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Tribunal de Contas dá boa nota a Portugal na ação climática

No âmbito da ferramenta global ClimateScanner, Portugal teve uma pontuação “muito positiva”, mas tem de investir mais em estratégias de mitigação e adaptação e em mecanismos de financiamento climático.

18 de Dezembro de 2024 às 13:30
Sérgio Lemos
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As conclusões constam no relatório do Tribunal de Contas, agora publicado no âmbito do projeto ClimateScanner.

Chama-se ClimateScanner e é uma ferramenta global que permite às autoridades fiscalizadoras mundiais - como é o caso do Tribunal de Contas, em Portugal - fazerem uma avaliação independente da aplicação dos recursos públicos e do desempenho das políticas governamentais relacionadas com a crise climática. Durante 2024, mais de 240 auditores de 141 países participaram numa ação conjunta para identificar os pontos fortes e fracos de cada país, bem como os desafios que enfrentam. Apresentados na COP29, no Azerbaijão, os resultados dos primeiros 61 países a concluírem o processo de auditoria foram agregados e consolidados numa plataforma comum que permite uma visão panorâmica a nível mundial.

Em relação a Portugal, o Tribunal de Contas revela agora que "a avaliação das ações públicas nacionais relacionadas com as alterações climáticas foi, na generalidade, muito positiva". Esta é a principal conclusão do relatório do TdC agora publicado no âmbito do projeto ClimateScanner, uma iniciativa do Grupo de Trabalho de Auditoria Ambiental da Organização Mundial de Tribunais de Contas (INTOSAI, na sigla em inglês), sob coordenação do Tribunal de Contas do Brasil (TCU), que atualmente preside à INTOSAI, e apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

De acordo com o TdC, a avaliação assentou em três eixos: governança, políticas públicas e financiamento. E incidiu apenas sobre o desenho das políticas e medidas, e não sobre a sua efetiva implementação. Neste contexto, Portugal obteve uma "pontuação global positiva", mas ainda assim "há áreas que justificam mais atenção e desenvolvimento", conclui o Tribunal, tais como a inclusão, fiscalização e litígio climático; coordenação horizontal e vertical; estratégias de mitigação e adaptação; e mecanismos de financiamento climático, tanto público como privado, nacional e internacional.

Dos três eixos avaliados, aquele com melhor desempenho (87%) foi o das políticas públicas, destacando-se a nota máxima nos Planos Nacionais de Adaptação (100%). Aqui, o relatório do tribunal aponta os principais documentos estratégicos já aprovados em Portugal, tais como a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas e a Lei de Bases do Clima, que prevê a criação de um Portal da Ação Climática e a integração de riscos climáticos na tomada de decisões das instituições e agentes públicos e privados, incluindo a avaliação do impacto legislativo climático.

"Ao abrigo do Acordo de Paris, os governos comprometeram-se a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e a implementar medidas de adaptação e mitigação face às alterações climáticas. Estes compromissos têm de ser refletidos nas políticas públicas nacionais. Em Portugal olhámos para os setores dos transportes e energia (políticas de mitigação) e para os recursos hídricos e zonas costeiras (políticas de adaptação). A pontuação global foi elevada", diz o TdC.

Já o eixo da governança também obteve uma boa classificação, de 86%, sendo que as componentes relativas ao Enquadramento Legal e Regulamentar, Estrutura do Governo, Estratégia de Longo Prazo, Gestão de Risco, Envolvimento das Partes Interessadas, e Transparência registaram uma avaliação de 100%. "O relatório indica que as responsabilidades dos organismos públicos relativamente às alterações climáticas estão claramente definidas na lei e que não se identificaram lacunas nem impactos negativos, apesar de existirem entidades com competências repartidas", refere o Tribunal de Contas.

11%Indicador
A área que mais carece de progresso é a componente relativa à inclusão, onde o país teve avaliação de 11%.

"Quando se analisam os aspetos de governação, Portugal obteve uma pontuação elevada. Olhando mais de perto, a área que mais carece de progresso é a componente relativa à inclusão, que foi identificada como constituindo um desafio, com uma avaliação de apenas 11%", conclui.

Por último, o eixo do financiamento foi o que registou a classificação mais baixa: 63%. Apesar de o país estar empenhado no objetivo de mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano para a ação climática nos países em desenvolvimento (entretanto revisto e aumentado na última COP), em Portugal "a afetação de recursos tem tido uma oscilação ao longo do tempo, mas verifica-se uma tendência crescente de ajuda pública ao desenvolvimento na área relacionada com o clima", concluiu o tribunal.

Já no que toca aos mecanismos de financiamento climático nacionais e internacionais, diz o TdC que "não existe um levantamento das alternativas possíveis para o financiamento privado, nem uma sistematização eficaz para efeitos de monitorização e comunicação".

Portugal é avaliado enquanto país doador e recebeu uma pontuação média. Teve mais sucesso no financiamento climático internacional (89%) e menos nos mecanismos de financiamento climático privado, com 33%. Tribunal de Contas
Fonte oficial

Segundo a avaliação, "os custos para implementar as ações necessárias para fazer face às alterações climáticas são muito elevados". E mais: existe toda uma "arquitetura complicada" de acordos financeiros nacionais e internacionais, públicos e privados. "Alguns países são obrigados a fornecer financiamento e outros são elegíveis para receber apoio financeiro. Portugal é avaliado enquanto país doador e recebeu uma pontuação média. Teve mais sucesso no financiamento climático internacional (89%) e menos nos mecanismos de financiamento climático privado, com 33%", refere o Tribunal de Contas.

Oito biliões de dólares por ano para a ação climática global

Na visão do vice-presidente do Tribunal de Contas do Brasil (que está à frente da INTOSAI), Vital do Rêgo, "o ClimateScanner demonstra acima de tudo o potencial dos tribunais de contas mundiais para fornecer informações confiáveis para decisões sólidas" sobre políticas públicas climáticas. Já para a responsável do PNUD para a transformação digital nas áreas de natureza, clima e energia, Reina Otsuka, "a missão do Climate Scanner alinha-se com o quadro de transparência do Acordo de Paris, através do qual os países relatam os seus progressos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas", que terão de ser entregues em 2025.

"Ao complementar os relatórios nacionais para a Convenção do Clima com dados verificados por entidades fiscalizadoras superiores, o mecanismo de revisão do Acordo de Paris estará ainda melhor informado", acrescentou. Otsuka. Para já, os resultados do ClimateScanner ainda são preliminares e podem ser alteradas já em 2025, quando as avaliações dos restantes países forem concluídas.

Neste momento, em relação ao financiamento global das ações contra as alterações climáticas, 73% dos países que participaram no ClimateScanner em 2024 dizem que não conseguem rastrear o mesmo, o que prejudica o acompanhamento dos gastos diretos e indiretos dos governos. "Os países que mais precisam de financiamento internacional não têm capacidade para aceder. A ferramenta mostra que 21 países destinatários de recursos financeiros precisam de avaliar as suas necessidades ou mapear possíveis fontes de financiamento", refere a INTOSAI.

Outro aspeto analisado são as estratégias dos governos para incentivar o investimento do setor privado em projetos climáticos. A conclusão é que, também aqui, faltam mecanismos de rastreio e transparência. Para cerca de 74% das nações, o acompanhamento é inexistente ou insuficiente e 41% não publicam quaisquer relatórios. Na avaliação do ClimateScanner, "os dados indicam que as fontes públicas de financiamento são insuficientes para superar o desafio global das mudanças climáticas".

São necessários oito biliões de dólares por ano para a ação climática global. Atualmente, o valor identificado é de 1,3 biliões, dos quais apenas 49% têm origem no setor privado. Organização Mundial de Tribunais de Contas
Fonte oficial

"A estimativa é que sejam necessários oito biliões de dólares por ano para a ação climática global. Atualmente, o valor identificado é de 1,3 biliões, dos quais apenas 49% têm origem no setor privado. O investimento privado é visto como uma alternativa para complementar os orçamentos públicos na execução de projetos climáticos de mitigação e adaptação", refere a Organização Mundial de Tribunais de Contas.

Em termos de governança, embora 80% dos países que participaram no ClimateScanner tenham uma estrutura para implementar ações climáticas, 58% tenham leis aprovadas e 64% possuam estratégias de longo prazo a monitorização tem de ser fortalecida, diz a INTOSAI. A análise mostra que em 27% dos países estes mecanismos estão ausentes e em 45% a informação não resulta em melhorias na formulação de políticas públicas.

Cerca de 46% dos países carecem de mecanismos para incluir as populações mais vulneráveis no desenho destas políticas e são poucas as estratégias que consideram as necessidades desses grupos, de acordo com 40% dos países. Quanto às estratégias de mitigação, a maioria dos países possui planos setoriais alinhados, sendo que 77% apresentam uma consistência média/avançada entre planos setoriais e estratégias nacionais para reduzir emissões.

Nas políticas públicas de adaptação e mitigação, os governos devem melhorar a gestão de riscos, a monitorização e a avaliação, já que cerca de 47% dos casos mostram mecanismos em estádio inicial ou a ausência deles, em setores como água, segurança alimentar e desastres. A mesma situação foi encontrada em 35% das avaliações para políticas de mitigação, como no setor de energia.

Na COP30, que será realizada em novembro de 2025, no Brasil, serão apresentados os resultados completos do ClimateScanner a nível global. Os responsáveis sublinham a necessidade de ampliar ainda mais o uso da plataforma. "Ao olhar para o futuro, devemos continuar a fortalecer o ClimateScanner enquanto ferramenta capaz de fornecer uma visão geral dos mecanismos de ação climática existentes em cada país", rematou a INTOSAI.

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