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Um pouco menos de metade dos trabalhadores dos bancos centrais das economias avançadas são mulheres e, em média, apenas um terço das mulheres são economistas ou gestoras, de acordo com um estudo recente realizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Por outro lado, as mulheres ocupam 80% das funções administrativas e de recursos humanos, o que mostra que a segregação profissional “é bastante generalizada”, destaca o FMI.
Os elementos recolhidos pelo estudo “Quem são os bancos centrais?” a bancos centrais de economias avançadas (G7) e no Banco Central Europeu (BCE) mostram que as políticas para eliminar as disparidades de género têm sido apenas parcialmente bem-sucedidas e que estes bancos centrais têm margem para melhorar a inclusão das mulheres nas profissões económicas, em cargos de gestão e com contratos a tempo inteiro.
Em média, os bancos centrais obtêm uma pontuação elevada nas políticas de diversidade, tais como objetivos de contratação ou programas de orientação e esquemas de entrevistas garantidas. No entanto, estas políticas raramente são aplicadas por lei e estão frequentemente limitadas a pessoas com deficiência, sublinha o FMI.
Também existe um défice feminino na área da remuneração. Os bancos centrais registam um atraso no tipo de emprego oferecido e na remuneração - 65% do número total de empregados com contratos a tempo parcial são mulheres. Em alguns bancos centrais, esta percentagem chega a atingir os 80%. Embora estes contratos ofereçam flexibilidade, podem limitar a progressão na carreira das mulheres, contribuindo para o reduzido número de mulheres em cargos de direção. Diz ainda o estudo que a disparidade entre os géneros é ainda mais impressionante no que diz respeito à remuneração, pois apenas 27% das mulheres atingem os 20% dos rendimentos anuais mais elevados.
Mas porque isto acontece? A justificação passa muitas vezes por questões de adequação (“fit and proper”) de um setor que valoriza a experiência prévia para desempenhar cargos de liderança que tradicionalmente têm sido desempenhados por homens. Porém, “mais do que adequação, o que observamos muitas vezes é uma questão de tradição e cultura, com preconceitos errados relativamente ao impacto no desempenho da gestão da vida familiar e pessoal. Historicamente, muitas mulheres tiveram de fazer uma opção entre a vida profissional e a vida pessoal, para poder evoluir na sua carreira, adiando os seus projetos familiares. Isto é algo que está gradualmente a mudar e que devemos continuar a defender”, destaca Pedro Amorim, diretor de clientes empresariais do ManpowerGoup.
Num mundo em acelerada mudança e onde as questões de falta de paridade começam a deixar de ser toleradas, Pedro Amorim sublinha que um setor que se tem “mantido bastante tradicional e com uma forte predominância de líderes homens” deve começar “a inovar e reagir à transformação digital que está a processar-se e ir buscar profissionais a outras áreas com competências que trazem valor a este setor”. Acrescentando que “há mulheres extremamente competentes noutros setores que podem ser atraídas para a banca. Se o que for valorizado forem as competências técnicas e pessoais, estas são transversais a vários setores. Se o setor só quiser profissionais com experiência e senioridade nesta área, vamos ter sempre muito mais dificuldade em encontrá-las”.
O FMI sublinha ainda o papel relevante dos bancos centrais para estabelecerem elevados padrões de género de forma a serem seguidos por outras instituições económicas.
Portugal: o papel do regulador
E é isso que estará a fazer o Banco de Portugal (BdP). Em julho de 2022, o supervisor da banca nacional assinou a Carta para a Igualdade, Diversidade e Inclusão do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Mecanismo Único de Supervisão publicada pelo BCE. No documento, os signatários comprometem-se, enquanto empregadores, a promover a igualdade de direitos e oportunidades, a diversidade das suas equipas e culturas de trabalho inclusivas, em linha com os direitos fundamentais consagrados no Tratado da União Europeia.
O BdP é também membro fundador da ESCB & SSM Diversity Network, uma rede dinamizada pelo Banco Central Europeu que tem como objetivos potenciar a colaboração entre os membros do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Mecanismo Único de Supervisão e fomentar a partilha de boas práticas na promoção da igualdade. Também participa no iGen — Fórum Organizações para a Igualdade, no âmbito do qual assumiu o compromisso de incorporar nas estratégias e nos modelos de gestão os princípios da igualdade entre mulheres e homens no trabalho.
Questionado pelo Negócios sobre as práticas de igualdade na liderança levadas a cabo na instituição, o BdP referiu que “neste momento as mulheres são maioritárias na ocupação de cargos de liderança no Banco de Portugal, sendo a única exceção os lugares de direção”. Acrescentando que “todas as posições para lugares de liderança são objeto de concursos internos como primeira prioridade e, em caso de empate entre candidatos, é dada preferência ao candidato do género menos representado naquele departamento. No momento atual o Banco não sente dificuldade em preencher os lugares de liderança por mulheres”.
Consultando o último relatório do conselho de administração, de 2022, verifica-se que a proporção de mulheres no total de trabalhadores do banco continuou a crescer, atingindo 52,1% no final do ano. Mas, no que toca à distribuição por funções dos efetivos (pág. 80), existem 60 gestores de topo, sendo que 43 são homens e 17 são mulheres. Gestores intermédios serão 147 homens e 165 mulheres.
Num caminho que se faz caminhando, Pedro Amorim destaca que a banca está a fazer o seu. “Quando o regulador assume a importância de reforçar as suas estruturas, contratando mulheres, dá um sinal claro ao setor que tem de mudar”. E acrescenta que o país “está a dar passos seguros e a construir bases sólidas para promover igualdade de género nas funções de responsabilidade na banca. Temos seguido algumas das boas práticas dos países nórdicos, onde as mulheres estão em grande percentagem em cargos de topo, as quotas estão a contribuir para acelerar o processo e o regulador está a dar sinais desse caminho em direção à igualdade. É mais importante sermos consistentes do que rápidos, para não haver retrocessos”.
As práticas da banca
Questionado sobre se, como banco central, averigua a situação de igualdade de género nos “boards” e cargos de liderança dos bancos nacionais, o BdP remete-nos para o último relatório da Autoridade Bancária Europeia (ABE), onde se averigua que, apesar da exigência legal, uma proporção significativa de 27,05% das instituições (em 2018 eram 41,61%) ainda não adotaram uma política de diversidade. O relatório sobre “’Benchmarketing’ de práticas de diversidade e a diferença de pagamento entre género”, em linha com muitos outros estudos, identifica a existência de desigualdades de género, em especial, no que diz respeito à representação feminina em cargos de chefia. Na verdade, 56% das instituições não têm diretoras executivas.
Relativamente ao caso concreto de Portugal, a ABE indica que 100% das instituições de crédito avaliadas têm uma política de diversidade e 88,89% têm objetivos de género (pág. 15). Quanto à presença de mulheres diretoras executivas, nestas instituições, em Portugal, é de 21,74% (pág. 24).
No quadro relativo à percentagem de diretoras executivas recém-recrutadas, no caso de Portugal, passou de 15,63% em 2018 para 26,47% em 2021 (pág. 29). Já a representação de género nos órgãos de administração para administradores executivos é de 82,69% homens e 17,31% de mulheres. No que toca a administradores não executivos, a distribuição é de 77,62% de homens e 22,38% de mulheres (pág. 32).
Muito se fala na necessidade de promover a igualdade de género nas diversas áreas de liderança, não só por uma questão de justiça social, mas porque comprovadamente a diversidade enriquece e amplia qualquer visão estratégica. No estudo “Diretores do sexo feminino nos conselhos de administração dos bancos e a sua influência no desempenho e na assunção de riscos” (2015), a coautora Sílvia Fonte Santa analisou a influência da participação de mulheres em cargos de administração no desempenho dos bancos (p.e. ROA, ROE, rácios de margem financeira e Tobin-Q) e na tomada de risco (p.e. rácios de cobertura de imparidades, provisões, reservas e Z-score) nos 25 maiores bancos (excluindo bancos centrais) de 24 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) incluindo Portugal. E a conclusão foi que “a participação de mulheres na administração de grandes bancos europeus tem um efeito positivo na performance dos bancos e está ainda associada a uma menor assunção de risco. Esta conclusão mantém-se quando analisamos a presença de mulheres no conselho fiscal e, embora com algumas exceções, quando consideramos a sua participação na comissão de auditoria”. Além disso, “para uma subamostra de 134 bancos cotados foi ainda possível concluir que os mercados valorizam positivamente a presença de mulheres no conselho de administração, conselho fiscal e comissão de auditoria”, acrescenta.
Sílvia Fonte Santa destaca o papel da legislação para equilibrar os pratos da paridade, sublinhado que o aumento da participação de mulheres na administração de grandes empresas, incluindo em instituições financeiras, “assumiu maior expressão em países que adotaram legislação para o efeito, tais como França, Itália e Países Baixos. Nesse sentido, a aprovação de legislação a nível europeu - Women on Boards Directive – pode ser determinante ao prever que, até junho de 2026, pelo menos 40% dos cargos de diretores não executivos ou 33% de todos os cargos de diretores de empresas cotadas com mais de 250 trabalhadores sejam ocupados por mulheres”. Neste contexto, refira-se que, em 2017, foi publicada legislação em Portugal com vista à promoção do equilíbrio de género nos cargos de administração do setor empresarial do Estado e das empresas cotadas em bolsa, nomeadamente que a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização nas empresas não pode ser inferior a 33,3%.
A questão das quotas é vista por muitos como um “mal necessário” que visa “uma transição mais acelerada para uma realidade onde esta questão deixe de ser relevante”, refere Sílvia Fonte Santa. Contudo, a questão está enraizada na sociedade e pode ser comprometida por questões de oferta relacionadas com a participação das mulheres no ensino superior e a sua sub-representação em determinadas áreas. “Apesar dos progressos assinaláveis na captação de mulheres para cursos STEM (Ciências, Tecnologias, Engenharia e Matemática), e para o ensino superior, ainda temos uma herança do passado que pode colocar em causa as qualificações e experiência necessárias para estes cargos”, refere a também técnica consultora do BdP.
Já Pedro Amorim destaca que a cultura de um país impacta as organizações e que “é preciso maturidade para assumir que as diferenças têm de ser respeitadas e protegidas. As quotas estão a ajudar nesta mudança, mas não são suficientes. Deve efetivamente haver um esforço consciente e deliberado de promoção da paridade, que impacte a cultura das organizações e se traduza em objetivos concretos, promovidos pela sua liderança”.
A banca está a fazer o seu caminho numa sociedade em acelerada mudança. Neste cenário, Pedro Amorim observa que “começa a haver uma maior consciência social, que rompe barreiras e promove um maior equilíbrio no acesso às funções, tanto por mulheres em setores mais masculinos, como por homens em áreas mais associadas às mulheres”.