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Os CEO também sofrem de ansiedade

Numa perspetiva de sustentabilidade das empresas, a saúde mental entra na componente social do ESG como um risco empresarial que deve ser gerido de forma eficaz. A começar pela eliminação do estigma associado a situações de ansiedade, burnout ou depressão.

Sónia Santos Dias 21 de Fevereiro de 2024 às 13:30
Os CEO estão particularmente em risco de desenvolverem uma patologia mental, diz a Ordem dos Psicólogos. DR
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No atual cenário empresarial competitivo e acelerado, os líderes de empresas assumem uma vasta série de responsabilidades. Espera-se que tomem decisões críticas, façam a gestão de equipas, cuidem do crescimento da empresa e impulsionem o sucesso organizacional. Tarefas exigentes e de grande desgaste. Porém, a saúde mental dos executivos é frequentemente esquecida, o que pode dar origem a situações de ansiedade, burnout ou depressão, como as manifestações mais comuns. "Quando tive o primeiro ataque de pânico achava que não tinha nada a ver comigo. Não podia ter uma doença mental, não encaixava com a imagem que tinha de mim própria", começa por contar Anabela Figueiredo, presidente da MindAlliance Portugal, uma aliança pela saúde mental nas empresas ao nível dos CEO, criada e dirigida por esta antiga gestora do setor financeiro com passagem pelo HSBC, em Londres, e pelo Novo Banco, em Lisboa.

"Felizmente consegui superar com apoio médico e considero-me hoje uma sortuda. Quero que todos possam ter essa mesma sorte. A sorte de ter um local de trabalho que serve de refúgio, tal como eu tive quando estive mal, e não locais de trabalho que continuem ou agravam as doenças mentais", acrescenta, sendo este o motivo que a levou a trazer para Portugal esta organização internacional focada na promoção de ambientes de trabalho mentalmente saudáveis. A MindAlliance Portugal reúne atualmente um grupo de CEO e administradores executivos de 12 grandes empresas portuguesas, entre as quais, os CTT, VdA, Santander, Fidelidade e Ageas.

No que toca aos executivos de topo, um estudo publicado na Harvard Business Review, em maio de 2023, revelou que cerca de 50% sofrem níveis significativos de stress, um número ligeiramente superior ao dos trabalhadores em geral, sendo que um em cada cinco executivos apresenta níveis de stress considerados elevados ou extremos. A mesma publicação revela que os executivos hesitam frequentemente em procurar ajuda devido ao receio do estigma e das potenciais consequências negativas para as suas carreiras.

Há um estigma, em geral, no que diz respeito à saúde mental nas empresas. É um tema de que só há pouco tempo se começou a falar em Portugal e no mundo. Anabela Figueiredo
Presidente da MindAlliance Portugal
São conhecidas algumas exceções de CEO que vieram a público confidenciar que sofreram de algum problema mental, como António Horta Osório, que sofreu um esgotamento quando estava à frente do Lloyds Bank, ou o advogado João Vieira de Almeida, que sofreu de depressão. "Há um estigma, em geral, no que diz respeito à saúde mental nas empresas. É um tema de que só há pouco tempo se começou a falar em Portugal e no mundo, pelas mais diversas razões, como se fosse uma fraqueza que tem de se esconder dos outros, sejam CEO, diretores ou colaboradores em geral", sublinha a presidente da MindAlliance Portugal.

Ainda assim, segundo a Ordem dos Psicólogos (OP), está a registar-se uma consciencialização crescente, bem como um aumento das incidências e da procura de profissionais de saúde mental nos últimos anos, com esta procura a crescer na ordem dos 30%.

Para Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos, os CEO estão particularmente em risco de desenvolverem uma patologia mental, pois "o tipo de funções que exercem são funções em que estão sujeitos a lidar permanentemente com níveis de stress elevadíssimos". Além disso, dadas as várias incertezas que caracterizam o mundo atual, "os contextos onde hoje em dia as organizações funcionam são crescentemente mais incertos e voláteis", fazendo com que "automatismos que nos permitem lidar com a incerteza e a volatilidade estejam a ser permanentemente ativados e nós não evoluímos enquanto espécie à velocidade necessária para adequarmos estes automatismos a esta realidade, porque estão desenhados para responder de forma mais espaçada a situações de perigo e não todo o dia e a toda a hora", explica o bastonário.

Um risco empresarial

Quanto a impactos financeiros, segundo os últimos dados apurados pela OP, os custos da perda de produtividade das empresas portuguesas causadas pelo absentismo e "presentismo" (estar presente, mas produzir abaixo das capacidades) devido ao stress e problemas de saúde psicológica passaram de 3,2 mil milhões de euros em 2020 para 5,3 mil milhões em 2022. No total, a perda de produtividade pode custar às empresas portuguesas até 1,4% do seu volume de negócios.

Por outro lado, a prevenção e a promoção da saúde psicológica e do bem-estar nas empresas portuguesas podem reduzir as perdas de produtividade, pelo menos, em 30% e numa poupança de cerca de 1,6 mil milhões de euros por ano. Por isso, "é urgente adotar comportamentos, partindo da liderança, para procurar ajudar a resolver um problema que é de todos", sublinha Anabela Figueiredo.

Da mesma forma que os conselhos de administração abordam outros riscos empresariais, é importante que tratem a saúde mental, incluindo a saúde mental dos diretores executivos e da sua equipa executiva. Numa perspetiva de sustentabilidade das empresas, a saúde mental entra na componente social do ESG (ambiental, social e governação, na sigla em inglês) como um risco empresarial que deve ser gerido de forma eficaz.

Para o bastonário da OP, "a prioridade das organizações deve estar na prevenção dos riscos psicossociais do trabalho". Por duas razões: "Uma é a preocupação, que deve ser genuína, com a saúde dos seus trabalhadores, incluindo e à cabeça as suas lideranças, e também porque se não o fizerem estão a perder dinheiro em produtividade e na competitividade para vincularem o talento à sua organização", nomeadamente porque as novas gerações colocam a saúde mental na sua lista de prioridades.

De uma forma geral, sublinha Anabela Figueiredo, há já estratégias estudadas e aplicadas noutros países que podem ser adotadas em Portugal. Passando, por exemplo, "pela sensibilização para a saúde mental e para reduzir o estigma através de campanhas educativas, com informações sobre a forma de gerir o stress e o bem-estar mental, oferecendo formação aos colaboradores e aos gestores para o reconhecimento de sinais de problemas de saúde mental". Mas, acima de tudo, "o que terá maior impacto será transformar a cultura organizacional e a liderança das empresas para melhorar a segurança psicológica e o bem-estar no local de trabalho", acrescenta a responsável.

Em termos de sinais de alerta, Francisco Miranda Rodrigues destaca a qualidade do sono como "uma questão crítica". Acresce a falta de cuidado com a alimentação manifestada em falta de apetite ou compensações com alimentos de conforto. A falta de tempo para o exercício físico e a irritabilidade desadequada são outros sinais de alerta. "Alterações naquilo que é o nosso padrão são sinais de alerta a que devemos estar atentos e é precisamente sobre eles que devem incidir as principais preocupações de atuação", sintetiza. De forma a promover a literacia sobre esta temática, a OP disponibiliza o site maisprodutividade.org com informação e evidência científica e "checklists" que as empresas e os colaboradores podem utilizar sobre saúde mental nos locais de trabalho.
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