Notícia
A última corrida
Há 20 anos, o Autódromo do Estoril saiu do Campeonato Mundial da Fórmula 1. Com o último Grande Prémio de Portugal, a 22 de Setembro de 1996, fechou-se um capítulo da história do automobilismo português, cujo enredo envolve ódios de estimação e muito dinheiro.
As imagens de televisão de há vinte anos mostram as bancadas do Autódromo do Estoril repletas de pessoas. Algumas seguram bandeiras de vários países, que ondulam ao vento. Na pista, há azáfama à volta dos carros já alinhados na grelha de partida. A corrida de 22 de Setembro de 1996 era a penúltima do campeonato do mundo de Fórmula 1 daquele ano. O piloto britânico da Williams, Damon Hill, podia sagrar-se campeão logo ali. Para isso só teria de derrotar o colega de equipa, o canadiano Jacques Villeneuve.
Eram os dois únicos candidatos ao título. A corrida, que durou 1h20m, tornou-se assim um duelo. Hill partia com uma vantagem de 13 pontos. Se terminasse as 71 voltas do Grande Prémio de Portugal e deixasse a vantagem em 10 pontos, seria automaticamente o campeão mundial de 1996. Seria o primeiro título da sua carreira. Os nervos estavam à flor da pele. E a largada era fundamental.
Damon Hill ocupava a "pole position" e Jacques Villeneuve estava logo ao lado na segunda posição, na primeira fila. A pista dificultava a ultrapassagem, por isso era preciso começar bem. Na corrida estavam também Pedro Lamy (pela Minardi), o único piloto português em competição, e o alemão Michael Schumacher (pela Ferrari). Minutos depois acendeu o sinal de partida. O barulho dos motores a arrancar era ensurdecedor.
Hill manteve a liderança durante grande parte da prova, mas na volta 22 tudo mudou. Villeneuve começou a ganhar terreno progressivamente e, a partir da volta 48, quando Hill foi fazer o reabastecimento, o canadiano passou para a frente da corrida. Jacques Villeneuve seria o vencedor do Grande Prémio de Portugal. Damon Hill ficou em segundo lugar e só se sagrou campeão do mundo três semanas mais tarde na prova final, em Suzuka, no Japão. O Grande Prémio de Portugal de 1996 seria a última corrida de Fórmula 1 no país.
Clima de guerra
Pedro Lamy não tem grandes memórias dessa prova. Mas afirma que correr em Portugal "era sempre um momento alto" porque "estava em casa". O piloto português, que deixou a Fórmula 1 pouco depois, e que actualmente corre no Campeonato do Mundo FIA de Resistência, recorda-se que nessa altura, nos bastidores, já se falava na possibilidade de Portugal sair do calendário anual daquele desporto automóvel. "Começaram a aparecer vários países com muito dinheiro, fora da Europa, que tinham a intenção de receber a Fórmula 1", explica.
Bernie Ecclestone, o patrão da Fórmula 1, estava a descobrir esses "novos mundos". Que é como quem diz, a perceber que o dinheiro abundava nos emergentes, sobretudo na Ásia e nos países árabes. E, como gestor de um negócio, procurava quem lhe pagasse mais para receber as corridas.
Lamy esteve envolvido directamente nos esforços que foram feitos para manter o Grande Prémio de Portugal. Recorda uma reunião com o então primeiro-ministro António Guterres, onde esteve com César Torres, então Presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP) e vice-presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA). Saíram sem garantias. A reunião "não foi conclusiva", diz, "ficou tudo um pouco à espera da evolução das coisas". Mas ficou claro que "havia outras prioridades".
Portugal não tinha como competir com países como a Malásia ou os Emirados Árabes Unidos, que estavam dispostos a abrir os cordões à bolsa para receber o chamado "grande circo". E era conhecida a relação tumultuosa que Bernie Ecclestone tinha com Fernanda Pires da Silva, a presidente do grupo Grão Pará, dono do Autódromo do Estoril. Domingos Piedade diz que a "aversão" era mútua. O ex- vice-presidente da Mercedes AMG, director e manager desportivo, considera que houve duas coisas que determinaram o fim do Grande Prémio de Portugal.
Por um lado, essa relação hostil e, por outro, a morte de César Torres, a 30 e Novembro de 1997, que era "o grande impulsionador" da Fórmula 1 no país e "muito próximo" de Bernie Ecclestone. "O César era o catalisador. Era o que filtrava, só deixava passar aquilo que era possível e absorvia aquilo que, eventualmente, fazia mossa tanto de um lado, como do outro", afirma.
Domingos Piedade recorda que um dos pontos de discórdia entre o patrão da Fórmula 1 e Fernanda Pires da Silva eram os lugares cativos "ad aeternum" do grupo Grão Pará nas bancadas do Autódromo do Estoril. Bernie Ecclestone, enquanto promotor do Grande Prémio de Portugal, não gostava da situação. "Eram dois ou três mil lugares nas arquibancadas centrais", diz. "Isso deu sempre imensa confusão".
A máquina cresceu
Domingos Piedade relembra que, naquela altura, a Fórmula 1 estava a crescer muito e tinha exigências cada vez maiores, nomeadamente ao nível das instalações. "Este desporto vive sobretudo das transmissões televisivas", explica. Era preciso acompanhar a evolução tecnológica da TV e do próprio desporto. "Hoje em dia, vemos salas de imprensa na Fórmula 1 com 300 ou 400 jornalistas, tudo aumentou. Era preciso que o Estoril acompanhasse". Dá como exemplo o facto de, em 1996, o "staff" de uma equipa de Fórmula 1 ser de cerca de 50 pessoas e, actualmente, ultrapassar as 200. "Agora, só para fazer o ‘pit stop’, são necessárias 22 pessoas e há mais 20 engenheiros sentados em frente a um televisor a ver as diversas informações que vêm da telemetria. Essas pessoas têm que estar nalgum lado", afirma. Foi imposto pela FIA um conjunto de obras para manter as corridas em Portugal. Eram exigências "normais", garante Domingos Piedade, que outros autódromos também tiveram de acomodar.
Augusto Mateus, ministro da Economia entre Março de 1996 e Novembro de 1997, teve nas mãos o dossiê das corridas de Fórmula 1 no Autódromo do Estoril. Admite que foi apanhado de surpresa pelo fim do Grande Prémio de Portugal. A prova portuguesa foi substituída por um segundo Grande Prémio em Espanha, em Jerez de la Frontera. O ministro percebeu desde o início o "clima de guerra" que estava instalado entre César Torres e o filho de Fernanda Pires da Silva, responsável pela gestão do Autódromo, João Paulo Teotónio Pereira.
Para Augusto Mateus, a Fórmula 1 era "um quisto no funcionamento do Autódromo". E explica porquê. "Não havia qualquer contrato. O Grande Prémio fazia-se num contexto do relacionamento do Presidente do ACP, que era o César Torres, e o senhor Ecclestone." E, refere o ex-governante, "não havia colaboração entre as diferentes entidades que deviam colaborar". Simultaneamente, "o Estado dava uns apoios avulso", mas o evento desportivo "não tinha qualquer tipo de articulação com a política pública". Nomeadamente no turismo e "na própria evolução da economia portuguesa, que era na direcção de uma maior sofisticação na produção automóvel", com investimentos como a Autoeuropa. No fundo, diz, "estava tudo mal".
Augusto Mateus foi a Londres negociar directamente com as entidades máximas da Fórmula 1. E, numa reunião com Max Mosley (o presidente da FIA), e Bernie Ecclestone, o ministro estabeleceu as bases para um acordo de médio prazo que garantia o Grande Prémio de Portugal durante cinco a sete anos. Em troca seriam feitas as obras de melhoramento da pista, nas boxes e noutros locais do recinto. O investimento foi feito, garante Augusto Mateus, e contou com a participação da Câmara Municipal de Cascais. Mas "permaneceram um conjunto de conflitos" e o contrato formal para a realização do Grande Prémio de Portugal nunca foi assinado.
Em Julho de 1997, o Estado assumiu uma posição de 51% na Autodril (empresa do Grupo Grão Pará) em virtude de um acordo global em que o grupo cedia, por dação em pagamento, as acções da sociedade gestora do Autódromo do Estoril, para regularizar um contencioso que envolvia dívidas ao Estado, estimadas na altura em 20 milhões de contos. Foi ainda acordada a constituição de uma sociedade gestora deste equipamento desportivo – a Sociedade Gestora do Autódromo Fernanda Pires da Silva, S.A – em que o Estado tinha 51% do capital e a Autodril os restantes 49%. A prioridade era acelerar as obras, que ficaram a cargo da Câmara Municipal de Cascais, e manter a F1 em Portugal. Mas, por uma série de factores, entre eles o chumbo do Tribunal de Contas aos contratos assinados pela autarquia com o consórcio responsável pelos trabalhos, por apresentarem irregularidades processuais, as obras não ficaram prontas a tempo da temporada de 1998. Ainda assim, continuaram a ser feitas e terminaram com uma derrapagem de quatro milhões de contos, de acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, publicada em Fevereiro de 2000. Derraparam as contas e a esperança de que a Fórmula 1 voltasse a Portugal.
A F1 pode voltar ao Estoril?
Terminou assim um ciclo de 13 anos de corridas consecutivas no Estoril (de 1984 até 1996), em que ficou célebre o Grande Prémio de Portugal de 1985, por ter sido o primeiro que Ayrton Senna ganhou na Fórmula 1. As imagens do piloto brasileiro à chuva correram mundo. Vinte anos depois da última corrida e depois de muitas peripécias, o Estado é o único dono do Autódromo do Estoril. Dificilmente Portugal voltará a receber o Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1. Esta é a opinião de Pedro Lamy e de Domingos Piedade. "Há tantas alternativas", considera o piloto português. Para isso acontecer, o país teria de pagar cerca de 30 milhões de euros por ano, que "era o valor que se falava há uns anos", diz. Domingos Piedade, por seu lado, refere que, nos últimos anos, os contratos assinados são por três a cinco anos. "O retorno desse investimento é maior noutras áreas do turismo", considera. Além disso, o Autódromo do Estoril "está parado há 20 anos". Voltar a receber corridas de Fórmula 1 "obrigaria a uma modificação de tal forma grande... até mesmo do ponto de vista estético, construtivo...".
A tendência é para esta competição perder terreno na Europa. Houve países que decidiram sair do calendário da Fórmula 1 por não poderem ou não quererem suportar os encargos financeiros exigidos. Foi o caso da França, onde, desde 2009, não há Grande Prémio. E, mais recentemente, houve o risco de acabar o Grande Prémio da Alemanha, por falta de acordo quanto aos valores financeiros envolvidos para a realização da prova. O mesmo aconteceu este ano com a renovação do contrato com o circuito de Monza, em Itália. Sempre que a negociação se torna difícil, Bernie Ecclestone ameaça com outros países que estão dispostos a pagar mais.
A temporada de Fórmula 1 nunca foi tão longa. Tem agora 21 provas, um número considerado excessivo por ser "extremamente desgastante" para os pilotos e equipas, diz Domingos Piedade. Começa em Março na Austrália e termina em Novembro em Abu Dabi. O "bolo" dos lucros anuais é repartido com as 11 equipas. Recebem pelo valor de mercado que têm (e, nesta categoria, a Ferrari é rainha ao receber sempre mais do que qualquer outro construtor pelo estatuto que tem de "equipa histórica") e também por mérito, de acordo com o resultado que alcançam nas provas.
O cheque pode chegar aos 50 milhões de euros, diz Domingos Piedade. "O primeiro [classificado] não sei, leva para aí uns 150 milhões, são números muito secretos, mas é à volta disso". Afinal de contas, o segredo é a alma do negócio. Que o diga Bernie Ecclestone, que, com quase 86 anos e uma fortuna avaliada em 2,7 mil milhões de euros pela revista Forbes, continua a mostrar que não pretende reformar-se.
Eram os dois únicos candidatos ao título. A corrida, que durou 1h20m, tornou-se assim um duelo. Hill partia com uma vantagem de 13 pontos. Se terminasse as 71 voltas do Grande Prémio de Portugal e deixasse a vantagem em 10 pontos, seria automaticamente o campeão mundial de 1996. Seria o primeiro título da sua carreira. Os nervos estavam à flor da pele. E a largada era fundamental.
Damon Hill ocupava a "pole position" e Jacques Villeneuve estava logo ao lado na segunda posição, na primeira fila. A pista dificultava a ultrapassagem, por isso era preciso começar bem. Na corrida estavam também Pedro Lamy (pela Minardi), o único piloto português em competição, e o alemão Michael Schumacher (pela Ferrari). Minutos depois acendeu o sinal de partida. O barulho dos motores a arrancar era ensurdecedor.
Hill manteve a liderança durante grande parte da prova, mas na volta 22 tudo mudou. Villeneuve começou a ganhar terreno progressivamente e, a partir da volta 48, quando Hill foi fazer o reabastecimento, o canadiano passou para a frente da corrida. Jacques Villeneuve seria o vencedor do Grande Prémio de Portugal. Damon Hill ficou em segundo lugar e só se sagrou campeão do mundo três semanas mais tarde na prova final, em Suzuka, no Japão. O Grande Prémio de Portugal de 1996 seria a última corrida de Fórmula 1 no país.
Clima de guerra
Pedro Lamy não tem grandes memórias dessa prova. Mas afirma que correr em Portugal "era sempre um momento alto" porque "estava em casa". O piloto português, que deixou a Fórmula 1 pouco depois, e que actualmente corre no Campeonato do Mundo FIA de Resistência, recorda-se que nessa altura, nos bastidores, já se falava na possibilidade de Portugal sair do calendário anual daquele desporto automóvel. "Começaram a aparecer vários países com muito dinheiro, fora da Europa, que tinham a intenção de receber a Fórmula 1", explica.
Bernie Ecclestone, o patrão da Fórmula 1, estava a descobrir esses "novos mundos". Que é como quem diz, a perceber que o dinheiro abundava nos emergentes, sobretudo na Ásia e nos países árabes. E, como gestor de um negócio, procurava quem lhe pagasse mais para receber as corridas.
Lamy esteve envolvido directamente nos esforços que foram feitos para manter o Grande Prémio de Portugal. Recorda uma reunião com o então primeiro-ministro António Guterres, onde esteve com César Torres, então Presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP) e vice-presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA). Saíram sem garantias. A reunião "não foi conclusiva", diz, "ficou tudo um pouco à espera da evolução das coisas". Mas ficou claro que "havia outras prioridades".
Portugal não tinha como competir com países como a Malásia ou os Emirados Árabes Unidos, que estavam dispostos a abrir os cordões à bolsa para receber o chamado "grande circo". E era conhecida a relação tumultuosa que Bernie Ecclestone tinha com Fernanda Pires da Silva, a presidente do grupo Grão Pará, dono do Autódromo do Estoril. Domingos Piedade diz que a "aversão" era mútua. O ex- vice-presidente da Mercedes AMG, director e manager desportivo, considera que houve duas coisas que determinaram o fim do Grande Prémio de Portugal.
Por um lado, essa relação hostil e, por outro, a morte de César Torres, a 30 e Novembro de 1997, que era "o grande impulsionador" da Fórmula 1 no país e "muito próximo" de Bernie Ecclestone. "O César era o catalisador. Era o que filtrava, só deixava passar aquilo que era possível e absorvia aquilo que, eventualmente, fazia mossa tanto de um lado, como do outro", afirma.
Domingos Piedade recorda que um dos pontos de discórdia entre o patrão da Fórmula 1 e Fernanda Pires da Silva eram os lugares cativos "ad aeternum" do grupo Grão Pará nas bancadas do Autódromo do Estoril. Bernie Ecclestone, enquanto promotor do Grande Prémio de Portugal, não gostava da situação. "Eram dois ou três mil lugares nas arquibancadas centrais", diz. "Isso deu sempre imensa confusão".
A máquina cresceu
Domingos Piedade relembra que, naquela altura, a Fórmula 1 estava a crescer muito e tinha exigências cada vez maiores, nomeadamente ao nível das instalações. "Este desporto vive sobretudo das transmissões televisivas", explica. Era preciso acompanhar a evolução tecnológica da TV e do próprio desporto. "Hoje em dia, vemos salas de imprensa na Fórmula 1 com 300 ou 400 jornalistas, tudo aumentou. Era preciso que o Estoril acompanhasse". Dá como exemplo o facto de, em 1996, o "staff" de uma equipa de Fórmula 1 ser de cerca de 50 pessoas e, actualmente, ultrapassar as 200. "Agora, só para fazer o ‘pit stop’, são necessárias 22 pessoas e há mais 20 engenheiros sentados em frente a um televisor a ver as diversas informações que vêm da telemetria. Essas pessoas têm que estar nalgum lado", afirma. Foi imposto pela FIA um conjunto de obras para manter as corridas em Portugal. Eram exigências "normais", garante Domingos Piedade, que outros autódromos também tiveram de acomodar.
Augusto Mateus, ministro da Economia entre Março de 1996 e Novembro de 1997, teve nas mãos o dossiê das corridas de Fórmula 1 no Autódromo do Estoril. Admite que foi apanhado de surpresa pelo fim do Grande Prémio de Portugal. A prova portuguesa foi substituída por um segundo Grande Prémio em Espanha, em Jerez de la Frontera. O ministro percebeu desde o início o "clima de guerra" que estava instalado entre César Torres e o filho de Fernanda Pires da Silva, responsável pela gestão do Autódromo, João Paulo Teotónio Pereira.
Para Augusto Mateus, a Fórmula 1 era "um quisto no funcionamento do Autódromo". E explica porquê. "Não havia qualquer contrato. O Grande Prémio fazia-se num contexto do relacionamento do Presidente do ACP, que era o César Torres, e o senhor Ecclestone." E, refere o ex-governante, "não havia colaboração entre as diferentes entidades que deviam colaborar". Simultaneamente, "o Estado dava uns apoios avulso", mas o evento desportivo "não tinha qualquer tipo de articulação com a política pública". Nomeadamente no turismo e "na própria evolução da economia portuguesa, que era na direcção de uma maior sofisticação na produção automóvel", com investimentos como a Autoeuropa. No fundo, diz, "estava tudo mal".
Augusto Mateus foi a Londres negociar directamente com as entidades máximas da Fórmula 1. E, numa reunião com Max Mosley (o presidente da FIA), e Bernie Ecclestone, o ministro estabeleceu as bases para um acordo de médio prazo que garantia o Grande Prémio de Portugal durante cinco a sete anos. Em troca seriam feitas as obras de melhoramento da pista, nas boxes e noutros locais do recinto. O investimento foi feito, garante Augusto Mateus, e contou com a participação da Câmara Municipal de Cascais. Mas "permaneceram um conjunto de conflitos" e o contrato formal para a realização do Grande Prémio de Portugal nunca foi assinado.
Em Julho de 1997, o Estado assumiu uma posição de 51% na Autodril (empresa do Grupo Grão Pará) em virtude de um acordo global em que o grupo cedia, por dação em pagamento, as acções da sociedade gestora do Autódromo do Estoril, para regularizar um contencioso que envolvia dívidas ao Estado, estimadas na altura em 20 milhões de contos. Foi ainda acordada a constituição de uma sociedade gestora deste equipamento desportivo – a Sociedade Gestora do Autódromo Fernanda Pires da Silva, S.A – em que o Estado tinha 51% do capital e a Autodril os restantes 49%. A prioridade era acelerar as obras, que ficaram a cargo da Câmara Municipal de Cascais, e manter a F1 em Portugal. Mas, por uma série de factores, entre eles o chumbo do Tribunal de Contas aos contratos assinados pela autarquia com o consórcio responsável pelos trabalhos, por apresentarem irregularidades processuais, as obras não ficaram prontas a tempo da temporada de 1998. Ainda assim, continuaram a ser feitas e terminaram com uma derrapagem de quatro milhões de contos, de acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, publicada em Fevereiro de 2000. Derraparam as contas e a esperança de que a Fórmula 1 voltasse a Portugal.
A F1 pode voltar ao Estoril?
Terminou assim um ciclo de 13 anos de corridas consecutivas no Estoril (de 1984 até 1996), em que ficou célebre o Grande Prémio de Portugal de 1985, por ter sido o primeiro que Ayrton Senna ganhou na Fórmula 1. As imagens do piloto brasileiro à chuva correram mundo. Vinte anos depois da última corrida e depois de muitas peripécias, o Estado é o único dono do Autódromo do Estoril. Dificilmente Portugal voltará a receber o Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1. Esta é a opinião de Pedro Lamy e de Domingos Piedade. "Há tantas alternativas", considera o piloto português. Para isso acontecer, o país teria de pagar cerca de 30 milhões de euros por ano, que "era o valor que se falava há uns anos", diz. Domingos Piedade, por seu lado, refere que, nos últimos anos, os contratos assinados são por três a cinco anos. "O retorno desse investimento é maior noutras áreas do turismo", considera. Além disso, o Autódromo do Estoril "está parado há 20 anos". Voltar a receber corridas de Fórmula 1 "obrigaria a uma modificação de tal forma grande... até mesmo do ponto de vista estético, construtivo...".
A tendência é para esta competição perder terreno na Europa. Houve países que decidiram sair do calendário da Fórmula 1 por não poderem ou não quererem suportar os encargos financeiros exigidos. Foi o caso da França, onde, desde 2009, não há Grande Prémio. E, mais recentemente, houve o risco de acabar o Grande Prémio da Alemanha, por falta de acordo quanto aos valores financeiros envolvidos para a realização da prova. O mesmo aconteceu este ano com a renovação do contrato com o circuito de Monza, em Itália. Sempre que a negociação se torna difícil, Bernie Ecclestone ameaça com outros países que estão dispostos a pagar mais.
A temporada de Fórmula 1 nunca foi tão longa. Tem agora 21 provas, um número considerado excessivo por ser "extremamente desgastante" para os pilotos e equipas, diz Domingos Piedade. Começa em Março na Austrália e termina em Novembro em Abu Dabi. O "bolo" dos lucros anuais é repartido com as 11 equipas. Recebem pelo valor de mercado que têm (e, nesta categoria, a Ferrari é rainha ao receber sempre mais do que qualquer outro construtor pelo estatuto que tem de "equipa histórica") e também por mérito, de acordo com o resultado que alcançam nas provas.
O cheque pode chegar aos 50 milhões de euros, diz Domingos Piedade. "O primeiro [classificado] não sei, leva para aí uns 150 milhões, são números muito secretos, mas é à volta disso". Afinal de contas, o segredo é a alma do negócio. Que o diga Bernie Ecclestone, que, com quase 86 anos e uma fortuna avaliada em 2,7 mil milhões de euros pela revista Forbes, continua a mostrar que não pretende reformar-se.