Naquela noite em Maliana, precisamente há pouco mais de 25 anos, eu tinha uma decisão complexa para tomar. Estávamos a dois ou três dias da ida dos timorenses às urnas para votarem no referendo que ia decidir o seu futuro e o do seu território, e todas as formas possíveis do medo, da procura desesperada de proteção à paranoia, dominavam quem habitava e quem estava em missão na ilha.
O medo era exatamente o que nos levava a continuar à mesa, a mim, ao meu condutor, o timorense João, à fotógrafa que trabalhava comigo e ao observador da Missão Portuguesa, um oficial do Grupo de Operações Especiais (GOE) da Polícia de Segurança Pública (PSP), muito bem conectado na zona, e na posse de boa informação.
Aquela noite de Maliana estava totalmente igual a todas as que eu tinha visto e vivido em Timor-Leste, desde que chegara no princípio de julho, ao serviço do Expresso. Escura como a selva, silenciosa de um modo asfixiante, sem um único movimento rodoviário ou pedonal, apesar de a vila, no interior de Timor, e a cento e cinquenta quilómetros de Díli, ser uma das mais importantes.
A decisão que tínhamos de tomar, a que horas do dia seguinte deveríamos regressar a Díli, era básica em condições normais.
Mas o medo alterava tudo.
Tínhamos de tentar prever as horas na estrada, sempre muitas, porque as rodovias eram primárias, e os padrões de atividade, legais, pelas forças armadas indonésias, e ilegais, pelas milícias, as forças paramilitares que dominavam o território, ao longo do percurso, especialmente em Liquiçá, a povoação mais importante do trajeto.