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Cargo: CEO e cofundador da Powerdot (desde 2019); Portugal Market Lead da Lime (2018-19); gestor operacional da Uber (2015-17)
Formação: Mestrado em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico (2009-15)
Como surgiu esta ideia da Powerdot?
Quando começamos a Powerdot já éramos utilizadores de veículos elétricos e eu tinha a experiência de lançar e gerir, entre 2015 e 2016, o projeto Uber Green em que as pessoas podem pedir um carro 100% elétrico. Sentimos que as pessoas consideravam que os carros elétricos tinham imensas vantagens, porque eram sustentáveis, silenciosos e divertidos de conduzir, pela sua aceleração e força. Mas, quando perguntávamos qual era o próximo carro que iam comprar, não era um elétrico. E porquê? A resposta estava sempre relacionada com o carregamento, ou não sabiam onde carregar, ou porque não havia carregadores ou não sabiam a diferença entre um carregador rápido e um lento ou ainda quanto e como se paga. As pessoas estavam muito habituadas ao conceito de encher um depósito de gasolina...
… Que é super-rápido.
Exatamente. Estava a haver um investimento em carregadores, mas muito ao nível das autoestradas, focados no conceito da bomba de gasolina do futuro. Mas nós vamos à bomba de gasolina porque temos de lá ir. E vimos nos elétricos o potencial de o carregarmos em todos os sítios onde vamos e paramos o nosso carro, porque a eletricidade está em todo o lado. Então vamos pôr carregadores nos sítios onde as pessoas vão e passam o seu tempo, como centros comerciais, supermercados, farmácias, restaurantes, hotéis... Criámos este conceito com a Powerdot, um negócio inovador, que hoje até tem um nome, o ‘destination charging’ ou carregamento no destino. Começámos a trabalhar com retalhistas, proprietários dos espaços onde as pessoas passam tempo. A Powerdot investe, instala e opera carregadores nos parques de estacionamento destes retalhistas, o que lhes permite oferecer este serviço sem qualquer investimento. Éramos os únicos no mercado a fazer isto e crescemos muito rápido.
Estão já em cinco mercados, se incluirmos Portugal. A expansão começou por onde?
Começou em Portugal e expandimos muito rápido. Em apenas um ano e meio, tornamo-nos líderes de mercado. Decidimos a expansão internacional para aí um mês antes da pandemia, mas não interrompemos a estratégia. Dificultou-nos as viagens, mas conseguimos. Espanha foi uma expansão natural de Portugal, porque os proprietários de espaços comerciais com quem já trabalhávamos cá, estavam também em Espanha. França foi uma grande aposta, porque o retalho está muito integrado na vida das pessoas. A Polónia vem mais tarde, mas hoje já com uma presença muito forte.
A entrada na Polónia foi facilitada pelo facto de a Jerónimo Martins ter ali uma presença importante?
Foi inspirador para nós o facto de a Jerónimo Martins ter conseguido criar o maior retalhista da Polónia. Foi a primeira empresa com quem falámos e os 600 supermercados da Biedronka têm carregadores da Powerdot em construção ou já ativos.
Até pode discordar, mas as queixas das pessoas sobre os carros elétricos parecem ser as mesmas que identificaram em 2019, o problema do carregamento.
Vou aproveitar para discordar. As pessoas com mais críticas à rede de carregamento e à forma de carregar são, normalmente, detentores de carros a gasolina ou a gasóleo. Isto não quer dizer que não haja oportunidades de melhoria, porque há. Mas já é possível ir de Norte a Sul do país e carregar o carro sem ter sequer de olhar para uma aplicação para saber onde há carregadores.
De facto, estamos habituados à experiência da bomba de gasolina. Mas se o carro carregar nos sítios onde já vai, o que quer é um carregador que leva o tempo que vai estar naquele sítio. Se vai ao supermercado onde vai estar 40 minutos, não quer carregar o carro em dez minutos. Se formos carregando o carro na maior parte dos sítios onde vamos, o carregador é que tem de se adaptar ao tempo que vou lá estar. Quando era jovem, em minha casa havia um sítio da casa onde havia um telefone e tinha de me deslocar até ali para fazer o telefonema. Hoje o telemóvel está no meu bolso e fazer uma chamada é uma experiência integrada na minha vida. Acreditamos que carregar um carro elétrico vai ser tão fácil como carregar o telemóvel.
Parece existir uma vantagem para as empresas terem carros elétricos, mas na logística torna-se difícil. Como se pode contornar isso?
As empresas de logística, ao comprarem veículos elétricos, têm de adaptar a sua operação a esta nova tecnologia. E vão perceber que lhes permite ter grandes eficiências nos custos. Não há razão nenhuma, não há nenhuma desculpa, para não ter um carro elétrico. As mentalidades demoram sempre mais tempo a adaptarem-se do que a tecnologia em si.
O biocombustível não vai conseguir desafiar os veículos elétricos?
Já houve discussão sobre isso. Em 2010-2011 havia a discussão de qual seria a tecnologia que iria vingar para descarbonizar o transporte. E entendeu-se que seria o elétrico. Primeiro, o biocombustível é falso, produz CO2 na mesma.
Mas a ideia é que é neutro, captura o CO2 que emite.
Exatamente. Mas apesar de ser neutro carbonicamente, as cidades não deixam de estar altamente poluídas, com graves consequências na saúde pública. Mas o ponto mais importante tem a ver com a eficiência dos veículos. Um carro elétrico tem uma eficiência à volta de 80% – ou seja, desde a produção de energia até fazer uma roda girar, apenas se perde 20% da energia. Num carro a combustão, 80% da energia é perdida.
Um dos contra-argumentos é que o veículo elétrico pode ter uma pegada global maior por causa das baterias, havendo ainda a exploração de lítio. Será que estamos a medir bem a sua pegada?
São preocupações superimportantes. Qualquer transporte vai ter impacto ambiental. No entanto, o carro elétrico é o que tem o menor impacto ambiental. As maiores críticas têm a ver com as baterias. Mas já começam a existir casos de uso muito concretos. Por exemplo, o estádio de futebol do Ajax, em Amesterdão, é alimentado a baterias em segunda mão de antigos Nissan Leaf, o primeiro carro elétrico de ‘mass market’, que apareceu em 2010-2011. Com o aumento dos veículos elétricos e das baterias em segunda mão, vão aparecer mais oportunidades. Porque as baterias, apesar de já não serem ótimas para um carro, são-no para outros casos.
E a indústria automóvel europeia vai ser capaz de dar este salto para o veículo elétrico?
As características dos automóveis europeus não são tão ótimas como a sua concorrência, nomeadamente quando estão a competir contra soluções americanas – como a Tesla – ou as que estão a aparecer na China. As empresas europeias começaram bastante mais tarde este processo de inovação. Mas credito que vamos lá chegar.
Qual é o vosso investimento a três anos de expansão da rede?
Nos próximos três anos temos previsto investir cerca de 260 milhões de euros em carregadores para veículos elétricos nos mercados onde estamos. Somos o maior operador a nível europeu, com cerca de quinze mil pontos de carregamento e, com este investimento, vamos chegar aos vinte mil. A nível europeu estamos a falar de 900 mil pontos de carregamento. A rede é suficiente para a procura que existe e o seu desenvolvimento vai gerar mais confiança, para as pessoas se decidirem por um elétrico quando comprarem um carro novo.
Que impacto é que pode ter a guerra comercial? Ou as tarifas sobre os carros elétricos chineses?
As tarifas são uma má medida. Não podemos ter objetivos de descarbonização e de venda de carros elétricos e depois aplicar tarifas, fazendo com que os preços sejam mais altos e o carro elétrico seja menos competitivo. Somos completamente contra as tarifas sobre os veículos chineses. Estamos a tentar resolver um problema com impostos, em vez de usar a inovação. Até porque essa medida só se aplica aos carros elétricos, e não aos híbridos, o que é irónico. Mas acreditamos que a tendência de vendas não vai parar, pelo contrário. Em 2024, em todos os mercados onde a Powerdot opera, a venda de veículos elétricos aumentou entre os 5% e os 25%. O número de modelos – chinês, americano e também europeu – está a fazer com que haja muito mais oferta e as pessoas podem escolher mais tipos de carros. E os preços estão a baixar, porque os preços das baterias também estão a diminuir significativamente. Esta oferta vai fazer com que o carro elétrico seja um produto mais atrativo para os consumidores e haja um aumento natural das suas vendas.
Mas não é preciso proteger um bocadinho a Europa do impacto que a redução das vendas de automóvel pode ter?
A forma de proteger a Europa é investindo em inovação. É preciso que os grandes produtores europeus criem carros que as pessoas querem comprar, com preços que podem pagar. E que tentem compensar os 5 a 7 anos perdidos. Temos muita confiança na capacidade dos produtores europeus. Já provaram no passado que conseguem construir os melhores carros do mundo. É uma questão de tempo.
O mundo está a mudar e perspetiva-se um tempo de países mais fechados e de guerras comerciais. Que desafio é que isto representa para a Powerdot?
O nosso negócio depende de as pessoas conseguirem trocar de carro, pagar pelos seus carregamentos e de conseguirem priorizar a sustentabilidade nos seus custos mensais. Vemos com preocupação a estagnação da economia europeia. Ainda assim, temos visto sinais muito positivos no crescimento do mercado da mobilidade elétrica. Estamos muito positivos e confiantes sobre o seu futuro.
Mesmo em França, um país com uma crise mais financeira?
Principalmente em França. As vendas de carros elétricos em França, em 2024, cresceram 15%, alinhado com Portugal.