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Desiree Fixler: “O problema da Europa é falta de supervisão e execução”

A aposta em ativos sustentáveis tem aumentado, reforçando a urgência de combater o “greenwashing”. Apesar de a Europa já ter alguma regulação, a especialista Desiree Fixler considera que é necessária mais supervisão e execução.

19 de Abril de 2023 às 11:00
Desiree Fixler, ativista financeira DR
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Em maio de 2022, a polícia entrou nas instalações da DWS (gestora de ativos do Deutsche Bank) para investigar uma denúncia de "greenwashing" de Desiree Fixler. Quase um ano depois, continua a arregaçar as mangas para combater o problema. Em entrevista ao Negócios por ocasião da sua participação na Grande Conferência Negócios Sustentabilidade 20|30, a ativista financeira critica os reguladores europeus pois as regulações existem, mas não funcionam por falta de supervisão e execução.

Afirmou recentemente que "uma vez denunciante, há que carregar esta bagagem o resto da vida". Quão pesada tem sido essa bagagem desde a denúncia da DWS?
No início essa bagagem é severa. É prejudicial e muda completamente a vida de uma pessoa. Ter um rótulo de denunciante de "greenwashing" tem uma conotação negativa e a maioria das empresas receiam contratar um denunciante. Sentem que este será desleal e que procurará sempre problemas para expor externamente.

Alguma vez se arrependeu da decisão que tomou?
Não, não me arrependo mesmo nada, devido ao que aprendi quando tomei a decisão de ir a público, li sobre outros casos de denunciantes (...) e com isso decidi que ia a público contar a minha história. Trabalhava há mais de 20 anos, tinha acabado de ser demitida por incompetência e não senti que fosse verdade. Além disso, também senti que a minha história precisava de ser contada para servir de lição de prudência a outros CEO e altos executivos.

Estavam todas [as empresas] a promover-se como campeãs da sustentabilidade quando não era o caso.
Acha que serviu de lição?
Sem dúvida. Penso que há muitos efeitos positivos decorrentes do caso da DWS. Embora tenha sido um acontecimento realmente negativo para mim, saíram muitas coisas boas. Havia demasiada exuberância irracional em relação às medidas ambientais, sociais e de governo corporativo [ESG, na sigla em inglês] e sustentabilidade. Estavam todas [as empresas] a promover-se como campeãs da sustentabilidade quando não era o caso. Agora as empresas estão, sem dúvida, a prestar mais atenção a este assunto.

Houve impacto na regulação?
Penso que os muitos regulamentos que a União Europeia [UE] tem emitido são muito bem intencionados, mas não foram bem pensados. São impraticáveis por serem demasiado prescritivos. Além disso, também não há supervisão e execução suficiente. Temos uma situação em que se sabe que a UE se saiu com todo um sistema de classificação de produtos de investimento ESG, mas ninguém está a supervisionar a qualidade. As autoridades de supervisão europeias nunca me contactaram, apesar de eu querer estabelecer uma ligação com elas. Esta foi uma situação em que as autoridades americanas leram sobre o caso e abriram investigações e também o regulador e a polícia federal, especificamente da Alemanha, mas as autoridades de supervisão europeias - a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados [ESMA] e a Autoridade Bancária Europeia [EBA, na sigla em inglês] - nunca me chegaram a contactar.

Porquê?
A Europa tem sido demasiado burocrática e idealista com o seu plano de ação das finanças sustentáveis. Penso que não têm trabalhado o suficiente com as empresas. Recebo de braços abertos um regulador que instrui as empresas no sentido de fornecerem uma melhor divulgação de riscos e ferramentas financeiras, mas todo este conceito em que a Europa passou a forçar as empresas a informar sobre o seu impacto na sociedade é impraticável.

Acredito que o regulamento SFDR permitiu ainda mais ‘greenwashing’.
E a nova diretiva da UE que obriga as empresas a fazerem relatórios sobre a sua situação em termos de sustentabilidade pode funcionar?
Não vai funcionar. A "sustainable finance disclosure regulation" [SFDR] não funcionou e esta "corporate sustainability reporting directive" [CSRD] também não vai funcionar. O problema da Europa é que, apesar de emitir muita regulação, há falta de supervisão e de execução. A pequena porção de regulação que tem saído, tem sido absolutamente desastrosa e fico feliz por ser citada a dizê-lo. Aliás, na realidade, acredito que o SFDR foi um regulamento mais de divulgação e que permitiu ainda mais "greenwashing". Foi um exercício em que a forma se sobrepôs à substância em vez de a substância se sobrepor à forma e acredito que a CSRD vai ser a mesma coisa.

Há proteção suficiente dos denunciantes por parte dos reguladores europeus?
Existe agora uma nova diretiva de denunciantes na União Europeia, embora não tenha sido adotada na Alemanha. Portanto, isso é um problema. No entanto, alguns dos Estados-membros já adotaram essa diretiva, o que é muito bom. Aliás, é o mais importante.

Esta denúncia mudou a sua carreira. Em que trabalho se tem focado?
Trabalho com instituições financeiras para as ajudar com estruturas de governo corporativo. Ajudo-as com o desenvolvimento de produtos para assegurar que as suas medidas ESG são exatas e estão em conformidade com a regulação. Também fui nomeada conselheira sénior do regulador financeiro do Reino Unido, a Financial Conduct Authority [FCA]. Além disso, também fui nomeada conselheira da Autoridade Monetária de Singapura, que é simultaneamente um regulador financeiro, mas também é um banco central.

Vai continuar a trabalhar com reguladores ou pensa a certa altura virar-se mais para as empresas?
Quero trabalhar com ambas as partes. Eu tenho uma posição única em que vi em primeira mão como é que o "greenwashing" acontece e como se parece. Tem sido bastante mau para mim, mas posso dizer que, pelo menos, é útil para ajudar a combatê-lo.
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