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Promover o financiamento sustentável

A taxonomia climática traz novas obrigações às empresas. E se a diretiva apenas “obriga” as organizações de grandes dimensões, as PME vão ser “incentivadas” a seguir pelo mesmo caminho. Muito antes das datas definidas pela legislação.

10 de Abril de 2024 às 14:10
Diretiva europeia impõe-se às empresas de maior dimensão, mas acabará por arrastar também as pequenas empresas fornecedoras.
Diretiva europeia impõe-se às empresas de maior dimensão, mas acabará por arrastar também as pequenas empresas fornecedoras. Yves Herman/Reuters
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A aposta da Comissão Europeia na sustentabilidade não é algo novo, mas a verdade é que as regras definidas pelo órgão europeu são cada vez mais estritas e claras. Uma delas é a taxonomia climática, uma “taxa” que, explica Sofia Santos, economista especializada em financiamento verde e fundadora da Systemic, “traz novos indicadores que pretendem transmitir de que forma a empresas está alinhada com a descarbonização para 2050”.

Por outras palavras, as empresas vão ter de reportar qual é a percentagem de volume de vendas, percentagem de CAPEX e percentagem de OPEX que estão alinhados com os critérios ambientais definidos a nível europeu. Na prática, explica a executiva, trata-se de um conjunto de novos indicadores para os quais as empresas terão de criar processos internos para conseguirem reportar anualmente.

Já a PwC refere que “é um sistema de classificação de atividades “verdes” que traduz os objetivos climáticos e ambientais da União Europeia (UE) em critérios objetivos”. A consultora acrescenta que o regulamento estabelece os requisitos obrigatórios em termos de divulgação, em linha com o objetivo de proporcionar transparência ao desempenho ambiental.

Em primeiro lugar, as grandes empresas financeiras e não financeiras abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva de relato não financeiro terão de divulgar em que medida as atividades que exercem cumprem os critérios definidos na taxonomia da UE.

O principal objetivo com estas medidas, aponta Sofia Santos, é o de incentivar as empresas a realizarem investimentos que acelerem a sua transição climática e incentivar os bancos e investidores a financiarem empresas que querem fazer esta transição e as empresas que já são mais verdes.

No fundo pretende-se desenvolver a implementação de estratégias, processos e investimentos que possam acelerar a descarbonização da economia e também que ajudem as empresas a adaptarem-se aos impactos que o aumento da temperatura vai ter”, conclui a responsável da Systemic.

O Parlamento Europeu é muito claro sobre este tema. A instituição não só afirma que para atingir o objetivo definido – zero emissões líquidas até 2050 – a União Europeia terá de investir em novas tecnologias, como refere que o investimento público não será suficiente e os investidores privados terão de intervir para financiar projetos favoráveis ao clima. O que “requer critérios claros sobre o que é considerado exatamente como “sustentável” e “amigo do ambiente”; caso contrário, algum financiamento poderá ser orientado para projetos de “ecobranqueamento” e afirmam ser “verdes”, mas que na realidade não o são”.

Talvez um dos pontos mais importantes no documento aprovado pelo Parlamento Europeu se prenda com o princípio de “não prejudicar significativamente”. Um princípio que estabelece que uma atividade económica que cause mais danos ao ambiente do que benefícios não pode ser classificada como sustentável. Por outro lado, “as atividades ambientalmente sustentáveis devem igualmente respeitar os direitos humanos e laborais”.

Monitorizar as emissões de carbono: por onde começar?

A grande questão, quando se trata de implementar este conjunto de critério é: por onde começar? Sobre isso Sofia Santos é categórica: “As empresas primeiro têm de ver se as suas atividades estão inseridas na taxonomia”, acrescentando que é preciso fazer uma procura exaustiva, pois, por exemplo, as atividades turísticas têm critérios na taxonomia, apesar de por vezes se pensar que não têm.

Caso a atividade em causa se insira na taxonomia , “então têm de ler as secções da taxonomia que dizem respeito à sua atividade e responder às questões que estão lá identificadas”, aponta Sofia Santos, que acrescenta que o processo é complexo, mas colocar uma pessoa da área da engenharia do ambiente a trabalhar com alguém da área da gestão ou economia consegue solucionar a questão.

E, principalmente, tentar não cometer erros. Sendo que o principal, segundo a executiva da Systemic, é o querer reportar um valor de alinhamento elevado. “É normal que as percentagens de alinhamento sejam baixas. O que é importante é a empresa evidenciar um compromisso e investimentos para realizar a transição”, explica.

Mas há um ponto positivo. Este ano apenas as empresas cotadas em bolsa têm de reportar estes rácios. “Os bancos têm de reportar a percentagem de empréstimos às grandes empresas que estão alinhados com a taxonomia. As grandes empresas terão de reportar em 2026, face aos dados de 2025.

Como calcular as emissões

O cálculo pode parecer complicado, mas há uma empresa portuguesa que encontrou uma forma de facilitar o trabalho às organizações. Como explica Filipe Silva, Sustainability Expert na Valant, a empresa ajuda as organizações a coletar os dados e utilizá-los nas respetivas obrigações, através de ferramentas informáticas. Na prática as ferramentas vão importar todos os dados referentes ao ESG e depois fazer o reporte. No caso da Valantic, a empresa utiliza o software da SAP, com templates pré-feitos – mas há software de outras marcas e até mais acessível.

Filipe Silva reconhece que esta é uma situação muito complexa, sendo que “é necessário um conhecimento bastante técnico para perceber o que é que é preciso”.

Portugal tem um desafio extra. O tecido empresarial português não é, para já, o principal alvo da diretiva, mas as regras também terão impacto no seu negócio. O executivo da Valantic usa o caso da Autoeuropa para explicar que um pequeno fornecedor não é, para já, obrigado a recolher e fazer o reporte, pela diretiva, mas, provavelmente, será “obrigada” pela empresa. Isto porque a Autoeuropa, ao ter de fazer o reporte, vai ter de solicitar a informação aos seus fornecedores. Informação que não pode ser apresentada num Excel. Ou seja, qualquer micro ou pequena empresa que seja fornecedora de uma grande organização acaba por ter de se antecipar na recolha e reporte destes dados.

Na mesma linha Sofia Santos refere que as PME não são obrigadas por regulamento europeu a divulgar o seu alinhamento com a taxonomia, mas vão ter os clientes, bancos e financiadores a pedir por essa informação. Pelo que “faz sentido desenvolverem estes cálculos”. Sobre a forma como o fazer, a responsável da Systemic aconselha a que as PME criem uma pequena equipa de trabalho interna e ter dois estagiários recém-licenciados (engenharia e economia/gestão) a ajudar a empresa a desenvolver estes cálculos e processos internos. E acrescenta que se espera que surjam apoios no âmbito do Compete para ajudar as PME nestas áreas.

Observado o mercado no geral Filipe Silva acredita que “vamos caminhar para uma taxação pela poluição e pelo impacto no ambiente que cada empresa produz”. Agora há algo que é necessário entender. Este é um caminho sem retorno. E é algo muito técnico, que vai implicar dar formação às pessoas, como aponta Filipe Silva que acrescenta que isto vai originar um acréscimo nos custos das empresas, o que, em última instância também se vai refletir num incremento dos preços. Mas, aponta “também é verdade que a União Europeia tem desenvolvimento financiamentos para este tipo de transformações”. As empresas, refere, têm de estar atentas aos programas existentes para, pelo menos no arranque, terem financiamento.

Apesar de tudo o executivo da Valantic considera que as empresas deverem considerar esta transição como uma oportunidade estratégica. Como uma forma de se posicionarem no mercado de forma a terem um potencial que não tiveram até hoje. Principalmente ao nível da sua internacionalização. Na prática deve-se ver a” sustentabilidade não como uma obrigação, mas como algo estratégico para se diferenciar dos concorrentes”.

 

Objetivos da taxonomia da UE a) A mitigação das alterações climáticas (evitar ou reduzir as emissões de gases com efeito de estufa ou aumentar a eliminação de gases com efeito de estufa);

b) A adaptação às alterações climáticas (reduzir ou prevenir os impactos adversos no clima atual ou futuro, ou nos riscos de tais impactos adversos);

c) A utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos;

d) A transição para uma economia circular (com ênfase na reutilização e reciclagem de recursos);

e) A prevenção e o controlo da poluição;

f) A proteção e restauração da biodiversidade e dos ecossistemas.

 

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