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“Paris não cumpre Paris”

O presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável considera que o mundo enfrenta várias lacunas no que respeita ao combate às alterações climáticas. Metas desajustadas, compromissos falhados e um mundo mais problemáticos está a atirar-nos “para fora de pista” da Agenda 2030.

31 de Outubro de 2022 às 16:30
Jorge Moreira da Silva: “Paris não cumpre Paris”
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Apesar de toda a narrativa sobre objetivos de neutralidade carbónica que acontece um pouco por todo o lado, com objetivos de sensibilização, de base científica, de ativismo e de mobilização do setor empresarial já alcançados, Jorge Moreira da Silva, presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável, considera que o mundo enfrenta três grandes lacunas no que respeita ao combate às alterações climáticas. "Ao nível da ambição, Paris não cumpre Paris", referiu o keynote speaker do painel sobre "Descarbonizar a Indústria - o Desafio da Guerra", na conferência dedicada ao ambiente do Ciclo de Conferências ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu a 20 de outubro, na Estufa Real, em Lisboa. E tal acontece porque o Acordo de Paris pressupõe que se limite a temperatura a 1,5 graus, "mas se somarmos todas as metas que os países apresentaram, incluindo Portugal, isso vai dar um aumento das emissões que correspondem a um aumento da temperatura de 2,7 graus. Portanto, aquilo com que nos comprometemos, em 2015, não é consistente com aquilo que foi, entretanto, apresentado nos vários países nos últimos anos", explicou.

Em segundo lugar, destacou Jorge Moreira da Silva, as metas para neutralidade carbónica deveriam ser mais concretas para os próximos oito anos, em vez de apontarem genericamente para 2050, "porque aquilo que não fizermos nos próximos oito anos vai determinar a incapacidade de atingirmos a naturalidade carbólica em 2050". E acrescentou: "A verdade é que essas metas não batem certo. Temos uma centena e meia de países com neutralidade carbónica assumida no discurso, nos programas, nos seus roteiros, mas depois tentamos ver o que dizem as contribuições nacionais que são apresentadas, em Paris, em Glasgow, e o que nos dizem é que vamos ter um aumento das emissões de 13,6%, quando era suposto termos uma redução de 45%". Nesta linha, sublinhou que "não me conformo com um discurso sobre sustentabilidade e alterações climáticas falando de 2050".

Temos uma centena e meia de países com neutralidade carbónica assumida no discurso, nos programas, nos seus roteiros, mas depois tentamos ver o que dizem as contribuições nacionais que são apresentadas, em Paris, em Glasgow, e o que nos dizem é que vamos ter um aumento das emissões de 13,6%, quando era suposto termos uma redução de 45%. Jorge Moreira da Silva
presidente da Plataforma para o Crescimento Sustentável
O terceiro gap que identifica neste combate tem a ver com solidariedade. "Isto não vai funcionar se continuarmos a faltar à convocatória da solidariedade internacional", destacando que os países mais pobres enfrentam várias fragilidades e conflitos e que a pandemia atirou para a pobreza extrema mais 100 milhões de pessoas. "Isto coloca-nos fora de pista para erradicar a pobreza até 2030", conforme dita o primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

Os países pobres são também aqueles que mais dificuldade têm em enfrentar as consequências das alterações climáticas. Uma vez que 85% dos pobres vivem nos 21 países mais ameaçados pela mudança climática, esses países precisavam que "pelo menos os compromissos que foram assumidos em Copenhaga fossem cumpridos, e não foram", referindo-se aos 100 mil milhões de dólares de dinheiro público que deveriam ser entregues anualmente aos países em vias de desenvolvimento, para os ajudar na transformação sustentável, mas cuja verba não é totalmente entregue. Portanto, "mesmo que descarbonizemos tudo a norte, isto não vai bater certo se não ajudarmos os países em vias de desenvolvimento", sublinhou.

Reverso da medalha é positivo

Apesar desta contextualização sombria, Jorge Moreira da Silva mostra-se positivo perante as evidências que demonstram que a transformação sustentável é positiva e traz resultados, inclusive económicos, tanto a nível público como privado. "Sabemos hoje que a descarbonização vai gerar um acréscimo no PIB de 5% até 2050, sabemos que só nas energias renováveis podemos ter quatro vezes mais postos de trabalho até 2030, podemos ter 380 milhões de novos postos de trabalho associados aos 17 ODS, e que as metas europeias estão a criar um contexto em que não assumir isto como prioridade perderá", referiu.

Substituir as energias fósseis por energias verdes surge assim como uma oportunidade para os vários "players" da economia e sociedade e essa deve ser a prioridade para qualquer área de atividade, canalizando para lá investimento.

Jorge Moreira da Silva ressaltou também a necessidade de criar um mercado de carbono eficaz. "Precisamos de um mercado global de carbono, não podemos ter apenas um mercado europeu", defendeu, acrescentando que "temos de criar as condições para que o CO2 seja uma commodity global, que seja internalizada em todos os produtos e a todos os serviços".
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