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O mercado de dívida sustentável em Portugal cresceu em 2024, apesar de a um ritmo mais lento do que em 2023. A nível europeu, Alemanha e França mantêm-se na liderança, à medida que a Europa simplifica a regulação financeira para fomentar o financiamento com critérios ambientais, sociais e de governo societário (ESG, na sigla em inglês).
Em dezembro de 2024, o "stock" de títulos de dívida com categoria ESG em Portugal totalizava os 13,8 mil milhões de euros, o que representa um crescimento de 27,9% face ao final do ano anterior, de acordo com dados do Banco de Portugal. É, contudo, uma desaceleração quando comparado com o aumento de 49% registado em 2023.
Considerando as subcategorias do mercado, 9,6 mil milhões (ou seja, 70%) eram verdes, enquanto 18,5% ligados à sustentabilidade, 3,8% sustentabilidade e 7,8% social. Já sobre os emitentes, o supervisor da banca indica que 76% (ou mais de 10,4 mil milhões de euros) dizem respeito a empresas não financeiras, enquanto ao setor financeiro dizem respeito os restantes 3,36 milhões de euros já que as administrações públicas se mantêm a zeros.
Depois de bancos como o BCP ou o Crédito Agrícola o terem feito em anos passados (tal como a Caixa Geral de Depósitos, mas sempre noutras geografias), no ano passado o único representante do setor financeiro na bolsa de Lisboa foi a Fidelidade com uma colocação de obrigações verdes. A maior fatia veio, assim, das duas emissões de "green bonds" da EDP e uma da Greenvolt.
Houve também uma única operação de emissão de obrigações sociais - da Casa Mendes Gonçalves - e cinco linhas de obrigações ligadas a sustentabilidade, emitidas pela Navigator, Mota-Engil, CUF, VAA - Vista Alegre Atlantis e SIC. Nestas dez colocações foram captados 2.551 milhões de euros, o que compara com apenas quatro operações em 2023, mas de maior dimensão já que o financiamento conseguido foi de 2.000 milhões de euros.
Novas obrigações e notação padronizada
Pioneira neste mercado, a EDP é também o emitente mais ativo na bolsa de Lisboa. Já em janeiro de 2025 levou a cabo uma emissão de 750 milhões de euros em obrigações verdes a seis anos e meio, que foram as primeiras no formato EuGBS - a nova designação de "obrigação verde europeia" que foi criada no âmbito do regime legal aplicável desde 21 de dezembro de 2024 e que estabelece um conjunto de requisitos para que um emitente a possa utilizar no contexto de processos de financiamento.
O objetivo é promover a integridade e a acessibilidade dos títulos verdes, aumentando a confiança dos investidores e facilitando o fluxo de capital para projetos ambientalmente sustentáveis, apoiando, em última análise, a transição para uma economia de baixo carbono. No entanto, há quem veja um impacto limitado.
"Para as empresas, o alinhamento com a Taxonomia da UE verifica-se predominantemente nas ‘utilities’, com mais de metade de todas as despesas de capital alinhadas reportadas em 2023 provenientes de emitentes do setor. Apenas 9% dos títulos verdes em circulação estão totalmente alinhados com a Taxonomia da UE, enquanto 60% são emitidos por empresas de ‘utilities’ e financeiras", diz Larissa de Barros Fritz, estratega sénior de obrigações do banco ABN Amro.
Estratega do ABN Amro
"Como resultado, o mercado de EuGBS da UE parece estar limitado a um pequeno número de setores, especificamente financeiro e de ‘utilities’, e a alguns emitentes selecionados. As nossas conclusões mostram que os custos extra associados à emissão de obrigações EuGBS não parecem ser justificados pelos benefícios", adverte.
Mas esta é apenas uma das mudanças em curso. Em novembro de 2024, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram também um regulamento relativo à transparência e integridade das atividades de notação ESG, dando resposta às críticas do mercado sobre metodologias diferenciadas. "A concretização do Pacto Ecológico Europeu de tornar a Europa neutra em termos climáticos até 2050 exige uma mudança nos fluxos de capital para atividades sustentáveis", lembram os especialistas da Cuatrecasas, numa análise à decisão.
"Notações ESG fiáveis, combinadas com outras iniciativas regulamentares tomadas a nível europeu (por exemplo, a Diretiva relativa à divulgação de informações sobre a sustentabilidade e a Taxonomia da UE), apoiam esta transferência de capitais, facilitando os investimentos sustentáveis, uma vez que os potenciais investidores podem basear-se em notações para avaliar o perfil ESG de um investimento, o que, combinado com outras classificações ESG (como, por exemplo, a classificação do Pacto Ecológico Europeu) e divulgações comparáveis adequadas, reduz o ónus e o custo de o investidor efetuar uma ‘due diligence’ mais pormenorizada", acrescentam.
Fundos alargam exposição dos pequenos investidores
Estas mudanças regulatórias - acompanhadas de outros incentivos como o anúncio do Banco Central Europeu (BCE) de que vai reformular a sua carteira de dívida corporativa para favorecer empresas mais verdes ou as novas orientações da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) relativas às denominações dos fundos que utilizam termos ESG - são incentivos adicionais um mercado que tem vindo a crescer sucessivamente.
Segundo dados do BCE, o montante em circulação de dívida sustentáveis emitidos na Zona Euro mais do que duplicou nos últimos três anos. França e a Alemanha são tanto os principais emitentes como detentores destes títulos, representando mais de metade do mercado destes instrumentos. Os Países Baixos são o terceiro maior emitente e o Luxemburgo o terceiro maior detentor. "Os restantes países da Zona Euro representam uma pequena parcela das emissões e das participações em obrigações verdes, tendo alguns países entrado recentemente no mercado ou ainda não tendo entrado", indica a autoridade monetária.
Além de incentivar os emitentes, os esforços a nível europeu poderão igualmente estimular uma maior participação dos investidores, incluindo de retalho. A nível nacional, apesar deste público estar a crescer nos últimos anos, ainda mantém um pouco expressivo: no final do ano passado os investidores individuais detinham 650 milhões de euros em títulos de dívida sustentável - o que compara com quase 3,63 mil milhões de euros por parte das sociedades financeiras e de 9,45 milhões por parte de investidores internacionais, segundo números do Banco de Portugal.
Banco Central Europeu
O valor poderá, contudo, ser mais elevado quando considerando organismos de investimento coletivo. De acordo com os últimos dados disponíveis da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a 30 de junho de 2023, havia 182 fundos de investimento mobiliários (ou seja, não apenas obrigações, mas também ações, entre outros ativos) em Portugal classificados segundo a regulação europeia relativa à sustentabilidade, responsáveis pela gestão de 18,1 mil milhões de euros em ativos.
É esta também a realidade europeia. "No que diz respeito às participações em títulos de dívida verde por parte dos residentes da Zona Euro, os fundos de investimento são os principais intervenientes no mercado, seguidos pelas companhias de seguros e pelos fundos de pensões, juntamente com os bancos centrais. Os restantes setores desempenham um papel muito residual, com as famílias a entrarem no mercado de dívida verde apenas indiretamente, através de fundos de investimento", refere o BCE.