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A Lei n.º 4/2019, de 10 de janeiro, estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Tal significa que, passado o período de transição da lei, a partir de 1 de fevereiro de 2023, empresas com mais de 250 trabalhadores terão de ter 2% de pessoas com deficiência na sua força de trabalho e empresas com 100 a 250 trabalhadores terão de ter 1%. Para as empresas com um número de trabalhadores entre 75 e 100, a lei só entrará em vigor no dia 1 de fevereiro de 2024. Desta lei ficam excluídas as pequenas e médias empresas.
De facto, o sistema de quotas na administração pública e agora no setor privado está a impulsionar a discussão e análise dos sistemas de gestão e recrutamento das empresas, por forma a ter em consideração as competências das pessoas e não a sua condição. Gisela Valente sublinha que esta situação "representa acima de tudo uma vitória para eliminar a desigualdade existente no acesso ao emprego entre pessoas com e sem deficiência".
Também para a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), esta lei representa uma mais-valia para as pessoas visadas, na medida em que o emprego é um instrumento de emancipação pessoal que permite independência e autonomia financeira, estatuto e participação na sociedade. Mas é igualmente importante para o país, disse ao Negócios fonte oficial da CIP: "A integração das pessoas no mercado de trabalho, sejam elas portadoras ou não de doença/deficiência, constitui o instrumento mais eficaz de combate à exclusão social e à pobreza, pelo que, na perspetiva da CIP, e tendo em conta o modelo de sociedade que defendemos, a participação de pessoas portadoras de deficiência na economia e no mercado de trabalho é de inegável importância". Além disso, no contexto de sociedade moderna que se está a construir, assente em pressupostos de desenvolvimento social das Nações Unidas, "o desenvolvimento económico e social das sociedades modernas impõe a participação de todos, incluindo, naturalmente, as pessoas portadoras de deficiência. Neste sentido, é imperativo que se assegure que as pessoas com capacidade para trabalharem e que se encontram arredadas do mercado de trabalho, sejam rapidamente aí integradas", acrescenta a CIP.
Tudo começa na educação
O acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho é uma realidade que está impregnada de muitos obstáculos, desde os primeiros passos. "O acesso ao emprego é muito mais que a candidatura e a atribuição daquele posto a uma determinada pessoa. No recrutamento e entrevista, existem dificuldades, desde o acesso ao espaço físico, à comunicação com a pessoa e à informação disponibilizada", sublinha Gisela Valente. A presidente da APD defende que é necessário haver formatos alternativos de comunicação para se poder integrar pessoas com deficiência auditiva ou visual, por exemplo. Após esta fase, existem muitas vezes desconhecimento sobre as necessidades que as pessoas com deficiência poderão necessitar para adaptar o seu posto de trabalho. "E como se considera que isto será oneroso para a empresa, opta-se por não selecionar o candidato com deficiência", refere. "No fundo, os maiores obstáculos são culturais, de acesso físicos e à informação e comunicação. Esta lei poderá ajudar à consciencialização do tecido empresarial na medida em que, mais que ver a deficiência da pessoa, se vê as potencialidades da mesma", acrescenta.
Na perspetiva da Associação Portuguesa de Deficientes, a solução tem de passar pela educação e integração. "Nenhuma destas medidas terá a necessária eficácia se não for garantido o acesso a uma educação realmente inclusiva. É fundamental que o nosso sistema de ensino e formação tenha respostas para todas as necessidades, por forma a capacitar e formar todos os nossos alunos bem como capacitar, integrar e reintegrar no mercado de trabalho adultos com deficiência ou que tenham adquirido deficiência".
A acessibilidade do meio físico edificado e dos transportes são também fatores essenciais para que as pessoas com deficiência possam aceder à educação, formação e emprego. Por isso, "é necessário que as medidas e políticas na área da deficiência sejam pensadas de forma integrada, caso contrário dificilmente alguma delas se tornará efetiva", destaca Gisela Valente.
A integração de pessoas portadoras de incapacidade no mercado de trabalho implica, assim, desenvolver políticas eficazes, que sirvam empresas e trabalhadores. Para a CIP, "muito ainda há a fazer, pelo que a mera alteração da realidade por decreto não é, certamente, a opção mais realista e eficaz de alterar o paradigma que ainda se vive no nosso país".
Empresas impreparadas
A lei visa integrar pessoas que, tendo incapacidade, possam ainda assim exercer sem limitações funcionais a atividade a que se candidatam ou, apresentando limitações funcionais, essas sejam superáveis através da adequação ou adaptação do posto de trabalho e/ou produtos de apoio. Com a publicação da lei em 2019, as empresas tiveram desde então tempo para se preparem para esta integração.
Na APD, também notam que muitas empresas estão "muito desorientadas sobre como encontrar candidatos para o cumprimento das quotas ou mesmo por desconhecimento da lei". Além disso, refere Gisela Valente, "muitas não têm uma política inclusiva que favoreça candidaturas espontâneas, por exemplo, ou que promovam ações de recrutamento com uma opção de aprendizagem em contexto de trabalho". A APD reconhece, porém, que as empresas começam a perceber a necessidade de sensibilização dos seus recursos humanos, na medida em que à associação chegam cada vez mais pedidos a solicitar aconselhamento sobre as adaptações que precisam para receber candidatos com deficiência.
Do lado da CIP, não existem dados acerca da preparação das empresas para integrarem pessoas com deficiência, porém, ao Negócios é referido que "de acordo com Relatório Conjunto sobre o Emprego, adotado pelo Conselho em 14 março de 2022, o mercado de trabalho português é dos que mais integram pessoas deficientes no mercado de trabalho, sendo, neste domínio, comparado à Dinamarca e Finlândia".
Há casos em que a contratação de trabalhadores implica a necessidade de adequação ou adaptação do posto de trabalho. Em determinadas situações, é possível recorrer a apoio financeiro através do IEFP. Porém, para a CIP, "os apoios estatais existentes são pouco expressivos". Mas sublinha que "mais grave do que a pouca expressão de tais apoios é a urgência de conceber e implementar uma estratégia concertada e desenhada entre o Governo e os parceiros sociais, que permita, de forma compreensiva, estabelecer uma política coordenada de integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho".
Então, o que acontece se as empresas não cumprirem? "O não cumprimento é considerado uma contraordenação grave", refere Margarida Couto, também partner da sociedade de Advogados Vieira de Almeida. "O valor da coima varia muito em função quer da faturação da empresa, quer da circunstância de ter havido dolo ou mera negligência, de cerca de €600 até cerca de €10.000. Em caso de reincidência, pode ainda ser aplicada a sanção acessória de privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos", explica a advogada. A fiscalização estará a cargo da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho.
É preciso cortar o estigma de que as pessoas com deficiência são subsidiodependentes.
Gisela Valente
Presidente da Associação Portuguesa de Deficientes
Para Gisela Valente, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), "a criação do sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, conjuntamente com outras medidas, representa um reforço positivo na sensibilização para a igualdade de oportunidades". A responsável acrescenta que é preciso "cortar com o estigma de que as pessoas com deficiência são subsidiodependentes, que por existir uma qualquer deficiência devem ficar mais resguardadas ou simplesmente porque se considerava que não seriam capazes de exercer uma profissão". Gisela Valente
Presidente da Associação Portuguesa de Deficientes
De facto, o sistema de quotas na administração pública e agora no setor privado está a impulsionar a discussão e análise dos sistemas de gestão e recrutamento das empresas, por forma a ter em consideração as competências das pessoas e não a sua condição. Gisela Valente sublinha que esta situação "representa acima de tudo uma vitória para eliminar a desigualdade existente no acesso ao emprego entre pessoas com e sem deficiência".
Também para a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), esta lei representa uma mais-valia para as pessoas visadas, na medida em que o emprego é um instrumento de emancipação pessoal que permite independência e autonomia financeira, estatuto e participação na sociedade. Mas é igualmente importante para o país, disse ao Negócios fonte oficial da CIP: "A integração das pessoas no mercado de trabalho, sejam elas portadoras ou não de doença/deficiência, constitui o instrumento mais eficaz de combate à exclusão social e à pobreza, pelo que, na perspetiva da CIP, e tendo em conta o modelo de sociedade que defendemos, a participação de pessoas portadoras de deficiência na economia e no mercado de trabalho é de inegável importância". Além disso, no contexto de sociedade moderna que se está a construir, assente em pressupostos de desenvolvimento social das Nações Unidas, "o desenvolvimento económico e social das sociedades modernas impõe a participação de todos, incluindo, naturalmente, as pessoas portadoras de deficiência. Neste sentido, é imperativo que se assegure que as pessoas com capacidade para trabalharem e que se encontram arredadas do mercado de trabalho, sejam rapidamente aí integradas", acrescenta a CIP.
Tudo começa na educação
O acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho é uma realidade que está impregnada de muitos obstáculos, desde os primeiros passos. "O acesso ao emprego é muito mais que a candidatura e a atribuição daquele posto a uma determinada pessoa. No recrutamento e entrevista, existem dificuldades, desde o acesso ao espaço físico, à comunicação com a pessoa e à informação disponibilizada", sublinha Gisela Valente. A presidente da APD defende que é necessário haver formatos alternativos de comunicação para se poder integrar pessoas com deficiência auditiva ou visual, por exemplo. Após esta fase, existem muitas vezes desconhecimento sobre as necessidades que as pessoas com deficiência poderão necessitar para adaptar o seu posto de trabalho. "E como se considera que isto será oneroso para a empresa, opta-se por não selecionar o candidato com deficiência", refere. "No fundo, os maiores obstáculos são culturais, de acesso físicos e à informação e comunicação. Esta lei poderá ajudar à consciencialização do tecido empresarial na medida em que, mais que ver a deficiência da pessoa, se vê as potencialidades da mesma", acrescenta.
Na perspetiva da Associação Portuguesa de Deficientes, a solução tem de passar pela educação e integração. "Nenhuma destas medidas terá a necessária eficácia se não for garantido o acesso a uma educação realmente inclusiva. É fundamental que o nosso sistema de ensino e formação tenha respostas para todas as necessidades, por forma a capacitar e formar todos os nossos alunos bem como capacitar, integrar e reintegrar no mercado de trabalho adultos com deficiência ou que tenham adquirido deficiência".
A acessibilidade do meio físico edificado e dos transportes são também fatores essenciais para que as pessoas com deficiência possam aceder à educação, formação e emprego. Por isso, "é necessário que as medidas e políticas na área da deficiência sejam pensadas de forma integrada, caso contrário dificilmente alguma delas se tornará efetiva", destaca Gisela Valente.
A integração de pessoas portadoras de incapacidade no mercado de trabalho implica, assim, desenvolver políticas eficazes, que sirvam empresas e trabalhadores. Para a CIP, "muito ainda há a fazer, pelo que a mera alteração da realidade por decreto não é, certamente, a opção mais realista e eficaz de alterar o paradigma que ainda se vive no nosso país".
Empresas impreparadas
A lei visa integrar pessoas que, tendo incapacidade, possam ainda assim exercer sem limitações funcionais a atividade a que se candidatam ou, apresentando limitações funcionais, essas sejam superáveis através da adequação ou adaptação do posto de trabalho e/ou produtos de apoio. Com a publicação da lei em 2019, as empresas tiveram desde então tempo para se preparem para esta integração.
Houve felizmente alguma evolução, com uma crescente atenção das empresas a este tema.
Margarida Couto
Presidente da associação empresarial GRACE
Para Margarida Couto, presidente da associação empresarial GRACE - Empresas Responsáveis, neste período, "houve felizmente alguma evolução, com uma crescente atenção das empresas a este tema e com o lançamento de diversas iniciativas de emprego inclusivo". Porém, acrescenta que "a maior parte das empresas não estará ainda em condições de cumprir a lei". Margarida Couto
Presidente da associação empresarial GRACE
Na APD, também notam que muitas empresas estão "muito desorientadas sobre como encontrar candidatos para o cumprimento das quotas ou mesmo por desconhecimento da lei". Além disso, refere Gisela Valente, "muitas não têm uma política inclusiva que favoreça candidaturas espontâneas, por exemplo, ou que promovam ações de recrutamento com uma opção de aprendizagem em contexto de trabalho". A APD reconhece, porém, que as empresas começam a perceber a necessidade de sensibilização dos seus recursos humanos, na medida em que à associação chegam cada vez mais pedidos a solicitar aconselhamento sobre as adaptações que precisam para receber candidatos com deficiência.
Do lado da CIP, não existem dados acerca da preparação das empresas para integrarem pessoas com deficiência, porém, ao Negócios é referido que "de acordo com Relatório Conjunto sobre o Emprego, adotado pelo Conselho em 14 março de 2022, o mercado de trabalho português é dos que mais integram pessoas deficientes no mercado de trabalho, sendo, neste domínio, comparado à Dinamarca e Finlândia".
Há casos em que a contratação de trabalhadores implica a necessidade de adequação ou adaptação do posto de trabalho. Em determinadas situações, é possível recorrer a apoio financeiro através do IEFP. Porém, para a CIP, "os apoios estatais existentes são pouco expressivos". Mas sublinha que "mais grave do que a pouca expressão de tais apoios é a urgência de conceber e implementar uma estratégia concertada e desenhada entre o Governo e os parceiros sociais, que permita, de forma compreensiva, estabelecer uma política coordenada de integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho".
Então, o que acontece se as empresas não cumprirem? "O não cumprimento é considerado uma contraordenação grave", refere Margarida Couto, também partner da sociedade de Advogados Vieira de Almeida. "O valor da coima varia muito em função quer da faturação da empresa, quer da circunstância de ter havido dolo ou mera negligência, de cerca de €600 até cerca de €10.000. Em caso de reincidência, pode ainda ser aplicada a sanção acessória de privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos", explica a advogada. A fiscalização estará a cargo da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho.