Notícia
A triste vitória da Dama de Chumbo
O duro Brexit poderá tornar-se num Brexit de plasticina. Theresa May, uma líder com pés de barro, vai ter de lutar para sobreviver à luta de bastidores nos corredores do poder. Além disso, o seu discurso do medo e da austeridade foi posto em causa por um líder que todos julgavam perdedor e de outro tempo, Jeremy Corbyn. De derrotado à partida, Corbyn fez renascer o Labour.
Margaret Thatcher era a Dama de Ferro. E todos sabemos porque o foi. Theresa May, cansada de uma vitória eleitoral que parece ser o início do fim da sua estadia no n.º 10 de Downing Street, é uma Dama de Chumbo. Na frente interna, aquilo que parecia ser uma vitória tranquila e a forma de esmagar definitivamente o Partido Trabalhista tornou-se um tormento para os Conservadores e para ela própria: ganhou, mas tem de se coligar com os unionistas do Ulster, que são aparentemente pró-europeus. Na frente externa, a União Europeia não terá pela frente uma primeira-ministra dura e intransigente: terá uma líder com pés de barro. Ou seja: o duro Brexit poderá tornar-se num Brexit de plasticina. Não são boas notícias para a Grã-Bretanha.
Depois, Theresa May, que julgou que estas eleições eram favas contadas, não conseguiu a maioria absoluta que a tornaria uma líder incontestável e vai ter de esforçar-se para sobreviver à luta de bastidores que, a partir de agora, outros dirigentes "tories", como Boris Johnson, não hesitarão a começar nos corredores do poder. Além disso, o seu discurso do medo e da austeridade foi posto em causa por um líder que todos julgavam perdedor e de outro tempo, Jeremy Corbyn. Este trouxe para o debate um conteúdo optimista que conseguiu, inclusivamente, o improvável: que os jovens aderissem ao seu discurso e fossem votar. O Labour conseguiu cativar os mais novos, aqueles que normalmente não vão votar. É um sinal claro para a política como a temos visto nos últimos tempos.
Um Parlamento dividido e estilhaçado é um sério revés para os defensores do "Brexit duro", aquele que Theresa May tinha adoptado como seu. A eleição que tinha pedido para fortalecer a sua posição nas difíceis negociações que a esperam com Bruxelas acabaram por fragilizá-la. Do lado europeu, espera-se agora o que virá de Londres: uma posição mais dura ou mais flexível ou, simplesmente, um arrastar de negociações sem fim?
Por outro lado, o sentimento que começa a ser dominante é o de que o caos político na Grã-Bretanha poderá levar a que mais empresas, inclusive da City, debandem em busca do conforto dos países da União Europeia. E isso não será uma boa notícia para a economia inglesa, que terá de procurar alternativas. Há, no meio da confusão, outra ilação a tirar: depois de, há um ano, o populismo e o nacionalismo terem estilhaçado ainda mais o panorama eleitoral britânico, os dois maiores partidos (Conservadores e Trabalhistas) voltam a ser os pilares do sistema democrático, quase duas décadas depois.
Um Parlamento dividido e estilhaçado é um sério revés para os defensores do "Brexit duro", aquele que Theresa May tinha adoptado como seu.
Assiste-se também ao esvaziamento do Ukip e à desaceleração do Partido Nacionalista Escocês, especialmente junto das classes trabalhadoras, as que mais rapidamente têm voltado as costas aos partidos tradicionais, que vislumbram como representantes das classes médias ou das elites mais ricas. O que pareceu, no entanto, evidente é que a ideia de um Brexit duro, de um controlo da imigração e de austeridade deixaram de ser tão cativantes para o eleitorado que se vê mais em perigo pela globalização ou pela União Europeia. Ou pela segurança. Até nesta área sensível Theresa May não conseguiu competir com Corbyn: este quer mais polícia na rua e menos leis que restrinjam as liberdades básicas, enquanto May acha que é através do controlo legal (cada vez menos democrático) e não de polícia (que ela foi tornando redundante quando esteve na Administração Interna) que se deve seguir. Duas concepções de sociedade que agora dividem claramente o Reino Unido. A derrota do SNP escocês promete também esfriar a luta pela independência.
Já Corbyn, afastando-se da "terceira via" de Tony Blair (e que prevê um alinhamento do Labour num centro onde há poucas diferenças face às propostas apresentadas pelos "tories"), mostrou que é possível propor "coisas diferentes". Com a desilusão do eleitorado com políticas similares que se sucedem e com a ameaça de May de tornar a austeridade um dogma eterno, um sector da população britânica, a começar pelos mais jovens, olhou para Corbyn como um factor de diferença, esperança e optimismo. E isso teve resultados eleitorais. De derrotado à partida, Corbyn fez renascer o Labour. Se tem medo de quem vem do exterior, o Reino Unido ainda lambe as feridas da austeridade dos últimos anos, da desigualdade intergeracional crescente e da crise dos governos locais.
No meio, foi o Brexit que implodiu. Há poucas semanas foi editado "What Next: How to Get the Best from Brexit" de Daniel Hannan, um "brexiter" convicto. Ler as suas conclusões faz luz sobre a estratégia que pareceu agora vacilar com estas eleições. Hannan cita Adam Smith e David Ricardo para defender a sua tese e acrescenta-lhe Theresa May com a sua ideia de "líder do comércio livre", que a Grã-Bretanha deveria ser. Para o autor, o comércio livre é o grande elixir do futuro da Grã-Bretanha fora da União Europeia, que elimina a pobreza a nível global. E esta é a oportunidade para criar "um país de comércio livre, desregulado, uma Grã-Bretanha 'offshore', um entreposto comercial com a União Europeia e com o resto do mundo". Hannan tem modelos: Singapura e Hong Kong. Para ele, se todos os países fossem como estas "pequenas ilhas", o mundo seria mais feliz e rico. O Estado não actuaria, ou apenas o faria em caso de absoluta necessidade. Os impostos seriam simplificados. E a regulação que afecta o sector financeiro ou a segurança dos consumidores seria a menor possível. Tudo isto tem estado na mente de um núcleo duro de apoiantes do Brexit que estão nos círculos do poder. Resta agora saber se, depois destes resultados eleitorais, o seu poder decrescerá. Ou, pelo contrário, aproveitará as fraquezas de Theresa May para se reforçar em Downing Street.
Depois, Theresa May, que julgou que estas eleições eram favas contadas, não conseguiu a maioria absoluta que a tornaria uma líder incontestável e vai ter de esforçar-se para sobreviver à luta de bastidores que, a partir de agora, outros dirigentes "tories", como Boris Johnson, não hesitarão a começar nos corredores do poder. Além disso, o seu discurso do medo e da austeridade foi posto em causa por um líder que todos julgavam perdedor e de outro tempo, Jeremy Corbyn. Este trouxe para o debate um conteúdo optimista que conseguiu, inclusivamente, o improvável: que os jovens aderissem ao seu discurso e fossem votar. O Labour conseguiu cativar os mais novos, aqueles que normalmente não vão votar. É um sinal claro para a política como a temos visto nos últimos tempos.
Por outro lado, o sentimento que começa a ser dominante é o de que o caos político na Grã-Bretanha poderá levar a que mais empresas, inclusive da City, debandem em busca do conforto dos países da União Europeia. E isso não será uma boa notícia para a economia inglesa, que terá de procurar alternativas. Há, no meio da confusão, outra ilação a tirar: depois de, há um ano, o populismo e o nacionalismo terem estilhaçado ainda mais o panorama eleitoral britânico, os dois maiores partidos (Conservadores e Trabalhistas) voltam a ser os pilares do sistema democrático, quase duas décadas depois.
Um Parlamento dividido e estilhaçado é um sério revés para os defensores do "Brexit duro", aquele que Theresa May tinha adoptado como seu.
Assiste-se também ao esvaziamento do Ukip e à desaceleração do Partido Nacionalista Escocês, especialmente junto das classes trabalhadoras, as que mais rapidamente têm voltado as costas aos partidos tradicionais, que vislumbram como representantes das classes médias ou das elites mais ricas. O que pareceu, no entanto, evidente é que a ideia de um Brexit duro, de um controlo da imigração e de austeridade deixaram de ser tão cativantes para o eleitorado que se vê mais em perigo pela globalização ou pela União Europeia. Ou pela segurança. Até nesta área sensível Theresa May não conseguiu competir com Corbyn: este quer mais polícia na rua e menos leis que restrinjam as liberdades básicas, enquanto May acha que é através do controlo legal (cada vez menos democrático) e não de polícia (que ela foi tornando redundante quando esteve na Administração Interna) que se deve seguir. Duas concepções de sociedade que agora dividem claramente o Reino Unido. A derrota do SNP escocês promete também esfriar a luta pela independência.
Já Corbyn, afastando-se da "terceira via" de Tony Blair (e que prevê um alinhamento do Labour num centro onde há poucas diferenças face às propostas apresentadas pelos "tories"), mostrou que é possível propor "coisas diferentes". Com a desilusão do eleitorado com políticas similares que se sucedem e com a ameaça de May de tornar a austeridade um dogma eterno, um sector da população britânica, a começar pelos mais jovens, olhou para Corbyn como um factor de diferença, esperança e optimismo. E isso teve resultados eleitorais. De derrotado à partida, Corbyn fez renascer o Labour. Se tem medo de quem vem do exterior, o Reino Unido ainda lambe as feridas da austeridade dos últimos anos, da desigualdade intergeracional crescente e da crise dos governos locais.
No meio, foi o Brexit que implodiu. Há poucas semanas foi editado "What Next: How to Get the Best from Brexit" de Daniel Hannan, um "brexiter" convicto. Ler as suas conclusões faz luz sobre a estratégia que pareceu agora vacilar com estas eleições. Hannan cita Adam Smith e David Ricardo para defender a sua tese e acrescenta-lhe Theresa May com a sua ideia de "líder do comércio livre", que a Grã-Bretanha deveria ser. Para o autor, o comércio livre é o grande elixir do futuro da Grã-Bretanha fora da União Europeia, que elimina a pobreza a nível global. E esta é a oportunidade para criar "um país de comércio livre, desregulado, uma Grã-Bretanha 'offshore', um entreposto comercial com a União Europeia e com o resto do mundo". Hannan tem modelos: Singapura e Hong Kong. Para ele, se todos os países fossem como estas "pequenas ilhas", o mundo seria mais feliz e rico. O Estado não actuaria, ou apenas o faria em caso de absoluta necessidade. Os impostos seriam simplificados. E a regulação que afecta o sector financeiro ou a segurança dos consumidores seria a menor possível. Tudo isto tem estado na mente de um núcleo duro de apoiantes do Brexit que estão nos círculos do poder. Resta agora saber se, depois destes resultados eleitorais, o seu poder decrescerá. Ou, pelo contrário, aproveitará as fraquezas de Theresa May para se reforçar em Downing Street.