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Folha de assentos
Optimismos e preocupações marcam o discurso político. De Sampaio a Guterres, abismo e caos. Pede-se reflexão e acção. Por terras de Donald Trump, há quem relativize promessas, mas o novo Presidente não desarma. Não podia ser mais simbólica a palavra do ano: pós-verdade.
pós-verdade. É a palavra do ano para os dicionários Oxford. Um adjectivo que se refere a "circunstâncias em que os factos objectivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais". A verdade parece ter-se gastado, tal o seu relativismo. Enfraqueceu-se até a busca da verdade. A pós-verdade não traça um novo marco temporal. Tão-só uma rejeição ou uma irrelevância da verdade. Quando os factos atrapalham a narrativa, mudam-se. Num tempo de redes sociais e de campanhas populistas, como se viu no Brexit e na eleição de Trump, a mentira ganha novo poder de sedução. É o tempo da política além-factos. Os factos, a dureza da vida de todos os dias, o cerco político e a incerteza crescente, deixam pouca margem para a racionalidade. Há uma exaustão e uma frustração que não se compadecem com a promessa de mais do mesmo. Daí a disponibilidade para o engano, para as figuras de circo ou para os vendedores de banha da cobra. Se a verdade fosse loiça, diria que nesta altura apetece partir a loiça.
abismo. Jorge Sampaio lançou um "apelo veemente para que se faça algo para inverter esta corrida para o abismo". Refere-se o antigo Presidente à emergência dos populismos, à decadência europeia e à eleição de Trump. Mais do que travar, desafia-nos a reflectir. Vêm aí referendos e eleições na Itália, na França e na Alemanha e a Europa continua sem respostas para tanta inquietação. As economias estão mais ou menos paralisadas, faltam soluções para diminuir as desigualdades ou para as questões de segurança. Ano após ano, a governação europeia degrada-se e frustra os cidadãos. O Brexit é um "ponto de não-retorno". Inaugura a "desconstrução" da União Europeia. Nus e crus, são estes alguns dos factos de abismar. Não são uma assombração. São o resultado da má governação e da perda de convicção na liberdade, na democracia e na equidade social. E também das nossas escolhas, da responsabilidade e vontade que tivermos. Sampaio acredita numa reinvenção da democracia na era da globalização. A urgência do empreendimento é tamanha que só podemos começá-lo. O abismo não é alternativa.
caos. António Guterres tem uma dúvida: "Saber se vivemos uma transição para um mundo multipolar organizado ou se o caos é a nova ordem". Como muitos de nós, conheceu um mundo bipolar em guerra fria entre os EUA e a URSS. E depois a supremacia americana. A globalização, a emergência de novas potências como a China, o ressurgimento de velhos impérios como o russo e a barbárie terrorista criaram uma desordem tal que ninguém a sabe travar. Hoje, vivemos num mundo "onde as guerras são cada vez mais violentas" e indomáveis. A consciência do caos é reveladora de quanto vai ser exigente o mandato do novo secretário-geral da ONU. Alguns dirão que o mundo sempre foi assim. Mas nem sempre se teve essa percepção. Para já, o caos é a nova ordem.
reflexão. A vitória de Trump não era previsível. Não o era nas primárias para os republicanos. Não o era depois, apesar da proximidade de Hillary que as sondagens lhe deram algumas vezes. Passados estes dias, ainda há gente horrorizada, jovens em protesto nas ruas, os mais racionais em reflexão, outros que se encheram de pretexto para dar lições de moral a tantos que falharam nos seus juízos. Uma das lições que bate à porta dos jornalistas é a de que não perceberam os americanos, favoreceram Hillary e desprezaram Trump. Os media têm, afinal, um poder bem menor do que lhes atribuem… Contudo, há razão na crítica ao trabalho dos jornalistas. Encantaram-se com as audiências das invectivas de Trump e só na recta final levantaram casos graves na sua conduta. O problema Trump não é ideológico. O jornalismo tem o dever de mostrar e questionar ideias e, sobretudo, de escrutinar os factos com clareza. Trump pôde contar as mentiras que entendeu, consumidas como anedotas, pôde instilar ódio, racismo, assédio sexual, evasão fiscal, tudo o que numa democracia decente não seria admissível. Falhou o jornalismo, falharam as instituições, falhou a cidadania, falhou a política.
normalização. Eleito Trump, os primeiros sinais foram suaves. Declaração de vitória contida, telefonemas simpáticos dos opositores, um encontro com Obama que quase parecia de iguais, uma entrevista à CBS em que até prometeu manter alguma coisa do Obamacare… Tudo tão suave que até parecia que o candidato Trump e o seu programa de enormidades não tinha existido. Há sempre aquela constatação de que uma coisa é o que se diz nas campanhas e outra, bem diferente, é o que se faz no Governo. Trump será decerto menos demagógico. A força das circunstâncias o obrigará. Mas não deixa de ser quem é. Pode, em vez de muro, fazer vedação de arame farpado. Pode não murar toda a fronteira com o México, mas deportará quem puder. Não destruirá num mês o Daesh, mas instilará ódios raciais e religiosos. A normalização de que se fala não é tanto a adaptação do eleito ao cargo. É, sobretudo, a multiplicação de um padrão conveniente que torne mais aceitável a mensagem. Trump formou-se na televisão e será através dela que seguirá em frente. O que nos obriga a ficar atentos e vigilantes.
bancos. "A Vida e a Morte dos Nossos Bancos - como os banqueiros usaram o nosso dinheiro e ele desapareceu" é um livro de Helena Garrido. O título diz muito do cemitério de bancos com que nos confrontámos nos últimos anos. Em pouco mais de cinco anos morreram quatro bancos, um quinto do sistema. O livro é um inventário de habilidades, de irresponsabilidades, de silêncios cúmplices, de crime sem castigo, de impunidade. Uma história de banqueiros sem dinheiro, ou sem quererem arriscar o seu dinheiro, mas a quem tudo, ou quase tudo, foi permitido. História de reguladores adormecidos e de pouca seriedade dos auditores. Partidos e governos capturados por interesses ao serviço de lógicas de poder e influência. Uma deriva alucinante de "bons negócios e bons rapazes". A ler.
abismo. Jorge Sampaio lançou um "apelo veemente para que se faça algo para inverter esta corrida para o abismo". Refere-se o antigo Presidente à emergência dos populismos, à decadência europeia e à eleição de Trump. Mais do que travar, desafia-nos a reflectir. Vêm aí referendos e eleições na Itália, na França e na Alemanha e a Europa continua sem respostas para tanta inquietação. As economias estão mais ou menos paralisadas, faltam soluções para diminuir as desigualdades ou para as questões de segurança. Ano após ano, a governação europeia degrada-se e frustra os cidadãos. O Brexit é um "ponto de não-retorno". Inaugura a "desconstrução" da União Europeia. Nus e crus, são estes alguns dos factos de abismar. Não são uma assombração. São o resultado da má governação e da perda de convicção na liberdade, na democracia e na equidade social. E também das nossas escolhas, da responsabilidade e vontade que tivermos. Sampaio acredita numa reinvenção da democracia na era da globalização. A urgência do empreendimento é tamanha que só podemos começá-lo. O abismo não é alternativa.
reflexão. A vitória de Trump não era previsível. Não o era nas primárias para os republicanos. Não o era depois, apesar da proximidade de Hillary que as sondagens lhe deram algumas vezes. Passados estes dias, ainda há gente horrorizada, jovens em protesto nas ruas, os mais racionais em reflexão, outros que se encheram de pretexto para dar lições de moral a tantos que falharam nos seus juízos. Uma das lições que bate à porta dos jornalistas é a de que não perceberam os americanos, favoreceram Hillary e desprezaram Trump. Os media têm, afinal, um poder bem menor do que lhes atribuem… Contudo, há razão na crítica ao trabalho dos jornalistas. Encantaram-se com as audiências das invectivas de Trump e só na recta final levantaram casos graves na sua conduta. O problema Trump não é ideológico. O jornalismo tem o dever de mostrar e questionar ideias e, sobretudo, de escrutinar os factos com clareza. Trump pôde contar as mentiras que entendeu, consumidas como anedotas, pôde instilar ódio, racismo, assédio sexual, evasão fiscal, tudo o que numa democracia decente não seria admissível. Falhou o jornalismo, falharam as instituições, falhou a cidadania, falhou a política.
normalização. Eleito Trump, os primeiros sinais foram suaves. Declaração de vitória contida, telefonemas simpáticos dos opositores, um encontro com Obama que quase parecia de iguais, uma entrevista à CBS em que até prometeu manter alguma coisa do Obamacare… Tudo tão suave que até parecia que o candidato Trump e o seu programa de enormidades não tinha existido. Há sempre aquela constatação de que uma coisa é o que se diz nas campanhas e outra, bem diferente, é o que se faz no Governo. Trump será decerto menos demagógico. A força das circunstâncias o obrigará. Mas não deixa de ser quem é. Pode, em vez de muro, fazer vedação de arame farpado. Pode não murar toda a fronteira com o México, mas deportará quem puder. Não destruirá num mês o Daesh, mas instilará ódios raciais e religiosos. A normalização de que se fala não é tanto a adaptação do eleito ao cargo. É, sobretudo, a multiplicação de um padrão conveniente que torne mais aceitável a mensagem. Trump formou-se na televisão e será através dela que seguirá em frente. O que nos obriga a ficar atentos e vigilantes.
bancos. "A Vida e a Morte dos Nossos Bancos - como os banqueiros usaram o nosso dinheiro e ele desapareceu" é um livro de Helena Garrido. O título diz muito do cemitério de bancos com que nos confrontámos nos últimos anos. Em pouco mais de cinco anos morreram quatro bancos, um quinto do sistema. O livro é um inventário de habilidades, de irresponsabilidades, de silêncios cúmplices, de crime sem castigo, de impunidade. Uma história de banqueiros sem dinheiro, ou sem quererem arriscar o seu dinheiro, mas a quem tudo, ou quase tudo, foi permitido. História de reguladores adormecidos e de pouca seriedade dos auditores. Partidos e governos capturados por interesses ao serviço de lógicas de poder e influência. Uma deriva alucinante de "bons negócios e bons rapazes". A ler.