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A neuropolítica ou o primado da emoção nas campanhas eleitorais

A neuropolítica é, cada vez mais, parte da estratégia por trás de campanhas eleitorais. Com origem no continente americano, atravessou o Atlântico e tornou-se omnipresente num discurso político cada vez mais polarizado e dependente das redes sociais. O resultado, dizem os especialistas, são campanhas mais pobres em conteúdo e onde impera a emoção.
Susana Torrão 04 de Maio de 2024 às 11:00

Uma avó que recorda o momento em que viu a mãe a ser morta, durante a II Guerra Mundial, o relato de um homem cuja família foi levada para Auschwitz ou a recordação da entrada dos tanques soviéticos em Praga dão uma nota emotiva à campanha institucional que apela ao voto nas próximas eleições europeias. O vídeo de quatro minutos sublinha a importância da democracia e termina com a frase "Usa o teu voto. Ou outros decidirão por ti". E se não é certo que quem desenhou a campanha tenha usado técnicas de neuropolítica - a aplicação de conhecimentos das neurociências para compreender o comportamento político dos cidadãos -, a verdade é que tem características que lhe são comuns, como o recurso à emoção e a apresentação do "outro" como fonte de ameaça.???

Em tempos de maior polarização no discurso político, o recurso à neuropolítica tem-se generalizado, sobretudo a partir da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Ao permitir perceber melhor o funcionamento do nosso "cérebro político" - o que nos leva a votar em determinado partido, mentir em sondagens sobre o sentido de voto ou participar numa manifestação específica -, tornou-se uma ferramenta importante na criação das campanhas.??

"Temos uma nova forma de fazer política que vem no seguimento da própria evolução das novas tecnologias", refere Bruno Ferreira Costa, professor de Ciência Política na Universidade da Beira Interior (UBI). Neste tipo de campanhas, o estudo sobre o que pode criar adesão junto do eleitor é feito do ponto de vista biológico e com a ajuda do contacto entre a política e a medicina e a psicologia política, explica o investigador. "Em quase todos os espaços da América Latina, há um avanço muito grande na utilização destas ferramentas e deste conhecimento científico para se ganhar uma vantagem na disputa eleitoral", sublinha Bruno Ferreira Costa, para quem os partidos portugueses têm alguma reserva em assumir que fazem este tipo de análises.?

Cérebro e dopamina

Os avanços nas neurociências permitem identificar quais?as zonas do cérebro ativadas quando expostas a campanhas. Matt Qvortrup, investigador da Universidade de Coventry e autor de "The Political Brain", explica, num artigo publicado no The Conversation, como isso é feito: o cérebro precisa de oxigénio, que é transportado pelo sangue. Como o sangue tem ferro (que é magnético), torna-se visível em exames que recorram a "scanners" magnéticos como a ressonância magnética funcional. Assim, se há uma parte do cérebro ativada na presença de um determinado candidato, isso poderá ser uma potencial pista de que poderemos votar nele. "Quando queremos comprar alguma coisa - ou quando gostamos de um determinado candidato eleitoral -, ativamos uma parte do cérebro chamada estriado ventral (…), ligada à recompensa", explica Qvortrup. Além de que, se gostarmos dessa pessoa, essa zona do cérebro vai ser "bombardeada" com dopamina.??

Qvortrup dá ainda outros exemplos. O estudo "Political Orientations are correlated with brain structure in young adults", liderado por investigadores do Instituto de Neurociência Cognitiva do University College, mostrou que o pensamento de esquerda aparece associado a um aumento da matéria cinzenta na região do córtex mais relacionada com a empatia e que a área mais ativada no caso do pensamento de centro-direita é o córtex pré-frontal dorsolateral, mais associado à cautela. Por sua vez, uma investigação do neurocientista Erik?Asp refere que, em indivíduos fundamentalistas religiosos ou que se identificam com movimentos de extrema-direita, as imagens dos exames revelavam danos no córtex pré-frontal ventromedial, associado à tolerância e à inteligência social. O mesmo estudo mostrou ainda que, perante imagens de opositores políticos, havia uma ativação da amígdala - a zona do cérebro ativada quando nos sentimos em perigo.

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