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Qual é o poder dos bancos centrais para combater as alterações climáticas? Diretamente, é “muito limitado”, asseguram Alexander Dietrich, Gernot Mueller e Raphael Schoenle, três economistas que trabalham os temas da inflação e política monetária, numa entrevista por escrito ao Negócios.
Mas a comunicação, e os sentimentos que esta provoca, são forças muito poderosas, asseguram os autores do estudo “Alterações climáticas e bancos centrais: introdução ao canal das expectativas”, publicado no VoxEU, o portal do Centro para a Investigação de Políticas Económicas (CEPR).
Os bancos centrais têm um papel determinante na transição climática, ou esse papel é dos governos?
Há um consenso alargado de que os governos deveriam assumir um papel na abordagem à transição climática. O problema de base está bem identificado. Os preços de mercado, se forem deixados sem qualquer intervenção, não refletem os verdadeiros custos das emissões. Para isso, precisam de subir. Isto pode ser conseguido através da intervenção dos governos e a melhor forma é impor uma taxa de carbono, ou um tecto, ou um mecanismo de comércio de emissões de carbono. Temos visto algum progresso nos anos mais recentes. O papel dos bancos centrais nas alterações climáticas é, em contrapartida, muito limitado. Para a política monetária é mais importante compreender as implicações das alterações climáticas, bem como das políticas de mitigação. É aqui que a nossa investigação (Dietrich, Mueller e Schoenle 2021) entra. Dedica-se ao canal das expectativas das alterações climáticas: independentemente de serem verdadeiras, as pessoas têm convicções sobre as alterações climáticas e como podem gerar desastres naturais no futuro. Estas crenças influenciam as suas decisões de consumo e de investimento no presente. Estas alterações nas convicções podem provocar flutuações no ciclo económico a que a política monetária deveria responder.
Quando os bancos centrais ocupam o palco das transições climáticas, tiram pressão sobre os governos?
Nem por isso. Ninguém pode seriamente esperar que os bancos centrais deem um contributo significativo. É bem diferente do que aconteceu na crise do euro, em que as ações do BCE serviram de desculpa para os governos adiarem os ajustes necessários. Mas na nossa pesquisa descobrimos que a comunicação dos bancos centrais pode mudar as convicções das pessoas sobre os riscos das alterações climáticas. No nosso inquérito, feito nos EUA, apresentamos uma afirmação de Lagarde em que a presidente do BCE dizia que iria “explorar todos os caminhos possíveis para combater as alterações climáticas”. Depois, perguntámos sobre a probabilidade de acontecer um desastre natural nos próximos 12 meses. Como resultado de terem sido confrontados com a afirmação, os inquiridos revelaram expectativas mais elevadas sobre a probabilidade de um desastre natural do que os que não tinham sido expostos à frase.
A vossa pesquisa demonstrou que expectativas elevadas sobre a probabilidade de um desastre natural baixam a taxa de juro natural. No contexto atual, de alta inflação, têm um efeito positivo?
Sim. Uma queda na taxa de juro natural é um problema grave para os bancos centrais se as taxas estiverem perto de zero. Agora que deverão subir, este problema é menos severo. Porém, tendo em conta que é preciso tempo para que as ações dos bancos centrais produzam efeito, é vital que os bancos centrais compreendam os motores do ciclo económico para darem a resposta adequada. Nem as expectativas sobre as alterações climáticas, nem a taxa de juro natural são diretamente observáveis. O mesmo se aplica a outros fatores que influenciam o ciclo económico. Por isso há o risco de a taxa de juro natural cair, mas os bancos centrais não ajustarem a sua política de juros em conformidade. Isto é mau para a economia.
E ao reduzir a procura, estas expectativas, somadas a constrangimentos nos abastecimentos, incerteza, preços elevados, prejudicam a recuperação económica?
Não. Estas expectativas sobre as alterações climáticas operam por cima disso tudo – para o bem e para o mal. As expectativas sobre as alterações climáticas são um exemplo maravilhoso de uma ideia antiga sobre o ciclo económico: a importância dos sentimentos para as decisões económicas. As expectativas e os sentimentos variam consoante as narrativas que definem o nosso tempo, tal como sublinhado pelo trabalho do prémio Nobel Robert Schiller. A nossa investigação sublinha esse ponto: mudanças nas expectativas podem ser uma força poderosa na condução da economia, tal como são as disrupções reais, como por exemplo, a pandemia.
Quando um banco central defende a necessidade de investimentos verdes contribui para a subida da inflação?
Sim. Pelo menos no curto prazo, a transição verde fará com que a inflação suba, mas este é sobretudo um efeito colateral da oferta. As empresas precisam de atender a novas regulamentações, a energia fica mais cara, etc. Os novos investimentos também podem aumentar a procura agregada. Mas o sentimento dos consumidores pode diminuir em resposta à transição verde. Isso é pelo menos o que o nosso trabalho enfatiza. Assim, esperamos que o efeito inflacionista ocorra principalmente do lado da procura.