegue arranjar clientes ou um viciado em pornografia, só para dar alguns exemplos e não matar a surpresa.

Não é preciso muito para perceberem que a vida "é como se fosse um monte de cocó", para evitar o palavrão propriamente dito, e se definir o mote deste musical: os problemas e as ansiedades de se tornar adulto, os sonhos que não chegam. É o confronto com a idade adulta. Porque "não podemos parar de crescer" e temos de ter emprego, relações ou – imagine-se – encontrar um propósito para a vida.
Num enredo onde a história de amor que surge entre Luís e a vizinha Marta Monstro serve de linha orientadora, vão-se desfiando outras temáticas. Bonecos e actores humanos partilham o mesmo palco, como se na vida real também fosse assim, num mecanismo de visibilidade que deixa os últimos quase sempre ofuscados pelas próprias marionetas que manipulam e a quem dão voz.

E, num registo sempre infantil e divertido, sempre cantado e sem coreografias complicadas, vão-se falando de problemas sérios. Do desemprego, dos usos da internet, do preconceito, do racismo. "Somos todos um bocadinho racistas", entoa-se de sorriso nos lábios. E fala-se de sexo. E ouve-se o acto em si, que lá por serem bonecos não quer dizer que não tenham direito. Um autêntico chinfrim por uma boa causa, capaz de deixar corados os mais tímidos na plateia.

Sucesso também explicado por um elenco que, encenado por Rui Melo, junta no mesmo palco nomes de uma nova geração de actores que deu os seus primeiros passos na televisão. São eles Rui Maria Pêgo, Diogo Valsassina, Gabriela Barros, Inês Aires Pereira, Ana Cloe, Rodrigo Saraiva, Manuel Moreira e Samuel Alves.

Num palco onde só figura uma fachada de três casas, à imagem do original, é o texto que brilha. A adaptação portuguesa é inteligente e integra, praticamente em cada estrofe, referências à realidade e às figuras do país, do "pequeno Saul" a José Sócrates. O riso torna-se automático com a identificação.

Na última canção, lá se reconhece que há duas coisas nesta vida que são para sempre: a crise e o "O Preço Certo", o programa de televisão. Diríamos três: a boa disposição de "Avenida Q".
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