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Quando se fala em sustentabilidade pensa-se logo no ambiente. Mas o termo contempla muito mais do que isso. Também implica a componente social e a governação das empresas. E é precisamente nestes dois pontos que a Comissão Europeia está agora a centrar a sua atenção.
"Apelo à apresentação de observações sobre os projetos de relatórios da Plataforma para o Financiamento Sustentável sobre uma taxonomia social e sobre uma taxonomia alargada para apoiar a transição económica" e "Dever de diligência em matéria de sustentabilidade das empresas" - na versão em português - são as duas consultas públicas que poderão alterar - por completo e de forma irreversível, não só a forma como as empresas funcionam, mas também, nalguns casos, a sua própria sobrevivência.
É certo, lembra, Margarida Couto, presidente da Grace que na última década houve um intensificar de medidas nacionais e internacionais relacionadas com o "E" (diga-se ambiente) e as próprias empresas têm uma consciência aguda da importância dos temas ambientais. No entanto, a executiva acrescenta que sem uma boa governação o sucesso dessas medidas fica comprometido.
Por outro lado, também é verdade que as empresas têm dado menos atenção aos temas do "S" (social" e do "G" (governação). "E é aí que se inscrevem estas duas consultas públicas", refere Margarida Couto que acrescenta que "na verdade o que a Comissão Europeia fez foi começar por aprovar uma taxonomia ambiental". Trata-se de uma lista de atividades que são consideradas ambientalmente sustentáveis. Tendo em conta a questão das alterações climáticas "começou-se pelo que era mais urgente".
Uma das medidas que está em estudo - embora a presidente da Grace reconheça que ainda não está claro como (ou se) se materializará - passa pela adoção de uma taxonomia social. Uma lista de atividades ou de forma de exercer as atividades que seja considerada socialmente sustentável. E aqui entra quer o "S" para dentro da empresa como para fora da mesma. Ou seja, abarca não só os funcionários da organização como os seus fornecedores, os fornecedores dos seus fornecedores, assim como as suas comunidades.
Na prática, esclarece Margarida Couto, uma das consultas públicas incide no "S" puro e duro - se deverá, ou não, haver uma taxonomia social, uma lista que classifique se a forma como as empresas desenvolvem certas atividades é, ou não, sustentável do ponto de vista social.
Sofia Santos, Sustainability Champion in Chief Anticipating & Engaging na Systemic, adianta que, aqui, as empresas vão ter de contribuir para pelo menos três objetivos: o chamado trabalho decente, que implica que os salários têm de ser justos ao longo da cadeia de valor; promover as condições de vida e bem-estar dos utilizadores finais daquilo que a empresa vende; e contribuir para a existência de comunidades e sociedades inclusivas e sustentáveis no âmbito da interveniência da empresa, também ao longo da cadeia de valor. A grande novidade, explica, consiste no trazer para a discussão o tema do "trabalho decente", que vai além do salário. Temas como não utilizar a mão-de-obra infantil, pagar o valor justo ao longo de toda a cadeia de valor adquirem, agora, nova importância.
Quanto à questão do bem-estar dos utilizadores finais é, para Sofia Santos, uma das componentes mais polémicas. Porque coloca em cima da mesa temas como a utilização do sal, do açúcar, dos pesticidas... e se isso contribui (ou não) para o bem-estar dos consumidores.
Por exemplo, acrescenta, no setor da construção, para uma empresa ser considerada socialmente sustentável deveria construir casas com boas condições ambientais e a preços mais próximo da realidade. "Isto está escrito", aponta a executiva da Systemic que alerta que é uma frase que levanta muitas questões no setor imobiliário. Mesmo porque isso leva a uma pergunta: não é esse o papel do Estado?
Violação de direitos humanos dá direito a coimas
Em simultâneo decorre, desde 23 de fevereiro, a consulta pública sobre a "Corporate sustainability due diligence" - "Dever de diligência em matéria de sustentabilidade das empresas" na versão em português. Segundo o documento o objetivo da diretiva "é promover um comportamento sustentável e responsável das empresas e ancorar os direitos humanos e as considerações ambientais nas atividades das empresas e no governo das sociedades. As novas regras assegurarão que as empresas abordem os impactos negativos das suas ações, nomeadamente nas suas cadeias de valor dentro e fora da Europa".
Para Sofia esta Diretiva é ainda mais polémica, dado que incide sobre questões da governação. Na prática diz que "o conselho de administração vai ficar com o dever de integrar nos seus processos de decisão os temas de direitos humanos e ambientais ao longo de toda a cadeia de valor".
Já Margarida Couto refere que "no fundo é uma Diretiva nova que está em cima da mesa, que acredita-se que vai ser adotada, já tem um calendário", acrescentando que acredita que esta avançará mais depressa do que a taxonomia social. aqui a grande novidade assenta no facto de que a sustentabilidade de uma organização é assente na premissa de que com violação de direitos humanos nenhuma empresa se pode alegar verdadeiramente sustentável. isto porque, apesar de os termos "direitos humanos" não constarem do documento o seu foco incide, e muito, neste tema. Ou seja, acaba por integrar medidas que deveriam estar enquadradas no eixo do "S".
Na prática a +Diretiva "impõe às empresas que levem a cabo uma diligência de direitos humanos para garantir que não violam os mesmos na sua cadeia de valor, sobretudo na sua cadeia de fornecimento", aponta Margarida Couto que acrescenta que a Diretiva tem um lado curioso em relação ao pacote europeu. Pela primeira fez surge uma diretiva com "obrigações de fazer" e não apenas de reportar. Até aqui as empresas apenas têm de divulgar o que fazem (ou não fazem). "Teoricamente podem fazer o que quiserem, têm é de divulgar o que fazem", aponta Margarida Couto. Isto significa, explica a advogada, que as empresas, quando esta Diretiva entrar em vigor, têm de fazer um exercício de diligência e de reportar os resultados dessa mesma diligência e, perante os resultados têm de atuar. Ou seja, se uma empresa detetar que viola os direitos humanos num determinado país por causa de um fornecedor a entidade não só tem de comunicar o que vai fazer para ultrapassar essa violação e efetivamente cumprir. Se não o fizer terá de pagar coimas. Já Sofia Santos refere que a Diretiva abre espaço para que cada Estado-membro defina um organismo que faça a monitorização, que quando existam queixas com fundamento essa entidade possa pedir esclarecimentos, documentos, ordenar que se faça uma ação de mitigação, obrigar ao pagamento de uma coisa, ou outra coisa qualquer.
Isto é uma novidade dado que até aqui as organizações apenas eram multadas por não reportarem - independentemente do que reportassem. "Nesta Diretiva eu tenho a obrigação de em detetando uma violação de direitos humanos ou ambientais - se a Diretiva sair tal como está agora os direitos ambientais são considerados direitos humanos - eu tenho de dizer o que vou fazer para os remediar, corrigir ou eliminar".
Curiosamente, consta Margarida Couto, apensar de a Diretiva estar ainda em consulta pública há países, nomeadamente a Alemanha e a França, que optaram por não esperar e implementaram algo semelhante na sua legislação nacional. O que demonstra que "esta tendência é imparável". E isto aplica-se a toda a cadeia de valor. "Se eu for uma empresa de chocolates a minha cadeia de valor começa com a plantação", constata Sofia Santos, que acrescenta que a Diretiva exige que se divulgue anualmente os impactos reais e potenciais negativos que a empresa tem em toda a cadeia de valor e identificar o que está a fazer para os mitigar ou minimizar.
Por outro lado, é preciso perceber que, embora isto tende a incidir sobre as grandes empresas também abarca os seus fornecedores - que normalmente são entidades de menor dimensão. Ou seja, na prática, incide sobre toda a economia. "A grande empresa vai exigir à PME porque tem de garantir que está a acautelar esse risco", constata Sofia Santos.
Isto coloca uma pressão adicional nos CEO das empresas dado que ficam responsáveis pelos resultados (e ações das empresas). "A partir do momento em que a obrigação é de fazer e não apenas de dizer, ao abrigo do regime jurídico das sociedades comerciais em toda a Europa os responsáveis últimos são os membros do conselho de administração", explica Margarida Couto. Questionada sobre se a violação dos direitos humanos poderia inclusive ser considerada um crime e, por isso mesmo, os responsáveis serem responsabilizados também juridicamente, Margarida Couto refere que "a ideia não é ir para aí já, mas eu acredito ir indo para aí", mesmo porque já há propostas de criminalizar o "greenwashing" e, consequentemente, a fraude ambiental.
"Apelo à apresentação de observações sobre os projetos de relatórios da Plataforma para o Financiamento Sustentável sobre uma taxonomia social e sobre uma taxonomia alargada para apoiar a transição económica" e "Dever de diligência em matéria de sustentabilidade das empresas" - na versão em português - são as duas consultas públicas que poderão alterar - por completo e de forma irreversível, não só a forma como as empresas funcionam, mas também, nalguns casos, a sua própria sobrevivência.
É certo, lembra, Margarida Couto, presidente da Grace que na última década houve um intensificar de medidas nacionais e internacionais relacionadas com o "E" (diga-se ambiente) e as próprias empresas têm uma consciência aguda da importância dos temas ambientais. No entanto, a executiva acrescenta que sem uma boa governação o sucesso dessas medidas fica comprometido.
Por outro lado, também é verdade que as empresas têm dado menos atenção aos temas do "S" (social" e do "G" (governação). "E é aí que se inscrevem estas duas consultas públicas", refere Margarida Couto que acrescenta que "na verdade o que a Comissão Europeia fez foi começar por aprovar uma taxonomia ambiental". Trata-se de uma lista de atividades que são consideradas ambientalmente sustentáveis. Tendo em conta a questão das alterações climáticas "começou-se pelo que era mais urgente".
Uma das medidas que está em estudo - embora a presidente da Grace reconheça que ainda não está claro como (ou se) se materializará - passa pela adoção de uma taxonomia social. Uma lista de atividades ou de forma de exercer as atividades que seja considerada socialmente sustentável. E aqui entra quer o "S" para dentro da empresa como para fora da mesma. Ou seja, abarca não só os funcionários da organização como os seus fornecedores, os fornecedores dos seus fornecedores, assim como as suas comunidades.
Na prática, esclarece Margarida Couto, uma das consultas públicas incide no "S" puro e duro - se deverá, ou não, haver uma taxonomia social, uma lista que classifique se a forma como as empresas desenvolvem certas atividades é, ou não, sustentável do ponto de vista social.
Sofia Santos, Sustainability Champion in Chief Anticipating & Engaging na Systemic, adianta que, aqui, as empresas vão ter de contribuir para pelo menos três objetivos: o chamado trabalho decente, que implica que os salários têm de ser justos ao longo da cadeia de valor; promover as condições de vida e bem-estar dos utilizadores finais daquilo que a empresa vende; e contribuir para a existência de comunidades e sociedades inclusivas e sustentáveis no âmbito da interveniência da empresa, também ao longo da cadeia de valor. A grande novidade, explica, consiste no trazer para a discussão o tema do "trabalho decente", que vai além do salário. Temas como não utilizar a mão-de-obra infantil, pagar o valor justo ao longo de toda a cadeia de valor adquirem, agora, nova importância.
Quanto à questão do bem-estar dos utilizadores finais é, para Sofia Santos, uma das componentes mais polémicas. Porque coloca em cima da mesa temas como a utilização do sal, do açúcar, dos pesticidas... e se isso contribui (ou não) para o bem-estar dos consumidores.
Por exemplo, acrescenta, no setor da construção, para uma empresa ser considerada socialmente sustentável deveria construir casas com boas condições ambientais e a preços mais próximo da realidade. "Isto está escrito", aponta a executiva da Systemic que alerta que é uma frase que levanta muitas questões no setor imobiliário. Mesmo porque isso leva a uma pergunta: não é esse o papel do Estado?
Tudo o que são casas de investimento a nível europeu já começam a perguntar qual a política de ESG que a empresa tem. Sofia Santos
Sustainability Champion in Chief Anticipating & Engaging na Systemic
É certo que se as empresas não cumprirem as medidas não serão consideradas como socialmente responsáveis. Mas, a longo prazo, o que se pretende é que as ações das empresas tenham consequências, por exemplo, na obtenção de financiamento. "Tudo o que são casas de investimento a nível europeu já começam a perguntar qual a política de ESG que a empresa tem", aponta Sofia Santos, que acrescenta que isto só vai aumentar do ponto de vista da exigência do reporte e das atividades. Sustainability Champion in Chief Anticipating & Engaging na Systemic
Violação de direitos humanos dá direito a coimas
Em simultâneo decorre, desde 23 de fevereiro, a consulta pública sobre a "Corporate sustainability due diligence" - "Dever de diligência em matéria de sustentabilidade das empresas" na versão em português. Segundo o documento o objetivo da diretiva "é promover um comportamento sustentável e responsável das empresas e ancorar os direitos humanos e as considerações ambientais nas atividades das empresas e no governo das sociedades. As novas regras assegurarão que as empresas abordem os impactos negativos das suas ações, nomeadamente nas suas cadeias de valor dentro e fora da Europa".
Para Sofia esta Diretiva é ainda mais polémica, dado que incide sobre questões da governação. Na prática diz que "o conselho de administração vai ficar com o dever de integrar nos seus processos de decisão os temas de direitos humanos e ambientais ao longo de toda a cadeia de valor".
Já Margarida Couto refere que "no fundo é uma Diretiva nova que está em cima da mesa, que acredita-se que vai ser adotada, já tem um calendário", acrescentando que acredita que esta avançará mais depressa do que a taxonomia social. aqui a grande novidade assenta no facto de que a sustentabilidade de uma organização é assente na premissa de que com violação de direitos humanos nenhuma empresa se pode alegar verdadeiramente sustentável. isto porque, apesar de os termos "direitos humanos" não constarem do documento o seu foco incide, e muito, neste tema. Ou seja, acaba por integrar medidas que deveriam estar enquadradas no eixo do "S".
Na prática a +Diretiva "impõe às empresas que levem a cabo uma diligência de direitos humanos para garantir que não violam os mesmos na sua cadeia de valor, sobretudo na sua cadeia de fornecimento", aponta Margarida Couto que acrescenta que a Diretiva tem um lado curioso em relação ao pacote europeu. Pela primeira fez surge uma diretiva com "obrigações de fazer" e não apenas de reportar. Até aqui as empresas apenas têm de divulgar o que fazem (ou não fazem). "Teoricamente podem fazer o que quiserem, têm é de divulgar o que fazem", aponta Margarida Couto. Isto significa, explica a advogada, que as empresas, quando esta Diretiva entrar em vigor, têm de fazer um exercício de diligência e de reportar os resultados dessa mesma diligência e, perante os resultados têm de atuar. Ou seja, se uma empresa detetar que viola os direitos humanos num determinado país por causa de um fornecedor a entidade não só tem de comunicar o que vai fazer para ultrapassar essa violação e efetivamente cumprir. Se não o fizer terá de pagar coimas. Já Sofia Santos refere que a Diretiva abre espaço para que cada Estado-membro defina um organismo que faça a monitorização, que quando existam queixas com fundamento essa entidade possa pedir esclarecimentos, documentos, ordenar que se faça uma ação de mitigação, obrigar ao pagamento de uma coisa, ou outra coisa qualquer.
Isto é uma novidade dado que até aqui as organizações apenas eram multadas por não reportarem - independentemente do que reportassem. "Nesta Diretiva eu tenho a obrigação de em detetando uma violação de direitos humanos ou ambientais - se a Diretiva sair tal como está agora os direitos ambientais são considerados direitos humanos - eu tenho de dizer o que vou fazer para os remediar, corrigir ou eliminar".
Curiosamente, consta Margarida Couto, apensar de a Diretiva estar ainda em consulta pública há países, nomeadamente a Alemanha e a França, que optaram por não esperar e implementaram algo semelhante na sua legislação nacional. O que demonstra que "esta tendência é imparável". E isto aplica-se a toda a cadeia de valor. "Se eu for uma empresa de chocolates a minha cadeia de valor começa com a plantação", constata Sofia Santos, que acrescenta que a Diretiva exige que se divulgue anualmente os impactos reais e potenciais negativos que a empresa tem em toda a cadeia de valor e identificar o que está a fazer para os mitigar ou minimizar.
Por outro lado, é preciso perceber que, embora isto tende a incidir sobre as grandes empresas também abarca os seus fornecedores - que normalmente são entidades de menor dimensão. Ou seja, na prática, incide sobre toda a economia. "A grande empresa vai exigir à PME porque tem de garantir que está a acautelar esse risco", constata Sofia Santos.
Isto coloca uma pressão adicional nos CEO das empresas dado que ficam responsáveis pelos resultados (e ações das empresas). "A partir do momento em que a obrigação é de fazer e não apenas de dizer, ao abrigo do regime jurídico das sociedades comerciais em toda a Europa os responsáveis últimos são os membros do conselho de administração", explica Margarida Couto. Questionada sobre se a violação dos direitos humanos poderia inclusive ser considerada um crime e, por isso mesmo, os responsáveis serem responsabilizados também juridicamente, Margarida Couto refere que "a ideia não é ir para aí já, mas eu acredito ir indo para aí", mesmo porque já há propostas de criminalizar o "greenwashing" e, consequentemente, a fraude ambiental.