Outros sites Medialivre
Notícia

Recuo dos EUA dá espaço à banca europeia na aliança

A saída de bancos norte-americanos da Aliança da Banca para a Neutralidade Carbónica reduz a força da coligação, mas não terá impacto nas metas de sustentabilidade dos bancos europeus. É até uma oportunidade para a Europa liderar a transição, acreditam os especialistas.

Com a saída dos pares norte-americanos, os bancos europeus têm agora uma oportunidade de liderança da aliança do setor para o clima.
  • Partilhar artigo
  • ...

Com a saída dos pares norte-americanos, os bancos europeus têm agora uma oportunidade de liderança da aliança do setor para o clima.

Dias antes da tomada de posse do Presidente dos EUA, Donald Trump, vários bancos norte-americanos alinharam o seu comportamento no que toca a metas de sustentabilidade e deixaram de estar na Aliança da Banca para a Neutralidade Carbónica (NZBA, na sigla em inglês). Contudo, os especialistas ouvidos pelo Negócios antecipam que não haja impacto para a banca europeia. E, apesar de a própria aliança sair enfraquecida, é uma oportunidade para a Europa assumir a liderança.

20%Ativos
A aliança da banca para a neutralidade carbónica perdeu 20% dos seus ativos, com a saída de bancos dos EUA.

Foi criada em 2021, antes da conferência anual das Nações Unidas para o Clima (COP26), e chegou a ser a maior coligação mundial de instituições financeiras na transição da economia para um cenário de emissões zero até 2050. Com a saída de gigantes norte-americanos como o JPMorgan, Bank of America, Wells Fargo ou Morgan Stanley a aliança perde 20% dos seus ativos e 5% dos mais de 140 membros. O efeito alastrou-se e chegou também aos maiores bancos do Canadá. Apesar de não terem dado uma explicação para a saída, as instituições financeiras nos Estados Unidos têm sido alvo de investigações e processos judiciais por parte de republicanos por seguirem uma agenda de sustentabilidade. E com o regresso de Trump essa narrativa ganhou nova força.

Só que importa não esquecer que “a agenda climática é também uma agenda de competitividade”, diz ao Negócios Filipa Saldanha, diretora de sustentabilidade do Crédito Agrícola – um dos bancos portugueses na aliança, juntamente com a Caixa Geral de Depósitos –, para explicar que esta é uma das razões para os bancos continuarem a financiar investimentos sustentáveis. Até porque muitos deles “são muito viáveis do ponto de vista económico”.

Por vezes, é mais importante seguir o dinheiro do que o que se diz.António Baldaque da Silva
Diretor executivo do Center for Sustainable Finance da Católica

É justamente por isso que António Baldaque da Silva, diretor executivo do Center for Sustainable Finance da Católica, está mais cético e atribui menos importância a esta aliança. Apesar de reconhecer o impacto negativo das saídas admite que tem existido “uma mudança de estratégia” e que “o capital que está a ser alocado à transição climática, nomeadamente na energia, tem crescido significativamente de ano para ano”. O antigo fundador e diretor global do Sustainability Lab da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, refere ainda que “por vezes, é mais importante seguir o dinheiro do que o que se diz”.

“Oportunidade” para os bancos europeus

Se este pode ser considerado um passo atrás no caminho da neutralidade carbónica é, ao mesmo tempo, uma “oportunidade” para outros bancos subirem ao pódio. “É um motivo muito grande para reforçar a liderança dos 80 bancos europeus”, acredita Filipa Saldanha. A responsável do Crédito Agrícola relembra ainda que a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2017 teve impactos negativos para o financiamento climático, mas, ao mesmo tempo, “assistimos a uma corrida pela liderança da transição energética por parte da China e da União Europeia”.

Por outro lado, Sofia Santos, CEO da Systemic, admite que “o cumprimento das exigências definidas pelo Banco Central Europeu poderão ver os prazos dilatados”, mas não antecipa mudanças de maior dimensão. A responsável da consultora especializada em sustentabilidade e financiamento climático realça ainda que uma saída dos bancos da Aliança da Banca para a Neutralidade Carbónica “não significa que deixem de incluir os riscos climáticos na sua gestão de carteiras”, tal como estar na aliança “também não significava que esse compromisso se iria concretizar, pelo menos na velocidade desejada”. A justificação é, por isso, atribuída ao “enquadramento institucional político atual”, ao invés de uma falta de compromisso com a sustentabilidade.

O diretor do Center for Sustainable Finance da Católica corrobora esta visão e prevê que os bancos europeus tenham dois caminhos. “Ou continuam numa aliança que é mais fraca, em que a maior parte dos concorrentes saiu e que até pode ser entendida como vazia, ou saem da aliança e ela deixa de ter grande preponderância”, afirma. Mas, independentemente do que aconteça, o certo é que não é esperado que essa decisão altere de forma material “a forma como os bancos estão a pensar na alocação de capital” e as “tendências de longo prazo”.

A mesma justificação é dada relativamente à presença de apenas dois bancos portugueses na Aliança da Banca para a Neutralidade Carbónica. “Em que é que isso alterou as práticas do banco ou a estratégia do banco em termos de sustentabilidade?”, atira. “Tenho uma visão mais pragmática, porque todos os maiores bancos têm políticas de sustentabilidade que provavelmente variam zero, independentemente de estarem na aliança”, diz António Baldaque da Silva.

A regulamentação europeia é outro dos fatores que blinda os bancos europeus de uma fuga às metas de neutralidade carbónica, que podia acontecer por contágio dos pares norte-americanos. “Os bancos estão mais preocupados com a legislação europeia do que o que se faz na aliança e estão quase obrigados pela Comissão Europeia a cumprir um conjunto de metas de sustentabilidade”, detalha o responsável do Center for Sustainable Finance da Católica.

Ao abrigo do pilar 3, a Autoridade da Banca Europeia (EBA, na sigla em inglês) exige que sejam incluídos nos planos de transição dos bancos um conjunto de setores considerados carbono intensivos como os combustíveis fósseis, indústria química, automóvel e extrativa, especifica a diretora de sustentabilidade do Crédito Agrícola. Mas há bancos para os quais “a exposição a estes setores não é material” e a aliança pode servir de “complemento estratégico de combate à crise climática”, acrescenta.

Mais notícias