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Há mais na floresta que apenas madeira

Recursos florestais estão a criar subprodutos nas áreas da construção, embalagens, biocombustíveis e muitos outros. Uma forma de aumentar (ainda mais) a bioeconomia e de proteger o planeta.

15 de Maio de 2024 às 13:30
Um terreno que seja gerido e trabalho tem menor probabilidade de ser afetado por um incêndio.
Um terreno que seja gerido e trabalho tem menor probabilidade de ser afetado por um incêndio. Ricardo Almeida
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Quando se fala em floresta pensa-se imediatamente num terreno cheio de árvores. Sendo que em Portugal o eucalipto domina, com cerca de 25% da área florestal. No entanto, a chamada bioeconomia já representa um volume de negócios de 41 mil milhões de euros em Portugal.

Segundo o relatório "Bioeconomia 2030" - que cita dados do Joint Research Centre (JRC) da Comissão Europeia, relativos a 2017 -, o setor das florestas, suportado em grande medida pelas indústrias da fileira florestal, gera 24% do volume de negócios da bioeconomia (9,8 mil milhões de euros) e 11% do emprego (cerca de 76,5 mil postos de trabalho). Os números demonstram o valor económico da floresta portuguesa.

Mas está a ser bem aproveitada? Para Filipa Silva, "project officer" na Zero, a floresta não tem de ser necessariamente "aproveitada". Para a ambientalista, a floresta fornece-nos serviços de ecossistemas, entre os quais os serviços de aprovisionamento (madeira, cortiça, resina e outras matérias-primas) que são suscetíveis de aproveitamento económico, enquanto os serviços de regulação como o fornecimento de água, a regulação climática e do ciclo dos nutrientes, o sequestro de carbono, a prevenção de incêndios, refúgio de biodiversidade e prevenção da erosão não são valorizados economicamente pela sociedade e deveriam sê-lo.

Carlos Pascoal Neto, diretor-geral do RAIZ - Instituto de Investigação da Floresta e Papel, explica que os produtos baseados em fibras celulósicas são, por si só, exemplos em termos de economia circular de produtos com a taxa de reciclagem mais elevada que conhecemos no nosso sistema industrial. "A nível europeu, cerca de 75% da fibra celulósica é reciclada", afirma, acrescentando que os plásticos têm uma taxa de reciclagem "bastante inferior".

Na opinião do responsável do RAIZ, há todo um conjunto de aproveitamentos para o material florestal. Novas embalagens, biocombustíveis, cosméticos, produtos de higiene e cuidados pessoais, nutracêuticos e aditivos alimentares são alguns dos subprodutos que estão a "sair" do programa de investigação e desenvolvimento do RAIZ.

E aqui o eucalipto, nomeadamente o plantado em Portugal - o eucalipto globulus - tem vantagens competitivas, dado que tem uma fibra mais reciclável que as suas competidoras. Carlos Pascoal Neto vai mais longe e refere que, no que concerne à floresta plantada, esta é uma fonte de produtos de origem renovável, recicláveis e biodegradáveis, substitutos do petróleo (conceito de biorrefinaria e de bioeconomia circular de base florestal. "As florestas, em particular as florestas plantadas de eucalipto, são cruciais no sequestro de carbono e mitigação de alterações climáticas", afirma o diretor-geral da RAIZ, que acrescenta que por hectare, as plantações de eucalipto sequestram até 3 vezes e 7 vezes mais do que áreas equivalentes de pinhal e montado, respetivamente.

"Anualmente, a floresta de eucalipto nacional sequestra mais de 11 toneladas de CO2 por hectare. Dados recentes (RAIZ e UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) demonstraram que, em florestas de eucalipto com gestão ativa, em média, mais de 2/3 do carbono total está retido no solo. Em estado de equilíbrio (plantação e colheita, com adequadas práticas silvícolas) este "stock" de carbono mantém-se, evidenciando o papel crucial das plantações de eucalipto na retenção permanente de carbono nos solos", explica o diretor-geral do RAIZ.

Mas, mais até do que o aproveitamento e a criação de novos produtos, Carlos Pascoal Neto realça o papel da floresta numa economia de baixo carbono. Em alternativa ao padrão atual, a floresta emerge como uma fonte viável de produtos renováveis, biodegradáveis e reutilizáveis - com menor pegada ecológica. Sem esquecer o seu papel do sequestro de carbono.

Mais do que pensar apenas no aproveitamento económico da floresta, a ambientalista Filipa Silva defende que se deve encarar a saúde dos ecossistemas e o fornecimento dos seus serviços. Sendo que, no que diz respeito aos "serviços de aprovisionamento, nomeadamente no que às matérias-primas, muito há a fazer para que a floresta seja mais produtiva do que é atualmente". Segundo a ambientalista da Zero, Portugal tem mais de 400 mil hectares de eucaliptais abandonados ou improdutivos que representam um passivo ambiental "que necessita de ser resolvido o quanto antes". "Estes espaços podem ser rearborizados (com eucalipto) ou reconvertidos para floresta autóctone, permitindo assim que, em troca, exista a possibilidade de se estabelecerem novas arborizações com eucalipto em novos locais."

A floresta como fornecedor de matérias-primas

Até aqui, a floresta funcionou muito na base de servir de fornecedor de madeira. Mas é uma visão que está a mudar. A RAIZ, por exemplo, tem vários projetos em curso em que se aproveita o material florestal para a criação de subprodutos.

Através do Inpactus - um programa de I&D no domínio da bioeconomia de base florestal, da ordem dos 15 milhões de euros - já foram desenvolvidas mais de 37 patentes submetidas ou em preparação. Algo que se traduz em 66 protótipos e 114 provas de conceito. Um exemplo? A nova gama de papéis para embalagem, a gKraf, um novo tipo de embalagem que foi desenvolvida "com o objetivo de contribuir para acelerar a transição do uso do plástico para a utilização de fibras naturais, sustentáveis, recicláveis e biodegradáveis".

Mas essa não é a única possível utilização para os recursos florestais. Nos projetos do RAIZ encontram-se em fase de comercialização ou pré-comercialização materiais para o mercado da higiene e saúde, como os produtos "tissue" com aditivos - perfumes, suavizantes ou antibacterianos. E convém não esquecer a nova geração de bioprodutos, como biocompósitos à base de celulose e bioplásticos, com potencial utilização em indústrias tão diversas como a injeção e moldagem de plásticos, filamentos para impressão 3D e indústria têxtil.

Isto pode já parecer muito, mas a estas aplicações juntam-se ainda os produtos bioativos e essências, que têm potencial de aplicação na área farmacêutica, cosmética e nos produtos de higiene, em ingredientes de alimentação animal ou na nutracêutica.

Na construção há projetos para criar argamassas e novos cimentos com integração de cinzas das caldeiras de biomassa.
As possibilidades são imensas. Na área da construção, por exemplo, há projetos a decorrer no sentido de criar novas argamassas e cimentos ecológicos com integração de cinzas das caldeiras de biomassa, assim como aplicações da lenhina, um subproduto do processo industrial, para aplicação em espumas de poliuretano, adesivos e compósitos.

"O processo industrial associado à transformação da madeira em fibras celulósicas é, igualmente, um processo altamente circular", afirma Carlos de Pascoal Neto, que explica que a circularidade está inerente ao próprio processo. Quando a madeira entra numa fábrica ela é convertida em fibra celulósica. Sendo que "apenas 50% da madeira é convertida em fibra celulósica". O restante é dissolvido no processo e recuperado em caldeiras de recuperação, onde os produtos químicos são recuperados e voltam a entrar no processo e os subprodutos derivados da madeira são convertidos em calor e energia elétrica.

Ter uma gestão integrada da floresta significa maior valor económico e proteção extra ao território.
"A floresta não pode ser só entendida como uma "máquina" de fornecimento de matérias-primas", afirma Filipa Silva, que acrescenta que "se a entendermos como tal estaremos a prejudicar a sociedade no seu todo". A explicação, segundo a ambientalista, reside no facto de a podermos estar a pôr em causa o nosso futuro caso a floresta deixe de prestar serviços de ecossistemas. Já no que concerne à economia circular, "deveríamos procurar obter produtos duradouros que poderiam permanecer muito tempo na economia, situação que não se verifica atualmente, uma vez que está a ser realizado o corte de floresta para a produção de péletes, quer para o aquecimento dos lares, quer para exportação para a produção de energia, e também está a ser utilizada madeira para alimentar as centrais de biomassa que deveriam utilizar unicamente os sobrantes florestais e beneficiam de subsídios para a produção de eletricidade que estão a ser utilizados para destruir a floresta".

Ter uma gestão integrada da floresta significa não só atribuir-lhe um maior valor económico, criando inclusive novos subprodutos de valor acrescentado, mas também garantir uma proteção extra ao território. Nomeadamente no que concerne aos fogos florestais que todos os anos assolam o território nacional. Isto porque os dados indicam que um terreno que seja gerido e trabalho tem menor probabilidade de ser afetado por um incêndio. Adicionalmente, os dados também indicam que o eucalipto sequestra anualmente mais de sete vezes o que sequestra o sobreiro e 3 vezes o que sequestra o pinheiro-bravo. Anualmente, e por hectare, esta espécie sequestra cerca de 11,3 toneladas de CO2, valor que representa o maior nível de sequestro anual das espécies presentes na floresta nacional. Com medidas de gestão florestal e consequente aumento de produtividade em cerca de 20 a 30%, essa capacidade de sequestro aumentaria para cerca de 13,6 toneladas de CO2/hectare ao ano.
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